A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quarta-feira, 13 de maio de 2009

Leopoldo de Amaral: Moçambique sem avanços em direitos humanos

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É o exemplo típico do jovem esclarecido em direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Sabe discutir problemas do seu país, Moçambique, passando pela África, desembocando numa esfera maior: o resto do mundo. Seu nome é Leopoldo de Amaral*. Guindou-se, por mérito, à ribalta da vida académica, intelectual e profissional. Formado em Direito e especializado em Direitos Humanos, hoje, trabalha para a Open Society Initiative for Southern Africa, com escritórios na África do Sul. O blog bantulandia convida-o em discurso directo, para falar sobre a situação de direitos humanos em Moçambique:

Bantulândia – Moçambique regista altos níveis de corrupção, relatados pela Transparência Internacional e órgãos locais. Então, qual é a relacão entre corrupção e violação de direitos humanos?
Amaral - A corrupção é um dos principais constrangimentos ao desenvolvimento de um país. Em Moçambique, ela afecta a implementação das políticas e planos de desenvolvimento e afecta negativamente a provisão de serviços públicos ao cidadão, assim como a competitividade do Estado no plano internacional.
Assim, fomentar ou ser complacente com a corrupção é negar o direito à educação para as crianças, a segurança (uma das razões para o elevado índice de criminalidade), o acesso à saúde e outros direitos sociais. Por isso, a maioria da população moçambicana empobrece cada vez mais. Os países mais transparentes, responsáveis e menos corruptos são os mais justos e equitativos para com os seus cidadãos.
Moçambique, por ser um país em vias de desenvolvimento e dependente de ajuda externa, devia ser um exemplo na gestão dos recursos e coisas públicas.

Bantulândia - Em que áreas de direitos humanos Moçambique avançou, desde 1990?
Amaral - Eu diria que, no geral, Moçambique avançou apenas no campo teórico, com as reformas legislativas e ratificação de vários tratados internacionais, mas claudica na sua implementação. Ratificamos vários tratados internacionais e temos leis bonitas, mas não há implementação.
Se tivesse que destacar uma área específica diria que houve progresso na abertura e liberalização do sector de comunicação social (Imprensa). Há uma diversidade de empresas de comunicação social, mas, infelizmente, tal não se traduz ainda no debate franco, despolitizado e na pluralidade de idéias. A auto-censura ainda é uma prática bastante reportada em Moçambique principalmente quando se trata de assuntos “quentes” (envolvendo as mais altas figuras) do Estado.
Ironicamente, apesar de haver uma diversidade da Imprensa tal não se traduz na liberdade de expressão (casos da censura nos órgãos públicos de comunicação social) e livre acesso à informação. Não existe uma lei que regule o acesso à informação pública e as fontes de informação.

Bantulândia - Quais as áreas de direitos humanos que menos avançou, desde 1990?
Amaral - No campo da segurança, nomeadamente no Policiamento e Serviços Prisionais. A falta de um apetrechamento técnico e material da Polícia faz com que esta seja uma fonte de violação de direitos humanos.
A privação da liberdade de qualquer suspeito é usada pela Polícia como regra por falta de capacidade para investigar, embora a própria Polícia saiba que apenas deve restringir a liberdade de qualquer cidadão em caso de flagrante delito. Esse fenómeno contribui para a superlotação das cadeias, razão pela qual, vezes sem conta, os reclusos morrem por asfixia e por contração de doenças.
Mas não devemos apenas culpar a Polícia por tais práticas, mas sim quem devia dotá-la de tais apetrechos materiais e técnicos. A questão da profissionalização da Polícia de Investigação Criminal e do necessário apetrecho material tem que ser endereçado. Nas condições em que se encontra a Polícia as violações dos direitos do cidadão continuarão a ser o padrão por muito tempo. A vulnerabilidade material da Polícia e a corrupção no seu seio fazem com que ela se torne muito violenta e, por conseguinte, não dando garantias de poder ser o garante da lei e ordem.
Há a notar que o investimento que está sendo feito no Judiciário não está a ser acompanhado na Polícia. Os juízes estão cada mais profissionalizados e com maiores apetrechos materiais, mas os policias não, principalmente os que tem que investigar crimes. Apesar da existência de uma instituição de formação superior de policias, tal ainda não teve o seu impacto positivo no quadro policial e nas suas actividades.

Bantulândia - O Estado moçambicano ainda não ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), quando a Constituição da República de Moçambique, o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, a Agenda 2025, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos Humanos e Povos, os Objectivos de Desenvolviemento do Milénio e outros documentos consagram os direitos nele plasmados.
- Por que o Estado moçambicano não ratifica o PIDESC?
Amaral - É uma grande contradição. O Estado moçambicano nasceu com o objectivo de garantir aos seus cidadãos condições mínimas de vida, habitação, educação e saúde. O PIDESC surge para enfatizar o comentimento dos Estados em garantir tais condições. Digo que é uma contradição pois, muitos de tais preceitos estão plamasdos na Constituição, embora de forma programática, ou seja, como um ideal e sem garantias de justiciabilidade. O PIDESC prevê também a implementação progressiva dos direitos aí consagrados não exigindo dos Estados partes a sua implementação total de dia para noite, pois aqui reconhece-se que nem todos os Estados tem as mesmas condições financeiras para garantir imediatamente o usufruto de tais direitos pelos seus cidadãos.

Bantulândia - O que é prejudicado em virtude de não ratificar?
Amaral - Ao não ratificar o PIDESC, o Estado Moçambicano passa imagem que não está preparado/interessado em se comprometer perante a comunidade dos Estados, garantindo as condições sócio-económicas para o desenvolvimento dos seus cidadãos. Ao ratificar o PIDESC, o Estado Moçambicano teria a oportunidade de fazer um exercício de introspecção sobre o grau de esforço aplicado no alcance dos direitos socio-económicos do seu povo.
Burundi, Etiópia e Guiné-Bissau são Estados africanos com um Índice de Desenvolvimento Humano e Produto Interno Bruto (PIB) per capita menor que o de Moçambique, mas já ratificaram o PIDESC; assim como Estados não democráticos como a Líbia e a Swazilândia também o ratificaram. Que medo o Estado moçambicano tem de ratificar o PIDESC?

Bantulândia - Mudando de assunto, como ex-docente da Faculdade de Direito, que propostas avanças para o melhoramento do currícula do curso de Direito em relação aos direitos humanos?
Amaral - O ensino e aprendizagem de Direitos Humanos devia ser introduzido no ensino pré-universitário, à semelhança das disciplinas básicas como matemática e português. Educação em direitos humanos devia fazer parte do processo de formação do Homem.
No ensino superior apenas devia ser aperfeiçoado e especializado para quem optasse por esse ramo. Salvo erro, apenas a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e a Universidade Católica de Moçambique (UCM) leccionam a cadeira de Direitos Humanos, sendo que a UEM prepara-se para introduzir uma especialização nesse ramo.

Bantulândia - Qual é o nível de percepção de juízes moçambicanos sobre direitos humanos?
Amaral - Moçambique é parte de vários tratados e convenções internacionais que regulam os direitos humanos. Raramente esses instrumentos jurídicos internacionais que fazem parte do ordenamento jurídico nacional são citados quer por advogados e por juizes em foros judiciais. A formação em direitos humanos apenas foi introduzida recentemente na UEM e na UCM. A maioria dos juizes e advogados moçambicanos nunca aprenderam direitos humanos como disciplina razão pela qual não estão abalizados nessa matéria.
Outro factor que inibe o desenvolvimento da cultura jurídica de direitos humanos é o facto de a lei restringir o acesso ao Conselho Constitucional a cidadãos individualmente, ou seja, estes não têm o locus standi para disputar a constitucionalidade ou legalidades de factos e actos practicados contra si. Se tal fosse possível, à semelhança do que acontece na maioria dos Estados, direitos humanos teriam espaço de debate, análise e aplicabilidade.

Bantulândia - Qual é o balanço que faz dos jovens moçambicanos que já fizeram intercâmbio em direitos humanos no Brasil, com financiamento da Open Iniciative Southern Africa?
Amaral - O balanço é positivo. O projecto iniciou em 2003 e desde lá mais 10 formandos, incluindo entre eles jornalistas, activistas sociais e advogados já beneficiaram da formação.
Como sabe a nivel da CPLP, o Brazil possui a melhor experiência na luta, promoção e protecção de direitos humanos, desenvolvida nos últimos 50 anos. Os formandos hoje emprestam o seu saber em vários departamentos do Estado, na academia, em organizações internacionais e em ONGs.

*Jurista especializado em Direitos Humanos Coordinador-adjunto do programa de Direitos Humanos e Democracia da Open Society Initiative for Southern Africa (OSISA) na África Austral. Ex-docente de Direito Internacional Público e Direitos Fundamentais na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Mocambique.

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