A propósito da polémica em torno das noivas de Santo António...
Não há nenhum entrave teológico a que Deus possa decidir sair do armário.
Encerrado que está em tantas caixas de preconceito e intolerância, Deus, se existir, terá uma tarefa complicada pela frente sempre que quiser comunicar com aqueles que acreditam nele.
Para alguns só seres que usem saias podem contactar directamente com Ele. Mas esses seres não podem ser mulheres. Têm que ser homens de barba rija que se abstêm de qualquer actividade sexual, mesmo que nela não envolvam terceiros.
O que parece que exclui o Príncipe Carlos que, de vez em quando, usa saias. Se bem que tenha umas orelhas que lhe permitiriam dedicar-se à escuta dos divinos ditames, parece que Deus não quererá nada com ele enquanto a sua matusalénica mãe não se decidir a passar-se de vez para o outro mundo. E isto dando de barato que a Igreja Anglicana é mesmo uma Igreja.
Ora, o que parece ser um sarilho teológico é a Humanidade precisar de procriar e, por isso, ter que chafurdar entre lençóis nas safadezas do sexo. Mais valia os homens não precisarem de se dar com mulheres. Não fosse o Adão chorar baba e ranho nas profundezas do seu inferno terreal, mesmo no centro do Paraíso, e uma das suas costelas não precisava de ser transformada numa tentação com pernas.
E se o Adão não se tivesse rebelado em relação à sua condição de homossexual? Caro leitor, não estou a abusar da sua paciência: o facto de só existir um homem, não tendo ainda sido inventada a mulher, essa criatura improvável, não significa que esse espécime nascido directamente da operosidade divina, pudesse, sequer, pensar em gostar de mulheres? como terá sido criado com todas as pendurezas que hoje ainda são bem evidentes até no mais requintado metrossexual, se tivesse vindo de origem com uma libido funcional, para quem se viraria ele? Se existisse outro ser igual a si, se calhar não se faria rogado. Não havendo, teria três opções: o onanismo, o bestialismo ou a teofilia. Sim, caro leitor, Adão poderia ver no próprio criador um foco de investimento objectal. Talvez a invenção da mulher tivesse sido um estratagema homofóbico. Quem sabe?
O que nos remete para o problema, muito bem colocado por Alberto Costa, das noivas de Santo António, em reacção à imprudência dos serviços camarários. Que um evento com o timbre do Estado Novo tenha voltado em força para povoar o imaginário popular com a propaganda ao casamento dos heterossexuais (embora com a inovação progressista dos casamentos pelo civil) não parece causar quaisquer problemas a um presidente da câmara socialista. Mas como é que se poderia arranjar noivas num casamento entre homens? Talvez os casamentos lésbicos pudessem fazer aumentar exponencialmente o número de noivas, o que deixaria, de certo, muito contentes os patrocinadores, pois teriam muitas mais fadas do lar no evento, com o mesmo dispêndio de verbas. Mas não se pode discriminar entre homens e mulheres no que diz respeito ao casamento. O que é muito justo. Por isso nem todas as noivas poderão participar nas noivas de Santo António.
Mas Santo António recusar-se-ia a partir a bilha às meninas lésbicas que iam à fonte? Não estaria assim a desmentir os evidentes sinais de precoce santidade que exibia quando, ainda pueril marmanjo, se metia tão descaradamente com as raparigas?
Mas voltando à opção sexual do próprio Deus (mais um argumento em favor da aparente monstruosidade teológica: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, não foi? Se o criou sexuado… Até o Descartes seria incapaz de descogitar esta conclusão…): Deus será, se existir e se tiver tomado uma opção sexual, teossexual, teófilo, por assim dizer. Mas aí talvez fique explicada a criação do homem. Não podendo criar outro Deus para com ele se antecipar ao argumentista do brokeback mountain, não terá sido por isso que das suas mãos saiu esse boneco de barro que hoje olhamos com desdém, 150 anos depois da publicação da Origem das Espécies. Seria uma espécie de boneca insuflável dos tempos antediluvianos? Talvez…
E o Paraíso Terreal poderá ter sido o cenário duma espécie de Peep-show. Pode bem ser que estejamos perante um Criador voyeurista. Nesse caso a mulher deu cabo do espectáculo. Foi uma intrusa no meio dum cenário elaboradíssimo. E a coisa deu para o torto. Ou o espectáculo estava montado para a coisa dar para o torto. Mas não vou entrar por aí para não ter que me ver com o caos da Patrística e as agudezas do problema do livre-arbítrio. Pena que naquela altura ainda não existissem jornalistas da SIC a promover petições a pedir ajudas tecnológicas para a arbitragem. O melhor seria já existirem essas coisas logo nos primeiros instantes da Criação. A coisa talvez teria saído mais escorreita… Imaginem um mundo em que o dióxido de carbono não provocasse o efeito de estufa, ou composto só de duas ou três espécies de bicheza para calar por antecipação os chatos dos ambientalistas sempre a clamar contra o fim da biodiversidade. Mas convenhamos que a criação do Adão sem um par foi um golo na própria baliza. Isso parece-me irrefutável.
Tanto atabalhoamento é como terem deixado entrar um emplastro numa megaprodução do Cecil B. Demille. Imaginem o Cromagnon de direita, defensor acérrimo da posse de armas, a fazer de Moisés, com as tábuas da Lei no ar, pronto a dar vazão à sua birra de quem viu Deus e ninguém quis saber, e lá ao fundo, um fulano português a gritar «Pinto da Costa olé, olé…».
Mas se a História tiver um sentido teodiceico, e ninguém pode negá-lo em absoluto, talvez o Criador possa chegar à conclusão de que o melhor é assumir de vez a sua tendência para sobrestimar o lado masculino das coisas. Mas talvez venha até a ser excomungado pelos seus mais poderosos representantes. «Não há lugar aqui para um Deus teófilo, fim à teofilia!».
Publicado por Paulo Feitais em:
serpenteemplumada.blogspot.com
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