A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 2 de novembro de 2008

2 de Novembro - Homenagem a Teixeira de Pascoaes, na fronteira aberta entre mundo e trans-mundo



Embora o registo de nascimento mencione o dia 8 de Novembro, Pascoaes parece haver elegido o dia de hoje, 2 de Novembro, Dia de Finados, como dia simbólico para o seu nascimento, o nascimento de alguém saudoso do antes de haver nascido e em perene abertura para o outro mundo ou o trans-mundo, a dimensão invisível e ignota dos seres e das coisas. Republicamos aqui este curso ensaio em homenagem ao Director da revista "A Águia" e eminente poeta e pensador visionário, autor de uma obra vasta e abissal, ainda largamente desconhecida em Portugal e no mundo.

A Loucura de Pascoaes

Quando Abel Salazar publicou um sarcástico e jocoso artigo sobre a pretensa demência de Leonardo Coimbra e Pascoaes, estava decerto a uma distância infinita de compreender quão longe e perto passava da verdade no respeitante ao estranho génio do Marão. Num Ocidente e mesmo num planeta onde a loucura, expulsa do divino e do universo pela racionalidade teológico-filosófica dominante, foi progressivamente exorcizada do homem e confinada aos ghettos da patologia e da santidade, do irracional e do meta-racional - tão abusivamente contrapostos como confundidos - , a vida e obra de Pascoaes constitui uma sincera e desinibida assunção do que a aparentemente triunfante mediania excomungou como subversivo dos lugares comuns da cultura domesticada. Dramatizada em O Doido e a Morte, contemplada nos irónicos auto-retratos dos dois O Pobre Tolo, mas sempre emergente em motivos e lances capitais da obra poética e em prosa, Pascoaes não faz da "loucura" alegoria ou metáfora apenas duma absoluta Razão divina, ou seja, imagem nos limites humanos da Sabedoria e/ou Lei supremas que a tudo possibilitam, ordenam e justificam. Instaurando a irracionalidade no Princípio ou na Origem, quer na figura de um Deus imperfeito em si mesmo ou no acto criador, que neste a si e a toda a criação sepulta nos limites da realidade que lhe é possível, quer na de um delírio divino cuja paixão heteronímica igualmente o plurimorfiza num universo-casa de alienados de Si mesmo, mas que tornando-se Homem e pelo Homem expia a sua hybris maligna - o Satã que, mesmo-outro de Si, o fere na ordem do mundo real - , convertendo-se no Deus-Cristo, cósmico redentor da mínima forma de vida, mediante uma Loucura agora libertadora que incendeia as formas do possível realizado na trans-realidade do Impossível sempre Ausente, Pascoaes furta-se ao terreno onde se digladiam como irmãos gémeos do mesmo conformismo o optimismo e pessimismo, que nos asseguram ser este o melhor ou o pior dos mundos possíveis (Leibniz/Schopenhauer), para entrever na Loucura a potência de Liberdade e Criação que, excedente de qualquer Princípio, Fundamento, Razão ou Ordem ontológica, mesmo divinos, ambiguamente tanto possibilita toda e qualquer forma de determinação existencial como a sua infinita transcensão. Patente no excesso da imaginação sobre o ser e o real, da poesia sobre a ciência e a filosofia e nessa complexa síntese de memória e desejo criador, votada à transfiguradora superação de todo o existente, a que chamou Saudade, a Loucura, tal como Pascoaes a experimentou e traduziu em livros gritantes de singular experiência interior como Verbo Escuro, O Bailado, O Pobre Tolo e Duplo Passeio, sugere-se como o que antecede, possibilita e excede, redimindo-os e deles a tudo redimindo, o Deus criador e os Deuses revelados nos quais positiva e negativamente se fundam as religiões e ateísmos planetários. Não é assim desprezível que, na história da sua evolução espiritual e cósmica, a tenha assumido incarnada no delírio ibérico e predominantemente lusíada, simultaneamente quixotesco e saudoso, vindo o declínio e morte do sol apolíneo no elegíaco crepúsculo do finisterra oceânico a marcar o simbólico contraponto do seu advento helénico, constituindo-se a Grécia, como pátria da Razão, da Beleza e da Deusa, e a Lusitânia-Portugal, como pátria da Loucura, da Fealdade transcendente e da Bruxa, como os paradigmas e pólos mais significativos, antinómicos em sua mesma complementaridade, da história do Espírito, ante os quais tudo o mais se reduziria a vulgaridade: Europa, América e Indústria. Não esqueçamos o exagero como forma de sublinhar a verdade mais remota e dificilmente apreensível...

Se em Pascoaes aflora uma experiência da vida - de arcaico sabor popular e oriental - que poderíamos chamar carnavalesca, na qual realidade e ilusão, verdade e falsidade, se confundem num universo em que tudo só o é sendo simultaneamente o seu outro, o seu visionarismo abre sempre para um sentido de redenção universal pela conversão e potenciação extremas da energia do próprio delírio originário. Convertendo a messiânica busca de instauração terrena do Reino de Deus - emblemática da nossa cultura na mitogonia e hermenêutica quinto-imperial que procede de Gil Vicente e Camões para Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva - na tarefa de redimir o imperfeito Deus criador e criar um "novo Deus Infante", concebido no homem pelo ventre virginal da Saudade, ou de assumir no Deus anterior e posterior a tudo o "único ateu perfeito" - o que José Marinho considerou a sua mais profunda intuição - , Pascoaes é hoje, na transição da teologia para a teurgia e o "ateoteísmo" a-teológico, o mais genial e profundo dos nossos poetas metafísicos, o mais poderoso demiurgo da história secreta, onírica e mítica de Portugal e um dos mais desassossegantes desestabilizadores de consciências que visita este mundo de aborrecida gente razoável. Até ao momento ofuscado pelos modismos literários das vaidades urbanas e cosmopolitas, que, sentindo as armaduras intelectuais a romperem-se aos golpes do estro selvático, fizeram de Pessoa repasto dos academismos pessoanos, está por desvelar o fundo nexo entre as obras dos dois grandes poetas, apurando para além da diversidade formal a profundidade essencial das convergências e divergências. Decerto então surgirão um Pessoa e um Pascoaes que se acompanham e separam em muito mais e muito menos do que actualmente se crê, mas, justiça se faça, difícil será encontrar um grande tema pessoano - a começar pela denúncia da ficção da unidade e identidade do ego onto-psicológico - que não tenha sido antecipado e até excedido em profundidade, não em diáfana e perfeita expressão, pelo “pobre tolo” do Marão, com a nítida vantagem de na poesia deste perpassar a vertigem do Infinito cósmico, graça concedida pelas rústicas Musas ao enamorado calcorreador de penedos e fragas e que as Tágides não lograram fazer romper através das densas paredes mentais dos quartos e cafés lisboetas...

in Paulo Borges, Pensamento Atlântico, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2002, pp.155-157.

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