Terminaram hoje os Jogos Paralímpicos de Pequim, e Portugal obteve um total de sete medalhas – menos do que há quatro anos em Atenas, em que se obteve 12. Mas que bom seria que todos os «fracassos desportivos» fossem como este! Todas as contas feitas, os atletas «especiais» têm nas últimas décadas portado-se melhor, muito melhor, do que os seus colegas atletas «normais». Além de que não é bom falar da contínua desgraça que é o «futebol à portuguesa». Este é pois um momento oportuno para inserir aqui um texto da minha autoria saído recentemente num jornal diário nacional.
Portugal ganhou este ano 35 medalhas - oito de ouro, 18 de prata e nove de bronze - nas modalidades de andebol, basquetebol, atletismo, futsal, ténis de mesa e voleibol.
Não, não foi nos Jogos Olímpicos: foi nos Jogos de Verão 2008 da FISEC (Federação de Desporto Internacional para Escolas Católicas), realizados no passado mês de Julho em Malta - em 2009 realizar-se-ão em Portugal, no Algarve. Pode dizer-se que se trata de uns «Jogos Olímpicos dos Pequeninos» - são reconhecidos pelo Comité Olímpico Internacional - mas é assim, muitas vezes, que grandes carreiras começam.
De Pequim Portugal trouxe não 35 mas apenas duas medalhas, uma de ouro e uma de prata, levando a que alguns apressadamente declarassem - para atenuarem anteriores desilusões e desabafos - ter sido este o melhor resultado nacional de sempre. Formalmente, até é verdade. Porém, a verdade nua e crua é que a presença portuguesa nos Jogos Olímpicos de 2008 se saldou num fracasso clamoroso. Provavelmente, e comparativamente, até foi pior do que em Barcelona 1992, onde nem no hóquei em patins - na única inclusão deste desporto no programa olímpico - Portugal conseguiu ir ao pódio!
Não, não foi nos Jogos Olímpicos: foi nos Jogos de Verão 2008 da FISEC (Federação de Desporto Internacional para Escolas Católicas), realizados no passado mês de Julho em Malta - em 2009 realizar-se-ão em Portugal, no Algarve. Pode dizer-se que se trata de uns «Jogos Olímpicos dos Pequeninos» - são reconhecidos pelo Comité Olímpico Internacional - mas é assim, muitas vezes, que grandes carreiras começam.
De Pequim Portugal trouxe não 35 mas apenas duas medalhas, uma de ouro e uma de prata, levando a que alguns apressadamente declarassem - para atenuarem anteriores desilusões e desabafos - ter sido este o melhor resultado nacional de sempre. Formalmente, até é verdade. Porém, a verdade nua e crua é que a presença portuguesa nos Jogos Olímpicos de 2008 se saldou num fracasso clamoroso. Provavelmente, e comparativamente, até foi pior do que em Barcelona 1992, onde nem no hóquei em patins - na única inclusão deste desporto no programa olímpico - Portugal conseguiu ir ao pódio!
Este «negócio (desportivo) da China» revelou-se muito mau porque nunca foi tão grande a desproporção entre o (muito) dinheiro que se gastou - 15 milhões de euros! - e a potencial valia dos desportistas que lá foram, por um lado, e os (poucos) resultados que se obtiveram, por outro. Na verdade, só Nélson Évora esteve à altura das circunstâncias, só ele correspondeu plenamente ao que se esperava: já era campeão mundial, tornou-se campeão olímpico. Quanto a Vanessa Fernandes, nem tanto: campeã mundial e europeia de triatlo, não foi além da medalha de prata… o que equivale, num certo sentido, à posição de finalista vencido de um Campeonato da Europa de Futebol.
Álvaro Marinho e Miguel Nunes (vela), Emanuel Silva (canoagem), Francis Obikwelu (atletismo), Gustavo Lima (vela), João Costa (tiro), João Neto (judo), João Rodrigues (vela), Joaquim Videira (esgrima), Naide Gomes (atletismo), Nuno Pombo (tiro com arco) e Telma Monteiro (judo), são, ou foram recentemente, campeões e/ou vice-campeões mundiais e/ou europeus e/ou líderes mundiais (isto é, com as melhores marcas do ano) nas suas respectivas disciplinas. Ou seja, era perfeitamente normal e legítimo esperar que eles fizessem mais e melhor do que fizeram, inclusivamente chegar às medalhas; ao invés, todos eles falharam, uns mais estrondosa e surpreendentemente do que outros. E todos, ou quase todos, esses falhanços se deveram não a lesões físicas mas sim a falta de concentração, de motivação, de preparação, de resistência à pressão psicológica e às exigências da alta competição. Será possível que nada se tenha aprendido desde 1984, quando, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, Fernando Mamede desistiu numa eliminatória dos 10 mil metros… modalidade em que era então recordista mundial?
É difícil não falar em «fatalismo»: a tendência recorrente da presença portuguesa em Jogos Olímpicos é a de que não só os mais credenciados quase sempre perdem como também, invariavelmente, os menos credenciados não compensam aqueles, excedendo as expectativas e superando-se a si próprios e aos outros. E essa presença no evento máximo do desporto mundial - não só em Pequim mas também antes - é bem a «tradução» do que tem sido a «tradição» de mediocridade de todo o país em geral: o não aproveitamento de oportunidades, o desperdício de capacidades e de recursos por escassez de ambição, direcção, organização, enfim, de profissionalismo. Excesso só mesmo de desculpas de «mau perdedor» (e de «mau pagador»…), de lamúrias… e de patetices quando, aleluia, lá se ganha uma ou outra medalhinha!
Acontece que só uma medalha de ouro já não é suficiente. Aliás, desde o 25 de Abril de 1974 - pensando bem, até antes - que há cada vez menos justificações para tantos e sucessivos desaires em Jogos Olímpicos. Desaires que fazem com que Portugal contabilize, desde 1896, 22 medalhas - quatro de ouro, sete de prata e 11 de bronze. Já pensaram bem o quanto estes números são afrontosos, ridículos, vergonhosos? Façamos duas comparações: o total de medalhas conquistadas pelo nosso país em quase 30 edições dos Jogos é mais ou menos equivalente ao que a França e a Itália conquistam numa só edição… e quando as delegações destes países estão em baixo de forma; um só atleta, Michael Phelps, obteve numa só semana o dobro das medalhas de ouro que Portugal obteve em 112 anos!
Uma coisa é ficar sempre atrás, em medalhas e não só, de potências desportivas, económicas e políticas como a Alemanha, a Austrália, a China, os Estados Unidos da América, o Japão, o Reino Unido e a Rússia; outra coisa, bem diferente, é ficar sistematicamente atrás de «exemplos» de desenvolvimento, estabilidade, progresso e qualidade de vida como Cuba, Etiópia, Jamaica e Quénia. Para não falar de Espanha… Afinal, queremos ou não queremos ter mais e melhor? Se sim, que tal começarmos a estabelecer uma estratégia de «construção de campeões» para nos habituarmos a vencer com regularidade?
Mais do que «rever todo o sistema desportivo do país», é preciso instituir, finalmente, um verdadeiro sistema desportivo no país! E não tem que se estar sempre à espera do(s) Governo(s). O Comité Olímpico de Portugal, em colaboração com as diversas federações desportivas e respectivos clubes, e ainda com empresas que aceitem ser mecenas do projecto, deve, antes de mais, estabelecer um eficaz, eficiente e exaustivo programa de prospecção, selecção e formação de atletas: primeiro, deve definir um conjunto de critérios, de indicadores, físicos e psicológicos, e visitar todas as escolas do país e fazer um «rastreio» aos seus alunos, registando as suas características motoras e mentais e encaminhando-os para os desportos mais adequados a essas características; segundo, deve procurar, identificar e recuperar talentos que já estão fora do sistema de ensino, promovendo como que uma iniciativa de «novas oportunidades para o desporto», incentivando todos os portugueses a «denunciarem» familiares, amigos, colegas e vizinhos que eles suspeitem que (ainda) têm, ou possam ter, jeito para atirar, correr, lançar, levantar, lutar, pedalar, remar, saltar…
Também eu tenho o sonho - algo utópico, bem sei - de, num futuro não muito distante, Portugal organizar uns Jogos Olímpicos. Imaginem um símbolo de «Lisboa dois mil e qualquer coisa» em que os cinco anéis se conjugam com as quinas… Todavia, nem pensar em nos metermos em tal aventura sem ter a garantia de que a «figura» que faríamos - isto é, o número de medalhas que ganhássemos - estaria em consonância com a escala desse empreendimento.
Artigo publicado no jornal Público Nº 6723, 2008/8/27
Álvaro Marinho e Miguel Nunes (vela), Emanuel Silva (canoagem), Francis Obikwelu (atletismo), Gustavo Lima (vela), João Costa (tiro), João Neto (judo), João Rodrigues (vela), Joaquim Videira (esgrima), Naide Gomes (atletismo), Nuno Pombo (tiro com arco) e Telma Monteiro (judo), são, ou foram recentemente, campeões e/ou vice-campeões mundiais e/ou europeus e/ou líderes mundiais (isto é, com as melhores marcas do ano) nas suas respectivas disciplinas. Ou seja, era perfeitamente normal e legítimo esperar que eles fizessem mais e melhor do que fizeram, inclusivamente chegar às medalhas; ao invés, todos eles falharam, uns mais estrondosa e surpreendentemente do que outros. E todos, ou quase todos, esses falhanços se deveram não a lesões físicas mas sim a falta de concentração, de motivação, de preparação, de resistência à pressão psicológica e às exigências da alta competição. Será possível que nada se tenha aprendido desde 1984, quando, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, Fernando Mamede desistiu numa eliminatória dos 10 mil metros… modalidade em que era então recordista mundial?
É difícil não falar em «fatalismo»: a tendência recorrente da presença portuguesa em Jogos Olímpicos é a de que não só os mais credenciados quase sempre perdem como também, invariavelmente, os menos credenciados não compensam aqueles, excedendo as expectativas e superando-se a si próprios e aos outros. E essa presença no evento máximo do desporto mundial - não só em Pequim mas também antes - é bem a «tradução» do que tem sido a «tradição» de mediocridade de todo o país em geral: o não aproveitamento de oportunidades, o desperdício de capacidades e de recursos por escassez de ambição, direcção, organização, enfim, de profissionalismo. Excesso só mesmo de desculpas de «mau perdedor» (e de «mau pagador»…), de lamúrias… e de patetices quando, aleluia, lá se ganha uma ou outra medalhinha!
Acontece que só uma medalha de ouro já não é suficiente. Aliás, desde o 25 de Abril de 1974 - pensando bem, até antes - que há cada vez menos justificações para tantos e sucessivos desaires em Jogos Olímpicos. Desaires que fazem com que Portugal contabilize, desde 1896, 22 medalhas - quatro de ouro, sete de prata e 11 de bronze. Já pensaram bem o quanto estes números são afrontosos, ridículos, vergonhosos? Façamos duas comparações: o total de medalhas conquistadas pelo nosso país em quase 30 edições dos Jogos é mais ou menos equivalente ao que a França e a Itália conquistam numa só edição… e quando as delegações destes países estão em baixo de forma; um só atleta, Michael Phelps, obteve numa só semana o dobro das medalhas de ouro que Portugal obteve em 112 anos!
Uma coisa é ficar sempre atrás, em medalhas e não só, de potências desportivas, económicas e políticas como a Alemanha, a Austrália, a China, os Estados Unidos da América, o Japão, o Reino Unido e a Rússia; outra coisa, bem diferente, é ficar sistematicamente atrás de «exemplos» de desenvolvimento, estabilidade, progresso e qualidade de vida como Cuba, Etiópia, Jamaica e Quénia. Para não falar de Espanha… Afinal, queremos ou não queremos ter mais e melhor? Se sim, que tal começarmos a estabelecer uma estratégia de «construção de campeões» para nos habituarmos a vencer com regularidade?
Mais do que «rever todo o sistema desportivo do país», é preciso instituir, finalmente, um verdadeiro sistema desportivo no país! E não tem que se estar sempre à espera do(s) Governo(s). O Comité Olímpico de Portugal, em colaboração com as diversas federações desportivas e respectivos clubes, e ainda com empresas que aceitem ser mecenas do projecto, deve, antes de mais, estabelecer um eficaz, eficiente e exaustivo programa de prospecção, selecção e formação de atletas: primeiro, deve definir um conjunto de critérios, de indicadores, físicos e psicológicos, e visitar todas as escolas do país e fazer um «rastreio» aos seus alunos, registando as suas características motoras e mentais e encaminhando-os para os desportos mais adequados a essas características; segundo, deve procurar, identificar e recuperar talentos que já estão fora do sistema de ensino, promovendo como que uma iniciativa de «novas oportunidades para o desporto», incentivando todos os portugueses a «denunciarem» familiares, amigos, colegas e vizinhos que eles suspeitem que (ainda) têm, ou possam ter, jeito para atirar, correr, lançar, levantar, lutar, pedalar, remar, saltar…
Também eu tenho o sonho - algo utópico, bem sei - de, num futuro não muito distante, Portugal organizar uns Jogos Olímpicos. Imaginem um símbolo de «Lisboa dois mil e qualquer coisa» em que os cinco anéis se conjugam com as quinas… Todavia, nem pensar em nos metermos em tal aventura sem ter a garantia de que a «figura» que faríamos - isto é, o número de medalhas que ganhássemos - estaria em consonância com a escala desse empreendimento.
Artigo publicado no jornal Público Nº 6723, 2008/8/27
3 comentários:
É interessante o seu artigo também num sentido que pode ser que (até) 2012, quando oficialmente os Jogos se dão em Londres, os verdadeiros Jogos do Olimpo se dêem aqui... a troca do Império Britânico...
pelo Português.
Caro Octávio
Já tinha lido o teu artigo no "Público". A ideia, como todas, tem prós e contras. O maior contra é o "investimento financeiro". Mas, reconheço, que os prós também pesam na balança... Para além de que este país só parece abanar por causa de eventos grandes...
primeiro, deve definir um conjunto de critérios, de indicadores, físicos e psicológicos, e visitar todas as escolas do país e fazer um «rastreio» aos seus alunos, registando as suas características motoras e mentais e encaminhando-os para os desportos mais adequados a essas características
Acredito que o Desporto, como qualquer outra actividade que se enceta na infância/adolescência, deve responder ao apelo das "entranhas vocacionais" (expressão que ouvi sabiamente proferida pelo Professor Manuel Ferreira Patrício) de cada indivíduo, pelo que este sistema de "encaminhamento" de cada um para a modalidade que certos critérios definidos externamente à pessoa ditam me causa alguma angústia.
Creio que o problema fundamental do Sistema Desportivo Português não começa na detecção e selecção de talentos, mas sim na fraca carga horária que o desporto e a educação física têm no sistema de ensino, que decorre da pouca importância que lhe é atribuída pelas autoridades competentes. O discurso politicamente correcto do Estado face ao Desporto cai por terra face aos números: 135 minutos semanais de actividade física curricular são o normal, por exemplo, nas escolas de 3º ciclo; no 1º ciclo, a actividade física foi empurrada para as horas de prolongamento, que nem sequer são de frequência obrigatória; etc, etc... Com estímulos destes as melhorias de rendimento desportivo são poucas, e o estímulo à prática fraco. Este é o problema de fundo com que nos deparamos e para o qual não se vê atitudes concretas nem vontade de mudança. Talvez esta seja uma questão muito mais importante do que o número de medalhas que se ganham... até porque está directamente ligada a esse mesmo número, a médio/longo prazo.
Agradeço-lhe a menção aos nossos Paralímpicos, dos quais me orgulho bastante.
Abraço MIL
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