Porque hoje se assinala o Dia Internacional dos Museus; porque estalou uma polémica sobre o novo edifício do Museu dos Coches; porque surgiram propostas (aparentemente originais) para a construção de um «Museu das Descobertas» (ou dos Descobrimentos); porque o Museu Mar da Língua Portuguesa continua a ser um projecto de concretização incerta; e também porque, com as próximas eleições autárquicas, se vai discutir de novo o futuro da maior cidade do país... talvez seja oportuno recuperar um artigo meu escrito e publicado... há quase 20 anos.
Dois anos depois do incêndio que destruiu o Chiado, é de perguntar se a lição que ele constituiu terá sido devidamente aprendida. E isto porque a cidade de Lisboa continua a ser um autêntico «barril de pólvora» que pode explodir a qualquer momento: o conjunto de circunstâncias, a inexistência de condições de segurança mínimas que possibilitou a tragédia de 1988 permanece, praticamente sem qualquer alteração.
O que aconteceu então constituiu um exemplo máximo do pouco amor que os portugueses têm por si próprios e por aquilo que é deles. E não aconteceu num local qualquer: aconteceu em Lisboa, a capital do país, que há muito está reduzida a uma «amostra» de todos os tipos e formas possíveis de atentados ao património histórico-cultural – e onde a mendicidade e a prostituição já constituem autênticas «atracções turísticas»... Para o bem e para o mal, Lisboa é, inevitavelmente, o modelo e a imagem de Portugal; é nesta cidade que se pode e deve começar a dar o exemplo de como devem ser identificados e solucionados os problemas. E tal como a nível nacional, só através de uma cooperação e de uma articulação efectiva e eficiente de esforços entre Estado (Governo e autarquias), instituições sociais e culturais, agentes económicos e população em geral, poderão ser obtidos resultados positivos.
Capital do Atlântico
Esses resultados deverão traduzir-se, em primeiro lugar, na resolução de problemas que são, inegavelmente, prioritários e urgentes: o trânsito, que requer a construção de novas vias, o melhoramento das existentes, mais e maiores parques de estacionamento, uma articulação eficaz entre todos os meios de transportes públicos e a implementação de um sistema de horários de trabalho diferenciados por áreas da cidade e/ou sectores de actividade; a habitação, que requer a definição e a aplicação de regras precisas relativas à construção, transacção e utilização de imóveis enquadradas em planos urbanísticos adequados ao crescimento e ao desenvolvimento da cidade, a adopção de medidas eficazes de conservação e recuperação de edifícios e espaços históricos ou de reconhecido interesse público, cultural e artístico (palácios, teatros, bairros populares...), o saneamento de áreas degradadas, em especial os bairros de lata; o ambiente, em que importa aumentar o número de espaços verdes e manter os que existem, diminuir drasticamente os índices de poluição atmosférica e sonora, instalar sistemas eficientes de recolha, tratamento e reciclagem de lixos e esgotos.
Apesar de fundamental, a resolução destes problemas não deve impedir ou atrasar a concretização de outras iniciativas, de médio e longo prazo, que tenham por objectivo a valorização do papel, da importância e da influência de Lisboa ao nível cultural, tanto no âmbito nacional como no internacional. Em suma: tornar realidade o desejo «Lisboa, Capital Atlântica da Europa», conjugando-a com outra, esta já confirmada para breve – «Lisboa, Capital Europeia da Cultura». E, se possível, ir mais longe.
Tal tarefa implica muito mais do que a continuação das actividades que se realizam regularmente, e a manutenção dos espaços existentes destinados a essas actividades. Embora tenham já uma dimensão e um impacto consideráveis, as Festas da Cidade e a Feira do Livro , só para citar dois exemplos, não são suficientes se pretende-se uma animação permanente da cidade. Quanto a espaços, quase nem vale a pena falar. Praticamente todos os dias há a notícia de que um teatro ardeu, ruiu ou que está em adiantado estado de degradação, que os museus registam uma fraca afluência de público, que não existem locais suficientes e adequados para concertos e exposições.
Metrópole da Arte
Na nossa opinião, a elaboração de uma política, ou de políticas culturais ambiciosas, condizentes com a projecção da imagem de Portugal no Mundo, é indissociável da questão dos espaços. É necessário não só conservar, recuperar e rentabilizar os existentes, mas também criar outros, mais modernos, melhor dimensionados, diferentemente pensados.
Neste sentido, parece-nos absolutamente essencial a criação de um grande museu nacional – substituindo ou englobando muitos outros museus de menores dimensões – um pouco à semelhança dos que existem em Paris (Louvre) e em Madrid (Prado); um grande espaço central, apto para a concentração e exibição dos principais objectos que constituem o resultado ou o testemunho relevante da criatividade e da história nacionais – e não apenas as obras de arte no sentido estrito do termo. A localização ideal deste museu seria, indubitavelmente, na zona de Belém, tendo de preferência como edifício principal o Palácio de Belém (a Presidência da República poderia talvez ser transferida para o Palácio da Ajuda) mas abrangendo também o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Museu da Marinha, o Museu dos Coches, o Aquário Vasco da Gama, o Planetário Gulbenkian e o (futuro) Centro Cultural de Belém. A reformulação, interligação, coordenação e dinamização simultânea destes espaços permitiria a constituição de uma vasta área, privilegiada, de animação cultural, artística e recreativa permanente, que possibilitaria não só uma (justificada) celebração exaltante do passado mas também uma (necessária) valorização lúcida do presente.
A criação de um grande museu nacional deveria constituir igualmente um dos primeiros passos para uma remodelação e reestruturação de toda a zona ribeirinha de Lisboa, tendo em vista o aproveitamento desta vasta área, que agora está subaproveitada, para fins culturais – e, eventualmente, também para habitação. Parece-nos, na verdade, que grande parte do actual porto de Lisboa, em especial muitos dos edifícios e instalações que nele estão situados ou nas imediações, poderiam ser transformados em espaços para actividades culturais, artísticas e recreativas, como, por exemplo, salas para teatro, concertos e exposições, estúdios cinematográficos e musicais, ateliers.
Tudo isto poderia permitir a atracção e até mesmo a fixação de artistas em Lisboa, provenientes não só de todo o país mas também, o que seria decerto desejável, do estrangeiro. Realizando e exibindo as suas obras em Lisboa, eles contribuiriam decisivamente para que a cidade voltasse a ser, 500 anos depois dos Descobrimentos, uma grande metrópole mundial, um importante ponto de encontro a nível planetário, em que a principal riqueza que se negociaria seria, não ouro, seda ou especiarias, mas cultura.
Artigo publicado no boletim DivulgACÇÃO (órgão oficial da Associação de Estudantes do ISCTE) Nº 5, 1990/12
Dois anos depois do incêndio que destruiu o Chiado, é de perguntar se a lição que ele constituiu terá sido devidamente aprendida. E isto porque a cidade de Lisboa continua a ser um autêntico «barril de pólvora» que pode explodir a qualquer momento: o conjunto de circunstâncias, a inexistência de condições de segurança mínimas que possibilitou a tragédia de 1988 permanece, praticamente sem qualquer alteração.
O que aconteceu então constituiu um exemplo máximo do pouco amor que os portugueses têm por si próprios e por aquilo que é deles. E não aconteceu num local qualquer: aconteceu em Lisboa, a capital do país, que há muito está reduzida a uma «amostra» de todos os tipos e formas possíveis de atentados ao património histórico-cultural – e onde a mendicidade e a prostituição já constituem autênticas «atracções turísticas»... Para o bem e para o mal, Lisboa é, inevitavelmente, o modelo e a imagem de Portugal; é nesta cidade que se pode e deve começar a dar o exemplo de como devem ser identificados e solucionados os problemas. E tal como a nível nacional, só através de uma cooperação e de uma articulação efectiva e eficiente de esforços entre Estado (Governo e autarquias), instituições sociais e culturais, agentes económicos e população em geral, poderão ser obtidos resultados positivos.
Capital do Atlântico
Esses resultados deverão traduzir-se, em primeiro lugar, na resolução de problemas que são, inegavelmente, prioritários e urgentes: o trânsito, que requer a construção de novas vias, o melhoramento das existentes, mais e maiores parques de estacionamento, uma articulação eficaz entre todos os meios de transportes públicos e a implementação de um sistema de horários de trabalho diferenciados por áreas da cidade e/ou sectores de actividade; a habitação, que requer a definição e a aplicação de regras precisas relativas à construção, transacção e utilização de imóveis enquadradas em planos urbanísticos adequados ao crescimento e ao desenvolvimento da cidade, a adopção de medidas eficazes de conservação e recuperação de edifícios e espaços históricos ou de reconhecido interesse público, cultural e artístico (palácios, teatros, bairros populares...), o saneamento de áreas degradadas, em especial os bairros de lata; o ambiente, em que importa aumentar o número de espaços verdes e manter os que existem, diminuir drasticamente os índices de poluição atmosférica e sonora, instalar sistemas eficientes de recolha, tratamento e reciclagem de lixos e esgotos.
Apesar de fundamental, a resolução destes problemas não deve impedir ou atrasar a concretização de outras iniciativas, de médio e longo prazo, que tenham por objectivo a valorização do papel, da importância e da influência de Lisboa ao nível cultural, tanto no âmbito nacional como no internacional. Em suma: tornar realidade o desejo «Lisboa, Capital Atlântica da Europa», conjugando-a com outra, esta já confirmada para breve – «Lisboa, Capital Europeia da Cultura». E, se possível, ir mais longe.
Tal tarefa implica muito mais do que a continuação das actividades que se realizam regularmente, e a manutenção dos espaços existentes destinados a essas actividades. Embora tenham já uma dimensão e um impacto consideráveis, as Festas da Cidade e a Feira do Livro , só para citar dois exemplos, não são suficientes se pretende-se uma animação permanente da cidade. Quanto a espaços, quase nem vale a pena falar. Praticamente todos os dias há a notícia de que um teatro ardeu, ruiu ou que está em adiantado estado de degradação, que os museus registam uma fraca afluência de público, que não existem locais suficientes e adequados para concertos e exposições.
Metrópole da Arte
Na nossa opinião, a elaboração de uma política, ou de políticas culturais ambiciosas, condizentes com a projecção da imagem de Portugal no Mundo, é indissociável da questão dos espaços. É necessário não só conservar, recuperar e rentabilizar os existentes, mas também criar outros, mais modernos, melhor dimensionados, diferentemente pensados.
Neste sentido, parece-nos absolutamente essencial a criação de um grande museu nacional – substituindo ou englobando muitos outros museus de menores dimensões – um pouco à semelhança dos que existem em Paris (Louvre) e em Madrid (Prado); um grande espaço central, apto para a concentração e exibição dos principais objectos que constituem o resultado ou o testemunho relevante da criatividade e da história nacionais – e não apenas as obras de arte no sentido estrito do termo. A localização ideal deste museu seria, indubitavelmente, na zona de Belém, tendo de preferência como edifício principal o Palácio de Belém (a Presidência da República poderia talvez ser transferida para o Palácio da Ajuda) mas abrangendo também o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Museu da Marinha, o Museu dos Coches, o Aquário Vasco da Gama, o Planetário Gulbenkian e o (futuro) Centro Cultural de Belém. A reformulação, interligação, coordenação e dinamização simultânea destes espaços permitiria a constituição de uma vasta área, privilegiada, de animação cultural, artística e recreativa permanente, que possibilitaria não só uma (justificada) celebração exaltante do passado mas também uma (necessária) valorização lúcida do presente.
A criação de um grande museu nacional deveria constituir igualmente um dos primeiros passos para uma remodelação e reestruturação de toda a zona ribeirinha de Lisboa, tendo em vista o aproveitamento desta vasta área, que agora está subaproveitada, para fins culturais – e, eventualmente, também para habitação. Parece-nos, na verdade, que grande parte do actual porto de Lisboa, em especial muitos dos edifícios e instalações que nele estão situados ou nas imediações, poderiam ser transformados em espaços para actividades culturais, artísticas e recreativas, como, por exemplo, salas para teatro, concertos e exposições, estúdios cinematográficos e musicais, ateliers.
Tudo isto poderia permitir a atracção e até mesmo a fixação de artistas em Lisboa, provenientes não só de todo o país mas também, o que seria decerto desejável, do estrangeiro. Realizando e exibindo as suas obras em Lisboa, eles contribuiriam decisivamente para que a cidade voltasse a ser, 500 anos depois dos Descobrimentos, uma grande metrópole mundial, um importante ponto de encontro a nível planetário, em que a principal riqueza que se negociaria seria, não ouro, seda ou especiarias, mas cultura.
Artigo publicado no boletim DivulgACÇÃO (órgão oficial da Associação de Estudantes do ISCTE) Nº 5, 1990/12
4 comentários:
Bom Programa. Não te queres candidatar à Câmara?
Numa candidatura que nunca chegou a ser, há uns anos, em que eu e o Paulo Borges estivemos envolvidos, um dos slogans era "Lisboa, Capital da Lusofonia"...
E porque não COIMBRA, que é a terra em que melhor se fala o português?
JCN
Isso só se poderá equacionar quando em Coimbra se fizer um grande lançamento da NOVA ÁGUIA...
Renato, só consideraria candidatar-me a um cargo político se houvesse uma mudança de regime neste país...
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