Terça-feira, 5 Maio 2009
Francisco Campos López (Andaluzia)
Se o princípio de toda a ideia de Espanha é a negaçom dos povos e seus direitos, nom pode ter transformaçom real sem a prévia aplicaçom da premissa contrária.
Talvez surpreenda a alguns saber que a origem de conceitos tam trilhados entre a progressia estatalista actual para definir o Estado Espanhol, como os de Estado plurinacional” ou “Naçom de naçons”, procedem de teóricos do marxismo austríaco de fins do séc. XIX. Inclusive umha frase tam conhecida do fundador do falangismo, e repetida até a saciedade polo franquismo, como aquela que definia a suposta “Naçom Espanhola” como: “uma unidade de destino no universal”, também é. José Antonio limitou-se a mudar o sujeito original, o Império Austro-Húngaro, por este outro peninsular, o espanhol.
Quem lembra hoje o Império Austro-Húngaro, por algo mais que polos livros de História ou os filmes de Berlanga? No entanto, há um século escasso, disputava a supremacia germánica ao alemám e era considerado umha das grandes potências europeias. A partir de meados do XIX, como no caso do espanhol, tinha tentando vertebrar-se como entidade própria, para além de umha uniom de reinos sob umha mesma coroa. E teóricos social-democratas como Otto Bauer, a cavalo entre a defesa de dito quadro estatal desde um mal entendido internacionalismo operário e a incompreensom do facto nacional em povos como o Checo, o Croata, o Eslovaco, ou o Húngaro, tentárom achar fórmulas que o figessem possível. Foi a definiçom do “Estado plurinacional” austro-húngaro de Bauer como “colectividade unida por umha comunidade de destino”, que inspiraria Primo de Rivera filho. Tal como a nossa esquerda estatalista, aquela também nom compreendia que nom tinha soluçom, nem para dita estrutura e, menos ainda, através dela, já que era a sua própria existência o problema. E com o tempo, tanto suas teorias e seus defensores, como seu Estado impossível, federal e republicano, claro está, fôrom ultrapassados e esquecidos.
Nos últimos tempos estamos a assistir a umha situaçom semelhante, nom só entre a social-democracia do Regime, como igualmente entre algumas esquerdas reais situadas à margem do mesmo. E, como no exemplo austríaco, origina-se, nuns casos em razons teóricas e, noutros, em supostas tácticas de “circunstancialidade” ou de oportunidade”. No primeiro caso, situam-se os que, assimilados polo espanholismo, defendem Espanha como umha realidade objectiva e positiva. No segundo, aqueles que o fam por razons “práticas” ou “internacionalistas”. Por “aproveitar” e partir de um quadro de relaçons existente e “mais amplo”. Ambas posiçons coincidem numha absoluta incompreensom e errónea estimaçom da própria superestrutura espanholista e dos diferentes povos submetidos. Mas, como no caso daqueles marxistas austríacos, a incorrecta análise da realidade vai levá-los a arrastar o mesmo destino que o do Estado que defendem. O seu desaparecimento.
Tal como o espanholismo clássico, aquele da cruz e a espada, que contava com toda umha mitologia historicista baseada em aquilo de: “Santiago y cierra España!” e “el Imperio donde no se ponía el Sol”, este neo-espanholismo “progressista” está a elaborar a sua própria fabulaçom do passado sobre o qual assentar e justificar sua visom. Se aquele outro tinha por metas a “reconquista” peninsular e a colonizaçom americana, este, por seu turno, tem por epicentro a II República Espanhola. Nesses breves anos, som revestidos dos antecedentes exemplificadores que defendem para um próximo futuro “comum”. Os factos, em troca, negam esse caricaturesco passado reelaborado. A chegada daquela II República nom foi bem-vinda nem considerada como triunfo próprio por parte das esquerdas revolucionárias. Foi recebida com desprezo por libertários e recusada frontalmente por leninistas. O PCE, por exemplo, depois da sua proclamaçom, apelou os operários para a “derrocada da república burguesa”.
É evidente que a II República trouxo melhorias genéricas, como as liberdades básicas e umha legislaçom “mais avançada” socialmente que suas antecessoras. Mas é que se partia de uns precedentes tam esquálidos em direitos e liberdades, a Monarquia Alfonsina e a Ditadura de Primo de Rivera pai, que qualquer regime que cumprisse esses mínimos formais tivesse sido considerado como “melhor”. Nesse sentido, aquele regime assemelhava-se ao actual. Esta “democracia” também tem contribuído para esses mínimos negados durante o franquismo. E, por isso, pondo como ponto de comparaçom aquele outro mundo legislativo, este pode ser apresentado como “mudança substancial”. Mas só é tal nesse sentido aparente, nom em si. E, “casualmente”, é precisamente nessa mesma comparaçom que assenta a análise dos seus partidários.
Aquela República só foi apoiada e aplaudida pola pequena burguesia urbana, representada polos partidos republicanistas, e pola aristocracia operária agrupada maioritariamente em torno do PSOE. E, de facto, ao longo dos seus primeiros cinco anos, produzírom-se constantes processos de greves insurreccionais contra ela por parte da esquerda revolucionária. Só a partir do 18 de Julho, aqueles mesmos que propugnavam a sua derrocada assumírom nas suas maos a sua “defesa”. Comunistas, libertários e nacionalistas formárom as vanguardas que impedírom naquele dia o triunfo da reacçom e resistírom durante quase três anos o seu avanço. Quer isso dizer que se convertêrom ao republicanismo estatalista os que poucos anos atrás apelavam à sua derrocada? Nom, nom se defendia a República per se. A imensa maioria dos que participárom nos combates, figérom-no pola liberdade, contra o fascismo e polo socialismo. Se o faziam na trincheira republicana era porque na de defronte estava o inimigo de povo e de classe. Nom houvo “defesa da República”, só autodefesa popular, antifascista e operária.
No entanto, os mitómanos do republicanismo estatalista fam questom de atribuir à II República inclusive “valores” intrínsecos. Mas, Quais som esses “valores republicanos”? Umha República nom é mais que um Estado a cuja frente nom está nengum aristocrata. Repúblicas eram a Rússia bolchevique e a Alemanha nazi. Repúblicas som o Irám islámico e a França laica. Também a Cuba socialista e os capitalistas e imperialistas dos EUA. Que “valores” compartilhavam soviéticos e fascistas? Que valores comuns há entre o republicanismo iraniano e o francês, ou entre o cubano e o norte-americano? Mais ainda, naqueles anos, na própria Península convivêrom duas repúblicas; a espanhola e a portuguesa. Compartilhavam valores a II República Espanhola e a Ditadura de Salazar?
Rapidamente saltarám os mitómanos a alegar que, com dita terminologia, fam referência, em exclusividade, aos que se produzírom e promovêrom durante a II República Espanhola. Referem-se aos “valores” daqueles que ordenárom e executárom os jornaleiros de Casas Viejas em Cádis? Aos de quem bombardeou com peças de artilharia Casa Cornelio em Sevilla? Aos de quem assassinárom milhares de operários nas Astúrias? Aos de quem respondêrom “manu militari” à proclamaçom do Estado Catalám? Aos dos promotores de legislaçons como a “Lei de defesa da República”, utilizada com o mesmo “espírito” que hoje a “lei Corcuera” e a “lei de partidos”? Nom, nom existem valores republicanos”, nem universais nem específicos desse período. Durante aqueles anos, o que tinha eram valores antifascistas, revolucionários e soberanistas. E foi por esses valores que se luitou e se deu a vida. Todo o que de progressista tinha a República, o possuía nom por ser consustancial a ela mesma ou a qualquer regime republicano, mas como conseqüência de umha circunstancial correlaçom de forças favorável à esquerda. Eram valores” da esquerda revolucionária, nom da República.
Ao longo do XIX, a aliança do liberalismo moderado com a aristocracia isabelina, o pacto que deu lugar ao conceito de Estado espanhol”, produzírom umha radicalizaçom da “esquerda” liberal para posiçons populistas e antimonárquicas que cristalizárom num idealizante republicanismo. Isso, unido à fraqueza de marxistas e libertários, e à sua falta de influências para além de zonas concretas e circunstáncias pontuais, fijo com que o movimento de massas da época fosse o republicano. Para os profissionais “progressistas”, os “modernos” comerciantes e a “aristocracia operária”, simbolizava seus anseios de austeridade, honestidade, laicidade, avanço económico e justiça distributiva, próprios de mentalidades pequeno-burguesas. Para o sector mais inteligente da elite dominante, era umha “bala na recámara”. A última possibilidade de manter os pilares fundacionales e justificativos da existência de Espanha como projecto político: unidade e capitalismo. O importante nom era a “forma de Estado”, mas a sobrevivência de umha estrutura única e ao serviço de seus interesses de classe. Daí que as duas repúblicas chegassem em situaçons de colapso institucional e pré-revolucionárias. E, também por essa mesma razom, ambas acabárom tam abruptamente quando ditos pilares fôrom ameaçados.
A II República Espanhola, nasceu em um período de falhanço do resto de possibilidades ao uso: o “constitucionalismo” monárquico e a ditadura militar. Foi impulsionada polo Sistema, que criou a instrumentalización dos sectores reformistas, republicanistas e social-democratas, para os utilizar a modo de colchom social com respeito às aspiraçons dos povos e suas classes trabalhadoras. Nom nascia como umha ponte para a liberdade ou o socialismo, mas como o último parapeito para impedir seu avanço. Daí as contradiçons entre a realidade e o desejo. Entre o obtido e as expectativas do esperado. Essa profundidade explica o porquê do incremento exponencial do republicanismo nos últimos anos da Monarquia, bem como tanta adesom de última hora. Inclusive explica a atitude do Rei preante a perda, por parte de seus partidários e só nas grandes cidades, de umhas meras eleiçons municipais. Por isso aquele regime foi substituído com tam surpreendente facilidade. Com tanta como com a qual, decénios depois, se consensualizaria este. E é que ambos representam a tentativa lampedusista de mudar algo para que nada mude.
Hoje, quando vivemos os primeiros sintomas de esgotamiento neo-franquista. Quando a futura convergência de diferentes crises simultáneas podem conduzir a processos inequivocamente transformadores, aflora, com renovada puxança, a mitologia republicanista espanhola. Um republicanismo impulsionado por essa neo-social-democracia representada polo PCE-IU, sem cuja aceitaçom explícita das “regras do jogo” e a participaçom institucionalista e institucionalizada, nem tivesse sido possível aquela “reforma”, nem seria agora possível a continuidade desta “monarquia constitucional”. Esses que levam trinta anos “ajudando à gobernabilidade” e que, agora, se erigem em abandeirados da mudança. Os que levam trinta anos a velar pola sustetabilidade do Sistema mediante “Pactos da Moncloa” ou “processos de acordo social”, e que hoje pretendem “o combater”. Os que colaboram ao encadeamento de povos, negando-lhes sua soberania, e que hoje se erigem como possibilitadores do direito de autodeterminaçom. E afirmam-no todo, sem ruborizar, a partir dos postos, cadeirons, meios e salários, que lhes proporciona o Sistema que afirmam negar.
A estes neo-lerruxistas, acompanham-nos algumhas forças da esquerda real, mas que nom compreendêrom a essência intrinsecamente opressiva e exploradora do conceito político de Espanha e, muito menos, a profunda realidade nacional e social dos diferentes povos sob o seu jugo. Isso, unido a umha errónea conceptuaçom do soberanismo revolucionário como “nacionalismo pequeno-burguês”, em lugar de como movimento de libertaçom popular e de classe, fai com que fagam o jogo ao espanholismo, quer a partir de supostos posicionamentos “internacionalistas”, tipo: “os operários nom tenhem pátria”, e conceptuando de “chovinismo nacionalista” aos da esquerda independentista, quer propugnando outros supostos, factíveis e alternativos, estados espanhóis ou “estruturas unitárias”, só nominalmente “federais”.
As duas componentes do republicanismo estatalista tenhem em comum com o Sistema o reproduzir e perpetuar as fronteiras espanholas. Os uns por convicçom e os outros por ignoráncia, actuam como elementos ao serviço da salvaguarda de seus interesses territoriais. As diferentes componentes do republicanismo estatalista, nom só coincidem na sua comum reivindicaçom de umha III República, espanhola com certeza, e a sobrevalorizaçom da II, também ao obviar a primeira. Quiçá porque enquanto umha era a aplicaçom de umha conceptuaçom centralizadora jacobina da Administraçom, a lembrança da outra é indissociável de um movimento soberanista, como foi o cantonalismo? Enquanto a segunda nom só nom contradixo a ideia de Espanha, como a reforçou, a primeira pujo-a em risco. Esse é o porquê. Trata-se de que a próxima reedite umha estrutura única, verticalista e só administrativamente descentralizada, em lugar de umha multiplicidade horizontalista e segregacionista. Trata-se, em definitivo, de salvar Espanha e assegurar a sua continuidade.
A encruzilhada em que nos encontramos nom é a de eleger entre Monarquia ou República, mas entre ditadura de facto ou democracia real, entre soberania ou escravatura dos povos, entre socialismo ou barbárie. Ou seja, entre “outra Espanha” ou nos libertarmos de Espanha. Porque todo Estado espanhol, em si mesmo, é o problema, nom umha tipologia determinada do mesmo. Espanha nom oprime ou explora dependendo das características de sua estrutura administrativa. Tal como toda a empresa capitalista e imperialista, explora e oprime devido a que é sua própria natureza e a sua razom de ser. E o princípio da libertaçom dos povos e das suas classes trabalhadoras nom pode estar na “reforma” da estrutura opresora e exploradora, conseqüentemente em sua permanência, mas na sua completa erradicaçom. Toda soluçom que nom partir do reconhecimento incondicional e prévio de ditos povos e a consiguiente devoluçom da sua soberania, da sua liberdade, nom suporá mais do que continuísmo embuçado.
Afirmar que um outro Estado Espanhol é possível, é tam absurdo como afirmá-lo do capitalismo. A base de sustentaçom de umha ruptura objectiva nom podem ser formas” mas “fundos”. E se o princípio de toda ideia de Espanha é a negaçom dos povos e dos seus direitos, nom pode ter transformaçom real sem o prévio cumprimento da premissa contrária. Nom se trata de que outro Estado “conceda”, depois de sua formaçom, o direito a umha possível autodeterminaçom, mas de que, a partir do exercício pré-existente de sua soberania, cada povo decida se fai Estado próprio e/ou com outros. A liberdade nom pode ser a meta de nengum projecto, mas a sua linha de saída. Como conclusom, trata-se de algo tam básico, simples e incontestável, como que a uniom entre povos tenha os mesmos condicionantes imprescindíveis que qualquer outra associaçom entre seres humanos: A liberdade de eleiçom. Sem liberdade pessoal nom há liberdade colectiva. Sem liberdade colectiva só há ditadura. E essa liberdade nom pode ser conseqüência, mas origem da interrelaçom. Primeiro, e antes de mais nada, a liberdade.
Francisco Campos López (Andaluzia)
Se o princípio de toda a ideia de Espanha é a negaçom dos povos e seus direitos, nom pode ter transformaçom real sem a prévia aplicaçom da premissa contrária.
Talvez surpreenda a alguns saber que a origem de conceitos tam trilhados entre a progressia estatalista actual para definir o Estado Espanhol, como os de Estado plurinacional” ou “Naçom de naçons”, procedem de teóricos do marxismo austríaco de fins do séc. XIX. Inclusive umha frase tam conhecida do fundador do falangismo, e repetida até a saciedade polo franquismo, como aquela que definia a suposta “Naçom Espanhola” como: “uma unidade de destino no universal”, também é. José Antonio limitou-se a mudar o sujeito original, o Império Austro-Húngaro, por este outro peninsular, o espanhol.
Quem lembra hoje o Império Austro-Húngaro, por algo mais que polos livros de História ou os filmes de Berlanga? No entanto, há um século escasso, disputava a supremacia germánica ao alemám e era considerado umha das grandes potências europeias. A partir de meados do XIX, como no caso do espanhol, tinha tentando vertebrar-se como entidade própria, para além de umha uniom de reinos sob umha mesma coroa. E teóricos social-democratas como Otto Bauer, a cavalo entre a defesa de dito quadro estatal desde um mal entendido internacionalismo operário e a incompreensom do facto nacional em povos como o Checo, o Croata, o Eslovaco, ou o Húngaro, tentárom achar fórmulas que o figessem possível. Foi a definiçom do “Estado plurinacional” austro-húngaro de Bauer como “colectividade unida por umha comunidade de destino”, que inspiraria Primo de Rivera filho. Tal como a nossa esquerda estatalista, aquela também nom compreendia que nom tinha soluçom, nem para dita estrutura e, menos ainda, através dela, já que era a sua própria existência o problema. E com o tempo, tanto suas teorias e seus defensores, como seu Estado impossível, federal e republicano, claro está, fôrom ultrapassados e esquecidos.
Nos últimos tempos estamos a assistir a umha situaçom semelhante, nom só entre a social-democracia do Regime, como igualmente entre algumas esquerdas reais situadas à margem do mesmo. E, como no exemplo austríaco, origina-se, nuns casos em razons teóricas e, noutros, em supostas tácticas de “circunstancialidade” ou de oportunidade”. No primeiro caso, situam-se os que, assimilados polo espanholismo, defendem Espanha como umha realidade objectiva e positiva. No segundo, aqueles que o fam por razons “práticas” ou “internacionalistas”. Por “aproveitar” e partir de um quadro de relaçons existente e “mais amplo”. Ambas posiçons coincidem numha absoluta incompreensom e errónea estimaçom da própria superestrutura espanholista e dos diferentes povos submetidos. Mas, como no caso daqueles marxistas austríacos, a incorrecta análise da realidade vai levá-los a arrastar o mesmo destino que o do Estado que defendem. O seu desaparecimento.
Tal como o espanholismo clássico, aquele da cruz e a espada, que contava com toda umha mitologia historicista baseada em aquilo de: “Santiago y cierra España!” e “el Imperio donde no se ponía el Sol”, este neo-espanholismo “progressista” está a elaborar a sua própria fabulaçom do passado sobre o qual assentar e justificar sua visom. Se aquele outro tinha por metas a “reconquista” peninsular e a colonizaçom americana, este, por seu turno, tem por epicentro a II República Espanhola. Nesses breves anos, som revestidos dos antecedentes exemplificadores que defendem para um próximo futuro “comum”. Os factos, em troca, negam esse caricaturesco passado reelaborado. A chegada daquela II República nom foi bem-vinda nem considerada como triunfo próprio por parte das esquerdas revolucionárias. Foi recebida com desprezo por libertários e recusada frontalmente por leninistas. O PCE, por exemplo, depois da sua proclamaçom, apelou os operários para a “derrocada da república burguesa”.
É evidente que a II República trouxo melhorias genéricas, como as liberdades básicas e umha legislaçom “mais avançada” socialmente que suas antecessoras. Mas é que se partia de uns precedentes tam esquálidos em direitos e liberdades, a Monarquia Alfonsina e a Ditadura de Primo de Rivera pai, que qualquer regime que cumprisse esses mínimos formais tivesse sido considerado como “melhor”. Nesse sentido, aquele regime assemelhava-se ao actual. Esta “democracia” também tem contribuído para esses mínimos negados durante o franquismo. E, por isso, pondo como ponto de comparaçom aquele outro mundo legislativo, este pode ser apresentado como “mudança substancial”. Mas só é tal nesse sentido aparente, nom em si. E, “casualmente”, é precisamente nessa mesma comparaçom que assenta a análise dos seus partidários.
Aquela República só foi apoiada e aplaudida pola pequena burguesia urbana, representada polos partidos republicanistas, e pola aristocracia operária agrupada maioritariamente em torno do PSOE. E, de facto, ao longo dos seus primeiros cinco anos, produzírom-se constantes processos de greves insurreccionais contra ela por parte da esquerda revolucionária. Só a partir do 18 de Julho, aqueles mesmos que propugnavam a sua derrocada assumírom nas suas maos a sua “defesa”. Comunistas, libertários e nacionalistas formárom as vanguardas que impedírom naquele dia o triunfo da reacçom e resistírom durante quase três anos o seu avanço. Quer isso dizer que se convertêrom ao republicanismo estatalista os que poucos anos atrás apelavam à sua derrocada? Nom, nom se defendia a República per se. A imensa maioria dos que participárom nos combates, figérom-no pola liberdade, contra o fascismo e polo socialismo. Se o faziam na trincheira republicana era porque na de defronte estava o inimigo de povo e de classe. Nom houvo “defesa da República”, só autodefesa popular, antifascista e operária.
No entanto, os mitómanos do republicanismo estatalista fam questom de atribuir à II República inclusive “valores” intrínsecos. Mas, Quais som esses “valores republicanos”? Umha República nom é mais que um Estado a cuja frente nom está nengum aristocrata. Repúblicas eram a Rússia bolchevique e a Alemanha nazi. Repúblicas som o Irám islámico e a França laica. Também a Cuba socialista e os capitalistas e imperialistas dos EUA. Que “valores” compartilhavam soviéticos e fascistas? Que valores comuns há entre o republicanismo iraniano e o francês, ou entre o cubano e o norte-americano? Mais ainda, naqueles anos, na própria Península convivêrom duas repúblicas; a espanhola e a portuguesa. Compartilhavam valores a II República Espanhola e a Ditadura de Salazar?
Rapidamente saltarám os mitómanos a alegar que, com dita terminologia, fam referência, em exclusividade, aos que se produzírom e promovêrom durante a II República Espanhola. Referem-se aos “valores” daqueles que ordenárom e executárom os jornaleiros de Casas Viejas em Cádis? Aos de quem bombardeou com peças de artilharia Casa Cornelio em Sevilla? Aos de quem assassinárom milhares de operários nas Astúrias? Aos de quem respondêrom “manu militari” à proclamaçom do Estado Catalám? Aos dos promotores de legislaçons como a “Lei de defesa da República”, utilizada com o mesmo “espírito” que hoje a “lei Corcuera” e a “lei de partidos”? Nom, nom existem valores republicanos”, nem universais nem específicos desse período. Durante aqueles anos, o que tinha eram valores antifascistas, revolucionários e soberanistas. E foi por esses valores que se luitou e se deu a vida. Todo o que de progressista tinha a República, o possuía nom por ser consustancial a ela mesma ou a qualquer regime republicano, mas como conseqüência de umha circunstancial correlaçom de forças favorável à esquerda. Eram valores” da esquerda revolucionária, nom da República.
Ao longo do XIX, a aliança do liberalismo moderado com a aristocracia isabelina, o pacto que deu lugar ao conceito de Estado espanhol”, produzírom umha radicalizaçom da “esquerda” liberal para posiçons populistas e antimonárquicas que cristalizárom num idealizante republicanismo. Isso, unido à fraqueza de marxistas e libertários, e à sua falta de influências para além de zonas concretas e circunstáncias pontuais, fijo com que o movimento de massas da época fosse o republicano. Para os profissionais “progressistas”, os “modernos” comerciantes e a “aristocracia operária”, simbolizava seus anseios de austeridade, honestidade, laicidade, avanço económico e justiça distributiva, próprios de mentalidades pequeno-burguesas. Para o sector mais inteligente da elite dominante, era umha “bala na recámara”. A última possibilidade de manter os pilares fundacionales e justificativos da existência de Espanha como projecto político: unidade e capitalismo. O importante nom era a “forma de Estado”, mas a sobrevivência de umha estrutura única e ao serviço de seus interesses de classe. Daí que as duas repúblicas chegassem em situaçons de colapso institucional e pré-revolucionárias. E, também por essa mesma razom, ambas acabárom tam abruptamente quando ditos pilares fôrom ameaçados.
A II República Espanhola, nasceu em um período de falhanço do resto de possibilidades ao uso: o “constitucionalismo” monárquico e a ditadura militar. Foi impulsionada polo Sistema, que criou a instrumentalización dos sectores reformistas, republicanistas e social-democratas, para os utilizar a modo de colchom social com respeito às aspiraçons dos povos e suas classes trabalhadoras. Nom nascia como umha ponte para a liberdade ou o socialismo, mas como o último parapeito para impedir seu avanço. Daí as contradiçons entre a realidade e o desejo. Entre o obtido e as expectativas do esperado. Essa profundidade explica o porquê do incremento exponencial do republicanismo nos últimos anos da Monarquia, bem como tanta adesom de última hora. Inclusive explica a atitude do Rei preante a perda, por parte de seus partidários e só nas grandes cidades, de umhas meras eleiçons municipais. Por isso aquele regime foi substituído com tam surpreendente facilidade. Com tanta como com a qual, decénios depois, se consensualizaria este. E é que ambos representam a tentativa lampedusista de mudar algo para que nada mude.
Hoje, quando vivemos os primeiros sintomas de esgotamiento neo-franquista. Quando a futura convergência de diferentes crises simultáneas podem conduzir a processos inequivocamente transformadores, aflora, com renovada puxança, a mitologia republicanista espanhola. Um republicanismo impulsionado por essa neo-social-democracia representada polo PCE-IU, sem cuja aceitaçom explícita das “regras do jogo” e a participaçom institucionalista e institucionalizada, nem tivesse sido possível aquela “reforma”, nem seria agora possível a continuidade desta “monarquia constitucional”. Esses que levam trinta anos “ajudando à gobernabilidade” e que, agora, se erigem em abandeirados da mudança. Os que levam trinta anos a velar pola sustetabilidade do Sistema mediante “Pactos da Moncloa” ou “processos de acordo social”, e que hoje pretendem “o combater”. Os que colaboram ao encadeamento de povos, negando-lhes sua soberania, e que hoje se erigem como possibilitadores do direito de autodeterminaçom. E afirmam-no todo, sem ruborizar, a partir dos postos, cadeirons, meios e salários, que lhes proporciona o Sistema que afirmam negar.
A estes neo-lerruxistas, acompanham-nos algumhas forças da esquerda real, mas que nom compreendêrom a essência intrinsecamente opressiva e exploradora do conceito político de Espanha e, muito menos, a profunda realidade nacional e social dos diferentes povos sob o seu jugo. Isso, unido a umha errónea conceptuaçom do soberanismo revolucionário como “nacionalismo pequeno-burguês”, em lugar de como movimento de libertaçom popular e de classe, fai com que fagam o jogo ao espanholismo, quer a partir de supostos posicionamentos “internacionalistas”, tipo: “os operários nom tenhem pátria”, e conceptuando de “chovinismo nacionalista” aos da esquerda independentista, quer propugnando outros supostos, factíveis e alternativos, estados espanhóis ou “estruturas unitárias”, só nominalmente “federais”.
As duas componentes do republicanismo estatalista tenhem em comum com o Sistema o reproduzir e perpetuar as fronteiras espanholas. Os uns por convicçom e os outros por ignoráncia, actuam como elementos ao serviço da salvaguarda de seus interesses territoriais. As diferentes componentes do republicanismo estatalista, nom só coincidem na sua comum reivindicaçom de umha III República, espanhola com certeza, e a sobrevalorizaçom da II, também ao obviar a primeira. Quiçá porque enquanto umha era a aplicaçom de umha conceptuaçom centralizadora jacobina da Administraçom, a lembrança da outra é indissociável de um movimento soberanista, como foi o cantonalismo? Enquanto a segunda nom só nom contradixo a ideia de Espanha, como a reforçou, a primeira pujo-a em risco. Esse é o porquê. Trata-se de que a próxima reedite umha estrutura única, verticalista e só administrativamente descentralizada, em lugar de umha multiplicidade horizontalista e segregacionista. Trata-se, em definitivo, de salvar Espanha e assegurar a sua continuidade.
A encruzilhada em que nos encontramos nom é a de eleger entre Monarquia ou República, mas entre ditadura de facto ou democracia real, entre soberania ou escravatura dos povos, entre socialismo ou barbárie. Ou seja, entre “outra Espanha” ou nos libertarmos de Espanha. Porque todo Estado espanhol, em si mesmo, é o problema, nom umha tipologia determinada do mesmo. Espanha nom oprime ou explora dependendo das características de sua estrutura administrativa. Tal como toda a empresa capitalista e imperialista, explora e oprime devido a que é sua própria natureza e a sua razom de ser. E o princípio da libertaçom dos povos e das suas classes trabalhadoras nom pode estar na “reforma” da estrutura opresora e exploradora, conseqüentemente em sua permanência, mas na sua completa erradicaçom. Toda soluçom que nom partir do reconhecimento incondicional e prévio de ditos povos e a consiguiente devoluçom da sua soberania, da sua liberdade, nom suporá mais do que continuísmo embuçado.
Afirmar que um outro Estado Espanhol é possível, é tam absurdo como afirmá-lo do capitalismo. A base de sustentaçom de umha ruptura objectiva nom podem ser formas” mas “fundos”. E se o princípio de toda ideia de Espanha é a negaçom dos povos e dos seus direitos, nom pode ter transformaçom real sem o prévio cumprimento da premissa contrária. Nom se trata de que outro Estado “conceda”, depois de sua formaçom, o direito a umha possível autodeterminaçom, mas de que, a partir do exercício pré-existente de sua soberania, cada povo decida se fai Estado próprio e/ou com outros. A liberdade nom pode ser a meta de nengum projecto, mas a sua linha de saída. Como conclusom, trata-se de algo tam básico, simples e incontestável, como que a uniom entre povos tenha os mesmos condicionantes imprescindíveis que qualquer outra associaçom entre seres humanos: A liberdade de eleiçom. Sem liberdade pessoal nom há liberdade colectiva. Sem liberdade colectiva só há ditadura. E essa liberdade nom pode ser conseqüência, mas origem da interrelaçom. Primeiro, e antes de mais nada, a liberdade.
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Estes são de esquerda...
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