O texto que se segue chegou-me às mãos e não resisti em publicá-lo, por várias razões que deixo ficar ao espírito critico dos leitores, sem, no entanto, poder deixar de salientar a forma como a autora joga com as palavras e o domínio que tem sobre elas, escolhendo termos simples mas de enorme riqueza de significado.
O texto refere-se ao Brasil, mas sou de opinião que há toda a conveniência em o tornar conhecido em Portugal, principalmente em vésperas de eleições, onde estas assumem irresponsável e inconscientemente carácter clubista.
A autora chama-se Clarice Zeitel, uma estudante brasileira de 26 anos, na altura aluna do curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
O texto é uma redacção que a autora enviou para o concurso com o tema “como vencer a pobreza e a desigualdade”, organizado pela UNESCO, ao qual concorreram 50.000 estudantes universitários.
O texto de Clarice foi premiado e incluído num livro com outros que se distinguiram e pode ser encontrado no sítio da Biblioteca Virtual da UNESCO.
“PÁTRIA MADRASTA VIL
Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. .. Exagero de escassez... Contraditórios? ? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.
A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão. Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo.
Sem egoísmo.
Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se:
quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil?
Ser tratado como cidadão ou excluído?
Como gente... Ou como bicho? “
P.S.- Vejam quantas afirmações destas se podem aplicar a Portugal e ficarão com uma ideia mais clara da situação em que nos encontramos.
2 comentários:
De facto...
Pensei o mesmo ...
Enviar um comentário