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I
Gostava de dizer Agostinho da Silva que um português que nunca tivesse ido ao Brasil nunca descobriria o que era ser português. No caso dele, foi de facto assim - foi apenas no Brasil, face ao “espelho atlântico”, que ele começou a questionar-se sobre a nossa vocação: não apenas portuguesa mas, mais amplamente, lusófona[1].
No meu caso, passou-se algo de diverso – quando, há alguns anos, estive no Brasil, ainda que por pouco tempo, descobri-me europeu. Digo-o sem qualquer orgulho ou vergonha.
II
Pascoaes, mais até do que Pessoa – apesar da Mensagem – foi – melhor dito, continua a ser – o grande poeta da portugalidade no século XX. Um poeta e, igualmente, um filósofo – não tivesse ele sido o autor d’Arte de Ser Português, a par de muitos outros textos.
Por isso, continua a ser olhado com suspeita. Pelos mesmos que, em relação a Pessoa, procuram, dos mais diversos modos, escamotear a Mensagem. Mas Pessoa é tão grande que consegue sobreviver a todos os “pessoanos”. Pascoaes também, ou ainda mais – apesar de não existirem muitos assumidos “pascoaesianos”. Ou talvez por isso.
III
Tendo sido um poeta e um filósofo do espaço português – mais do que do espaço, da “terra” –, Pascoaes não foi, contudo, um poeta e um filósofo do espaço europeu nem do espaço lusófono. O que se compreende, dada a sua procura da nossa “singularidade”.
Talvez isso explique essa aparente imediação entre Portugal e o Cosmos que, quanto muito, se alarga apenas ao espaço ibérico[2]. E não ao espaço europeu – apesar de, como se sabe, Pascoaes ter sido um poeta traduzido na Europa. E não, menos ainda, ao espaço lusófono. Quanto a este, isso talvez se explique, em parte, pela época – na altura, o Brasil estava já longe demais; a África portuguesa era, sobretudo, um local de degredo; do resto do Império nem vale a pena falar. Isto apesar dos republicanos em geral terem procurado defender, o mais possível, as nossas ditas “colónias” – ao contrário do que pretende a nossa historiografia oficial, que procura reduzir o “colonialismo” ao “Estado Novo” (mas essa é outra história).
IV
Aqui a diferença com Agostinho da Silva é imensa. Agostinho, ao contrário de Pascoaes, foi de facto um filósofo do espaço lusófono, diria mesmo, o primeiro grande filósofo do espaço lusófono. Desde logo porque ele conheceu os demais povos lusófonos e os reconheceu como “iguais”. Daí esse seu sonho da criação de uma verdadeira Comunidade Lusófona, que veio a inspirar a actual CPLP, como recordou recentemente Adriano Moreira no Colóquio “O Legado de Agostinho da Silva: quinze anos após a sua morte”[3], na sua comunicação “Agostinho da Silva, o inspirador da CPLP”. Isto apesar da CPLP estar ainda muito aquém desse sonho de Agostinho (mas essa é também outra história).
V
Se Portugal faz mais sentido no âmbito desse espaço lusófono – trata-se até, mais do que isso, a meu ver, de uma questão de sobrevivência histórica –, isso não significa, contudo, um diluição de Portugal nesse espaço. Ou seja: se Portugal será lusófono ou não será, isso não significa que, para ser lusófono, deixe de ser europeu…
VI
Mas o que pode significar ser europeu numa Europa que, vinte anos após a queda do Muro de Berlim, de triste memória (o muro, não a queda; mas essa é igualmente outra história), se encontra num evidente impasse, senão mesmo à beira da desagregação?
[1] Prova disso são as obras que escreveu na década de 50, já no Brasil – nomeadamente, Reflexão à margem da literatura portuguesa e Um Fernando Pessoa. Sobre estas duas obras, em particular sobre a primeira, realizámos o estudo Visões de Agostinho da Silva (Lisboa, Zéfiro, 2006).
[2] Daí a sua imagem da Ibéria como o “túmulo do Sol” contraposta à imagem da Grécia como o “berço solar”, daí a sua afirmação de que “o génio ibérico foi sempre anti-helenista, duma originalidade selvática aprofundada pelas sombras do Crepúsculo”, do “crepúsculo eterno da Ocidental Praia Lusitana”, daí o ter-nos dito ainda que “o português é um ser indefinido”, que “ignora o limite das coisas”, não podendo ter por isso “um conceito claro da existência”, mas “uma concepção nublosa sentimental” – de acordo, aliás, com a nossa própria “Deusa atlântica”, também ela “sentimental e enevoada”, ao contrário da “Deusa mediterrânea”, e do sentido do “limite divinizado pelos romanos, o povo mais anti-infinito que existiu”.
[3] Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 de Abril de 2009.
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3 comentários:
Pascoaes é acima de tudo um pensador do universal e do transcendente que no indivíduo e na sua situação se encerra. Veja-se, no final do seu mais extenso manifesto saudosista:
"Estudemos o homem transcendente, o "além homem", que o Português encerra.
Estudemos o Português do Cosmos oculto no português do extremo ocidental da Ibéria" - "O Génio Português na sua expressão filosófica, poética e religiosa", in "A Saudade e o Saudosismo", p.93.
Pela minha parte, há que dar mais ênfase à "situação". Não apenas individual como colectiva. Não apenas espacial como temporal...
Extremamente pertinente, Renato, remar no rio do nosso caminho em direcção ao mar que é o nosso destino.
Lusofonia ou Europa? Respondo: o mundo pela lusofonia. Qual? O da espiritualidade portuguesa unida às espiritualidades que pendam para o bem, seja ele o da felicidade do homem dionisíaco ou do homem apolíneo.
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