PLANÍCIE
A planície estende-se com um sobro acaçapado,
Um dólmen, uma cruz num monte,
De muitos modos a terra
Sangra a luz. São uma haste onde
O deserto nadifica. Secura entre sarças de fogo.
Onde as searas ficam em sangue. É tudo branco menos
A alma. A solidão é um ofício da pedra
E os olhos uma cal levantada. Água,
Água. Funda, funda piedade para o homem.
Intranscendentes desdobram-se as terras, o vórtice.
As mulheres sentam-se na imensidade, fitando
As coisas passantes e não sei que ermo
Porque à terra pertencem. Os vedores aceitam o desafio.
Aceitam o deserto com uma prece de luz,
O nada cegante, o pó, o exílio. Passam invisíveis
Nas planícies do coração. Abrem-se ao deserto
No fogo sem fim. Repetem as onomatopeias da água,
Proferem as palavras, os sacramentos dos rios subterrâneos
Aos ouvidos do tempo: «Não esqueças estas mulheres,
Estas árvores torcidas, estes cães secos.»
As árvores prostam-se – também os cães.
As mulheres sentam-se com os olhos devorados
Como Moisés diante da terra prometida.
PLANALTO
Trabalha no escuro e cresce no silêncio
A árvore dobrada para as águas. Alta,
Nas profundezas da alma.
Ergue-se, esquálida, entre escuras fragas.
O céu do que se move em fundas águas.
Sombra que escuta o abismo.
Nada a liga a nada; o vazio mais puro,
Guarda uma pureza de talha. É um poço onde
A morte frutifica. As raízes suspensas;
Devorada pela luz.
Fosse a vida esta altura.
Jesus Carlos
3 comentários:
"Fosse a vida esta altura". E fosse toda a poesia assim. Pelo menos aqui...
Do melhor que tenho lido nos últimos tempos...
Uma belíssima poesia....Uma espetacular postagem. Adorei.
Enviar um comentário