Hércules e a Hidra, Pollaiuolo
O desespero é apenas uma vibração exótica do tédio,
Tu segues o teu caminho com sonhos tão altos que ninguém vê,
Tu caminhas de pés descalços onde a estrela prateada te guia,
À boca do dragão do desconhecido.
Salvé, Ó Campeão do Labirinto de Minos,
Salvé, Ó Destruidor dos Sete Templos de Hera,
Salvé, Ó Herói mergulhado no Lago da Imortalidade.
Salvé, Ó Diónisos, e
Salvé a Hora abençoada da Vossa Morte.
Babalith
O homem superior difere do homem inferior, e dos animais irmãos deste, pela simples qualidade da ironia. A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra.
Conhecer-se é errar, e o oráculo que disse «Conhece-te» propôs uma tarefa maior que as de Hércules e um enigma mais negro que o da Esfinge. Desconhecer-se conscientemente, eis o caminho. E desconhecer-se conscienciosamente é o emprego activo da ironia. Nem conheço coisa maior, nem mais própria do homem que é deveras grande, que a análise paciente e expressiva dos modos de nos desconhecermos, o registo consciente da inconsciência das nossas consciências, a metafísica das sombras autónomas, a poesia do crepúsculo da desilusão.
Mas sempre qualquer coisa nos ilude, sempre qualquer análise se nos embota, sempre a verdade, ainda que falsa, está além da outra esquina. E é isto que cansa mais que a vida, quando ela cansa, e que o conhecimento e meditação dela, que nunca deixam de cansar.
Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'
Tu segues o teu caminho com sonhos tão altos que ninguém vê,
Tu caminhas de pés descalços onde a estrela prateada te guia,
À boca do dragão do desconhecido.
Salvé, Ó Campeão do Labirinto de Minos,
Salvé, Ó Destruidor dos Sete Templos de Hera,
Salvé, Ó Herói mergulhado no Lago da Imortalidade.
Salvé, Ó Diónisos, e
Salvé a Hora abençoada da Vossa Morte.
Babalith
O homem superior difere do homem inferior, e dos animais irmãos deste, pela simples qualidade da ironia. A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra.
Conhecer-se é errar, e o oráculo que disse «Conhece-te» propôs uma tarefa maior que as de Hércules e um enigma mais negro que o da Esfinge. Desconhecer-se conscientemente, eis o caminho. E desconhecer-se conscienciosamente é o emprego activo da ironia. Nem conheço coisa maior, nem mais própria do homem que é deveras grande, que a análise paciente e expressiva dos modos de nos desconhecermos, o registo consciente da inconsciência das nossas consciências, a metafísica das sombras autónomas, a poesia do crepúsculo da desilusão.
Mas sempre qualquer coisa nos ilude, sempre qualquer análise se nos embota, sempre a verdade, ainda que falsa, está além da outra esquina. E é isto que cansa mais que a vida, quando ela cansa, e que o conhecimento e meditação dela, que nunca deixam de cansar.
Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'
4 comentários:
O grande cansaço é julgar que somos algo e que temos algo a fazer, incluindo duvidar disso.
Salvé a Hora abençoada da Nossa Morte!
antiquissima, assim será. Mas hipócrita daquele que dessa sua condição não admitir consciência. Assim que o ser humano compreende o conceito de "propósito", passa o propósito a ser a chave mestra do seu intelecto e a sua "regra de ouro". E é por isso que mesmo o niilismo se torna "heróico".
Excelente post, gosto muito desta imagem...
Abraço.
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