Nesta época de globalização galopante e aparentemente imparável, em que as fronteiras nacionais são cada vez mais permeáveis a influências culturais e económicas, fará ainda sentido temer a integração de Portugal em Espanha? Haverá ainda razão para defender uma posição “nacionalista” num mundo e numa Europa em que todos os nacionalismos se diluem cada vez mais numa eurocracia cada vez mais distante e mecanizada? Numa Europa que se quer cada vez mais “Europa das Regiões” devemos temer a integração de Portugal nas “Espanhas” sediadas em Madrid ou uma versão actualizada do “Império de Castela”?
Não existe uma resposta única a este conjunto tríplice de perguntas. E de facto, existe uma resposta dentro da mente de cada um de nós. E esta resposta vai mudando de matiz, consoante o tempo vai percorrendo o seu caminho, as mentalidades se vão lentamente mudando e a própria pressão do ambiente vai variando. Mas nesta mudança constante, existem indícios que o presente já nos deixa entrever e que nos podem esclarecer quanto ao apuramento de algumas respostas a estas três questões:
Fará Ainda Sentido Temer a Integração de Portugal em Espanha?
O mundo de hoje é radicalmente diferente daquele em que viveram os nossos antepassados. Não quer isto dizer que devemos, ou podemos, fazer tábua rasa de tudo aquilo que a História nos ensinou, e o facto de muitas civilizações não terem aprendido com o passado, haveria de as precipitar precocemente na bruma da História. São as civilizações com menos capacidade memorizante, aquelas que menos perduram e aquelas cujo domínio global é mais frágil. Se Roma haveria de ceder aos bárbaros fá-lo-ía não porque as suas hostes eram menos numerosas ou aguerridas do que as legiões romanas, mas porque estas – perdido o seu sentido anímico e dispersas por um Império mais extenso do seria suportável e sustentadas por um edifício financeiro depauperado – se haviam esquecido das virtudes bucólicas e simples dos velhos romanos recordados por Catão. A História e a memória da História servem assim de fio de Ariadne que levam de geração em geração um Passado que congrega e conflui as gentes para um sentimento de Cultura única e diversa da de outras gentes. Nestes tempos em que as paragens mais distantes do mundo estão apenas à distância de um clique de rato de computador, e em que a aculturação anglo-saxónica é cada vez mais imperativa por via do predomínio das televisões sobre a distribuição de Cultura e Conhecimento em quase todos os lares começam a surgir dúvidas sobre a capacidade de – a prazo – continuarem a sobreviver Culturas distintas, autónomas o bastantes para serem reconhecidas enquanto tal. Portugal, um anão estabelecido à beira de um gigante, a Espanha, tem que saber resistir na sua diferença não só contra estas energias centrípedas da Globalização anglo-saxónica, mas também contra o dinamismo económico e a grandeza geográfica e demográfica de uma Espanha que nunca como hoje esteve tão próxima de Portugal. Dado o carácter descentralizado da monarquia espanhola, estar-se-ão a criar condições para que esta força atractiva seja forte o bastante para levar Portugal a uma crescente subalternização e, enfim, a uma aglutinação até se tornar numa Região de Espanha, com características idênticas às da Euskaria, da Galiza ou da Catalunha? Não vemos sinal de tal. Ainda que economicamente a presença de balcões de bancos e de lojas de retalho espanholas seja evidente nas grandes avenidas das maiores cidades portuguesas, na verdade a presença espanhola em Portugal é relativamente menos importante, por forte que possa ser, do que a força da influência de Espanha nas mentalidades e cultura portuguesa.
Haverá ainda razão para defender uma posição “nacionalista” num mundo e numa Europa em que todos os nacionalismos se diluem cada vez mais numa eurocracia cada vez mais distante e mecanizada?
Esta Europa caminha rapidamente para a plena concretização do mundo sonhado pelos líderes das grandes multinacionais e gisado pelo Grupo de Bilderberg.
Numa Europa que se quer cada vez mais “Europa das Regiões” devemos temer a integração de Portugal nas “Espanhas” sediadas em Madrid ou uma versão actualizada do “Império de Castela”?
Conclusão: Portugal, Espanha e o Brasil
Findo que foi o Ciclo do Mar, com o regresso de Luanda e de Lourenço Marques das últimas caravelas, Portugal regressou ao mesmo mundo do Velho do Restelo que defendia as crianças e as mulheres abandonadas pelos seus maridos que partiam. Trocou-se, enfim, o apelo do Mar pelo chamamento da Terra. E nessa Terra, temos Espanha. Sempre muito mais “continental” que o atlantista Portugal e expressão última do apelo da Terra. De facto, esta anti-tese esquizofrénica Terra-Mar não é ignorada pelos próprios contemporâneos do período aúreo dos Descobrimentos.
Portugal e o Brasil estão unidos por muitas semelhanças e destinos comuns. Portugal cumpriu aquele imenso feito que Agostinho da Silva não se cansava de sublinhar que era o de ter sido capaz de resistir ao ímpeto centralista de Castela e de se ter mantido independente numa Espanha que sacrificava uma após outra todas as independências a favor de um centro “imperialista” mais ou menos aglutinador, consoante as épocas e períodos históricos. O Brasil, por sua parte, cumpria outro milagre, idêntico e paralelo ao de Portugal: o de se manter uno e coeso, resistindo à pressão de se dissolver numa constelação de vários países de língua portuguesa e de, simultaneamente saber resistir à mesma aglutinação que Espanha tentou lançar sobre Portugal ao resistir à pressão de alguns dos seus vizinhos sul americanos mais belicistas. Milagres e feitos opostos, ambos nascidos de fonte portuguesa, mas diametralmente opostos: um afirmando a diferença pela espantosa União (o Brasil), o outro afirmando a mesma diferença pela espantosa resiliência numa Península aglutinada em torno de Castela (Portugal).
O Brasil foi também o refúgio de muitos daqueles que viam o seu Portugal esmorecer e reduzir-se a uma dócil periferia e a um canal de transmissão para as doutrinas centralistas e materialistas produzidas nos e para os povos germânicos e que em Portugal haveriam de redundar no “Capitalismo de Estado” de Dom Manuel e nos múltiplos e sucessivamente mais intenso Pogroms anti-semitas. Hoje, que os fluxos migratórios de Portugal para o Brasil estancaram, que África já não é o último refúgio e a última Utopia a refundar algures num planalto elevado, Portugal está forçado a confrontar-se com a inevitabilidade geográfica da presença numa Península onde a “Espanha” mais do que assumir como seu o nome “Hispânia” se assume como o pólo económico que atraí todas as autonomias “espanholas” ao qual é impossível fugir. Agora, mais do que nunca o problema do “Iberismo” é especialmente actual e é por esta razão que o tema depois de uma relativamente longa hibernação tornou a ser agudamente actual.
O problema do Iberismo não é novo em Portugal. Mas só agora, em pleno século XXI o problema é especialmente agudo, e, sobretudo, incontornável. Porque hoje e não antes? Certamente que as liberalizações mercantis da Globalização e a Organização Mundial de Comércio (OMC) são parte importante da questão, assim como a crescente mutação da Comunidade Económica Europeia (CEE) numa Federação não-referendada com sede em Bruxelas. Mas acreditamos que o principal factor reside no súbito “regresso à Europa” ocorrido em 1975, após a Descolonização. Depois do abandono do Marrocos com o abandono da maioria das praças marroquinas com Dom João III, depois do “Desastre do Oriente” com a retirada dos portugueses das praças da Índia no século XVII, depois da independência do Brasil no século XIX e da retirada precipitada do “Ultramar português” em 1975, Portugal reduzido enfim à sua original condição europeia era finalmente forçado a reconhecer que tinha uma fronteira terrestre extensa e exposta a uma das maiores entidades estatais europeias: a Espanha. Se hoje o debate em torno do “Iberismo” ocorre com inusitada energia, tal deve-se sobretudo à evaporação de todas os ramos e extensões de Portugal pelo mundo, um processo lento, mas sistemático que nos deixou, por fim, frente a frente com o vizinho ibérico e finalmente sujeitos a termos que o encarar de frente e a colocar a nós próprios a questão da viabilidade da nossa existência enquanto país soberano e independente.
Os anos vindouros serão os anos do Terceiro Mundo. A China começa a bater os Estados Unidos na produção industrial. A Índia já se transformou numa das maiores potencias mundiais no âmbito das tecnologias de informação e o Brasil é já actualmente a grande agro-potencia do mundo. A Velha Europa e a América do Norte, sua extensão – como bem indicava Agostinho – caminham lenta mas inexorávelmente para o Ocaso e Portugal, se quiser tomar alguma parte no destino futuro das coisas deve reencontrar no Atlântico a sua História do Futuro, no regresso às suas origens, exiladas em Seiscentos no Brasil e aqui frutificadas nos Trópicos. Portugal, se quiser continuar a ser Portugal e manter algum tipo de identidade numa Europa decadente que cedo ou tarde acabará num processo autofágico e destrutivo terá que saber tornar Portugal brasileiro, ou o Brasil português, pouco importa a matiz ou vertente da equação.
O Iberismo, entendido na sua forma “saramaguiana”, enquanto união política entre Portugal e Espanha, pela transformação ou downgrade de Portugal numa região autónoma de Espanha, tem contudo uma grande dificuldade a ultrapassar. Tão grande como a diversidade geográfica do seu território, desde o húmido Minho, até ao mediterrânico Algarve, passando pelo seco Alentejo. Foi esta riqueza que dotou os portugueses da sua rara capacidade para sobreviverem nos climas mais diversos e adversos e que forjou aquela raça tropical que se haveria de tornar – depois de recebidos novos influxos de colonos europeus e de escravos africanos no brasileiro de hoje. É esta diversidade geográfica – rara na Europa – que contrasta com a continentalidade espanhola. É esta inclinação atlântica daquele herdeiro da “Ibéria Húmida” de Estrabão por oposição à “Ibéria Seca” que contrasta com esse aspecto continental de Espanha e são precisamente estas diferenças que fornecem hoje uma das maiores barreiras a qualquer tipo de integração ibérica que possa vir a ser imposta ou tentada a partir de Espanha sobre Portugal.
Este contraste dicotómico entre a Terra e o Mar, representado aqui pelo “Porto” do Graal (> Portugraal > Portugal) do escudo afonsino, recordado com mágoa sentida até em pleno período aúreo dos Descobrimentos quando Sá de Miranda lamenta o abandono da terra em troca dos “pardaus” que abundavam em certas casas de Cabeceiras de Basto é a mesma que resultou da decisão tomada por Dom Fernando primeiro, quando depois de aclamado como rei em Tui, recua e acaba por se reconciliar com o Pedro de Trastámara e, mais tarde, por Dom Afonso V, quando depois de batido na batalha de Toro e a causa da princesa Dona Joana. Por duas vezes os monarcas portugueses abandonaram a Galiza revoltada contra Castela à sua sorte. Esta quebra da confiança entre a perspectiva marítima e a terrestre de Portugal e um certo remorso de um lado, e um ressentimento subterrâneos dos dois lados da raia nortenha estiveram na raíz do sentimento de incompletitude de Portugal e dos portugueses, que se sentem “menores” ou “incompletos”, porque sentem de forma indefinidade e não-verbal a falta da metade do andrógino platónico, separado na época da gestação da nacionalidade, com a separação das duas partes de Portugaliza: Portugal, o aspecto marítimo e atlântico e a Galiza, aspecto terrestre e continental. Sem a terrestre Galiza faltava o esteio para sustentar o edifício que se enchia com as riquezas do Oriente e do Brasil, sem a Galiza, não se investiam nas terras e nas gentes e se bastava a dita em fátuas e inúteis vilanias e faustos. Sem a Galiza perdia-se Portugal. E sem Portugal, perdia-se a Galiza no seio do império de Castelo e num destino cinzento no meio de mais uma região entre várias de uma “Espanha” cada vez mais sujeita a Madrid e a Castela.
Não existe uma resposta única a este conjunto tríplice de perguntas. E de facto, existe uma resposta dentro da mente de cada um de nós. E esta resposta vai mudando de matiz, consoante o tempo vai percorrendo o seu caminho, as mentalidades se vão lentamente mudando e a própria pressão do ambiente vai variando. Mas nesta mudança constante, existem indícios que o presente já nos deixa entrever e que nos podem esclarecer quanto ao apuramento de algumas respostas a estas três questões:
Fará Ainda Sentido Temer a Integração de Portugal em Espanha?
O mundo de hoje é radicalmente diferente daquele em que viveram os nossos antepassados. Não quer isto dizer que devemos, ou podemos, fazer tábua rasa de tudo aquilo que a História nos ensinou, e o facto de muitas civilizações não terem aprendido com o passado, haveria de as precipitar precocemente na bruma da História. São as civilizações com menos capacidade memorizante, aquelas que menos perduram e aquelas cujo domínio global é mais frágil. Se Roma haveria de ceder aos bárbaros fá-lo-ía não porque as suas hostes eram menos numerosas ou aguerridas do que as legiões romanas, mas porque estas – perdido o seu sentido anímico e dispersas por um Império mais extenso do seria suportável e sustentadas por um edifício financeiro depauperado – se haviam esquecido das virtudes bucólicas e simples dos velhos romanos recordados por Catão. A História e a memória da História servem assim de fio de Ariadne que levam de geração em geração um Passado que congrega e conflui as gentes para um sentimento de Cultura única e diversa da de outras gentes. Nestes tempos em que as paragens mais distantes do mundo estão apenas à distância de um clique de rato de computador, e em que a aculturação anglo-saxónica é cada vez mais imperativa por via do predomínio das televisões sobre a distribuição de Cultura e Conhecimento em quase todos os lares começam a surgir dúvidas sobre a capacidade de – a prazo – continuarem a sobreviver Culturas distintas, autónomas o bastantes para serem reconhecidas enquanto tal. Portugal, um anão estabelecido à beira de um gigante, a Espanha, tem que saber resistir na sua diferença não só contra estas energias centrípedas da Globalização anglo-saxónica, mas também contra o dinamismo económico e a grandeza geográfica e demográfica de uma Espanha que nunca como hoje esteve tão próxima de Portugal. Dado o carácter descentralizado da monarquia espanhola, estar-se-ão a criar condições para que esta força atractiva seja forte o bastante para levar Portugal a uma crescente subalternização e, enfim, a uma aglutinação até se tornar numa Região de Espanha, com características idênticas às da Euskaria, da Galiza ou da Catalunha? Não vemos sinal de tal. Ainda que economicamente a presença de balcões de bancos e de lojas de retalho espanholas seja evidente nas grandes avenidas das maiores cidades portuguesas, na verdade a presença espanhola em Portugal é relativamente menos importante, por forte que possa ser, do que a força da influência de Espanha nas mentalidades e cultura portuguesa.
Haverá ainda razão para defender uma posição “nacionalista” num mundo e numa Europa em que todos os nacionalismos se diluem cada vez mais numa eurocracia cada vez mais distante e mecanizada?
Esta Europa caminha rapidamente para a plena concretização do mundo sonhado pelos líderes das grandes multinacionais e gisado pelo Grupo de Bilderberg.
Numa Europa que se quer cada vez mais “Europa das Regiões” devemos temer a integração de Portugal nas “Espanhas” sediadas em Madrid ou uma versão actualizada do “Império de Castela”?
Conclusão: Portugal, Espanha e o Brasil
Findo que foi o Ciclo do Mar, com o regresso de Luanda e de Lourenço Marques das últimas caravelas, Portugal regressou ao mesmo mundo do Velho do Restelo que defendia as crianças e as mulheres abandonadas pelos seus maridos que partiam. Trocou-se, enfim, o apelo do Mar pelo chamamento da Terra. E nessa Terra, temos Espanha. Sempre muito mais “continental” que o atlantista Portugal e expressão última do apelo da Terra. De facto, esta anti-tese esquizofrénica Terra-Mar não é ignorada pelos próprios contemporâneos do período aúreo dos Descobrimentos.
Portugal e o Brasil estão unidos por muitas semelhanças e destinos comuns. Portugal cumpriu aquele imenso feito que Agostinho da Silva não se cansava de sublinhar que era o de ter sido capaz de resistir ao ímpeto centralista de Castela e de se ter mantido independente numa Espanha que sacrificava uma após outra todas as independências a favor de um centro “imperialista” mais ou menos aglutinador, consoante as épocas e períodos históricos. O Brasil, por sua parte, cumpria outro milagre, idêntico e paralelo ao de Portugal: o de se manter uno e coeso, resistindo à pressão de se dissolver numa constelação de vários países de língua portuguesa e de, simultaneamente saber resistir à mesma aglutinação que Espanha tentou lançar sobre Portugal ao resistir à pressão de alguns dos seus vizinhos sul americanos mais belicistas. Milagres e feitos opostos, ambos nascidos de fonte portuguesa, mas diametralmente opostos: um afirmando a diferença pela espantosa União (o Brasil), o outro afirmando a mesma diferença pela espantosa resiliência numa Península aglutinada em torno de Castela (Portugal).
O Brasil foi também o refúgio de muitos daqueles que viam o seu Portugal esmorecer e reduzir-se a uma dócil periferia e a um canal de transmissão para as doutrinas centralistas e materialistas produzidas nos e para os povos germânicos e que em Portugal haveriam de redundar no “Capitalismo de Estado” de Dom Manuel e nos múltiplos e sucessivamente mais intenso Pogroms anti-semitas. Hoje, que os fluxos migratórios de Portugal para o Brasil estancaram, que África já não é o último refúgio e a última Utopia a refundar algures num planalto elevado, Portugal está forçado a confrontar-se com a inevitabilidade geográfica da presença numa Península onde a “Espanha” mais do que assumir como seu o nome “Hispânia” se assume como o pólo económico que atraí todas as autonomias “espanholas” ao qual é impossível fugir. Agora, mais do que nunca o problema do “Iberismo” é especialmente actual e é por esta razão que o tema depois de uma relativamente longa hibernação tornou a ser agudamente actual.
O problema do Iberismo não é novo em Portugal. Mas só agora, em pleno século XXI o problema é especialmente agudo, e, sobretudo, incontornável. Porque hoje e não antes? Certamente que as liberalizações mercantis da Globalização e a Organização Mundial de Comércio (OMC) são parte importante da questão, assim como a crescente mutação da Comunidade Económica Europeia (CEE) numa Federação não-referendada com sede em Bruxelas. Mas acreditamos que o principal factor reside no súbito “regresso à Europa” ocorrido em 1975, após a Descolonização. Depois do abandono do Marrocos com o abandono da maioria das praças marroquinas com Dom João III, depois do “Desastre do Oriente” com a retirada dos portugueses das praças da Índia no século XVII, depois da independência do Brasil no século XIX e da retirada precipitada do “Ultramar português” em 1975, Portugal reduzido enfim à sua original condição europeia era finalmente forçado a reconhecer que tinha uma fronteira terrestre extensa e exposta a uma das maiores entidades estatais europeias: a Espanha. Se hoje o debate em torno do “Iberismo” ocorre com inusitada energia, tal deve-se sobretudo à evaporação de todas os ramos e extensões de Portugal pelo mundo, um processo lento, mas sistemático que nos deixou, por fim, frente a frente com o vizinho ibérico e finalmente sujeitos a termos que o encarar de frente e a colocar a nós próprios a questão da viabilidade da nossa existência enquanto país soberano e independente.
Os anos vindouros serão os anos do Terceiro Mundo. A China começa a bater os Estados Unidos na produção industrial. A Índia já se transformou numa das maiores potencias mundiais no âmbito das tecnologias de informação e o Brasil é já actualmente a grande agro-potencia do mundo. A Velha Europa e a América do Norte, sua extensão – como bem indicava Agostinho – caminham lenta mas inexorávelmente para o Ocaso e Portugal, se quiser tomar alguma parte no destino futuro das coisas deve reencontrar no Atlântico a sua História do Futuro, no regresso às suas origens, exiladas em Seiscentos no Brasil e aqui frutificadas nos Trópicos. Portugal, se quiser continuar a ser Portugal e manter algum tipo de identidade numa Europa decadente que cedo ou tarde acabará num processo autofágico e destrutivo terá que saber tornar Portugal brasileiro, ou o Brasil português, pouco importa a matiz ou vertente da equação.
O Iberismo, entendido na sua forma “saramaguiana”, enquanto união política entre Portugal e Espanha, pela transformação ou downgrade de Portugal numa região autónoma de Espanha, tem contudo uma grande dificuldade a ultrapassar. Tão grande como a diversidade geográfica do seu território, desde o húmido Minho, até ao mediterrânico Algarve, passando pelo seco Alentejo. Foi esta riqueza que dotou os portugueses da sua rara capacidade para sobreviverem nos climas mais diversos e adversos e que forjou aquela raça tropical que se haveria de tornar – depois de recebidos novos influxos de colonos europeus e de escravos africanos no brasileiro de hoje. É esta diversidade geográfica – rara na Europa – que contrasta com a continentalidade espanhola. É esta inclinação atlântica daquele herdeiro da “Ibéria Húmida” de Estrabão por oposição à “Ibéria Seca” que contrasta com esse aspecto continental de Espanha e são precisamente estas diferenças que fornecem hoje uma das maiores barreiras a qualquer tipo de integração ibérica que possa vir a ser imposta ou tentada a partir de Espanha sobre Portugal.
Este contraste dicotómico entre a Terra e o Mar, representado aqui pelo “Porto” do Graal (> Portugraal > Portugal) do escudo afonsino, recordado com mágoa sentida até em pleno período aúreo dos Descobrimentos quando Sá de Miranda lamenta o abandono da terra em troca dos “pardaus” que abundavam em certas casas de Cabeceiras de Basto é a mesma que resultou da decisão tomada por Dom Fernando primeiro, quando depois de aclamado como rei em Tui, recua e acaba por se reconciliar com o Pedro de Trastámara e, mais tarde, por Dom Afonso V, quando depois de batido na batalha de Toro e a causa da princesa Dona Joana. Por duas vezes os monarcas portugueses abandonaram a Galiza revoltada contra Castela à sua sorte. Esta quebra da confiança entre a perspectiva marítima e a terrestre de Portugal e um certo remorso de um lado, e um ressentimento subterrâneos dos dois lados da raia nortenha estiveram na raíz do sentimento de incompletitude de Portugal e dos portugueses, que se sentem “menores” ou “incompletos”, porque sentem de forma indefinidade e não-verbal a falta da metade do andrógino platónico, separado na época da gestação da nacionalidade, com a separação das duas partes de Portugaliza: Portugal, o aspecto marítimo e atlântico e a Galiza, aspecto terrestre e continental. Sem a terrestre Galiza faltava o esteio para sustentar o edifício que se enchia com as riquezas do Oriente e do Brasil, sem a Galiza, não se investiam nas terras e nas gentes e se bastava a dita em fátuas e inúteis vilanias e faustos. Sem a Galiza perdia-se Portugal. E sem Portugal, perdia-se a Galiza no seio do império de Castelo e num destino cinzento no meio de mais uma região entre várias de uma “Espanha” cada vez mais sujeita a Madrid e a Castela.
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