Uma festa é sempre uma festa; mas quando é de ocasião, no Hotel mais chique da cidade e é uma tripulação de um navio de guerra americano a fazer as honras da casa, passa a ser um acontecimento, para mais uma oportunidade para se privar assim de perto com os americanos-donos-do-mundo aparece uma vez na vida do comum dos mortais.
Na verdade, tomei conhecimento da festa uma hora antes, e não percebi também muito bem qual a ligação entre os americanos e a escola onde estou a trabalhar, e através da qual recebi o convite (depois descobriria que a Directora tem um namorado americano, e portanto que este tinha sido the right guy in the right place).
O navio de guerra era mais precisamente uma fragata que tem estado fundeada ao largo de S Tomé desde há alguns dias. Os tripulantes pareciam ter-se fartado da vida monótona de barco-polícia-do-mundo e decidiram organizar uma festança no Hotel Miramar, como se disse o de mais nomeada em São Tomé. Houve jantar, música (trouxeram aparelhagem de som e um grupo deles passou quase a festa toda a cantar hip-hop e outros sons afro-americanos, como não podia deixar de ser), enfim, muita bebida e comida a correr às custas de Mr. Bush, I presume. Ainda para mais, um deles fazia anos, um tipo altíssimo, devia ter uns 2.10m. Chamava-se David, aquele americano típico com o ar e a cor desbotada de quem come flocos de aveia todos os dias e que se notava queria era diversão. E depois havia elementos femininos na tripulação também, claro, também não enganavam ninguém sobre a sua origem (só lhes faltavam os pompons e armar a coreografia). Mas isso foi só a seguir ao jantar-volante, com animação q.b., distribuição de lugares dentro mas também fora da sala de refeições e de um são-tomense esganiçando hits do Bob Marley ter tentado em vão que alguém o acompanhasse.
Tudo melhorou de facto com a entrada “em palco” do grupo dos kaméricas músicos (“kaméricas” é um termo encontrado nos livros do Pepetela, o seu a seu dono) e, puxando a brasa à minha sardinha, também às libações do vinho alentejano que tinha regado o jantar. Logo ali se improvisou uma pista de dança em frente ao bar, e entre nós já se comentava que estávamos todos a correr perigo, se eles voltassem ao barco completamente drunks – o que tudo fazia crer que sim, já que a maior parte tinha entretanto tomado de assalto o bar do hotel –, podiam carregar sem querer no botão que acordaria os mísseis e mandar a ilha pelos ares. Não foi no entanto preciso chegar a esse ponto, já que a páginas tantas o comandante da fragata salta para o palco, tira o microfone ao rapper e anuncia que a festa tinha terminado, que já se tinha bebido mais do que o suficiente e que tinha de ir tudo para o barco. Houve algum burburinho, o David, ao lado do mandante, pronunciou um silencioso fuck e lá começou tudo a dispersar da pista, a pegar nas mochilas e a sair. Nesta altura, diga-se em nome da verdade dos acontecimentos realmente passados, já os americanos se tinham metido com as portuguesas e já havia algumas na pista. O certo é que também nós fomos levados, não para o barco, mas a dar por encerrada a festança. Já no exterior do hotel, o insólito passou à frente dos nossos olhos (se fosse o ex-famoso jornalista da praça Artur Albarrã, diria «O horror», «O drama»): um americano tombado, ou tinha havido uma baixa, para utilizar terminologia militar, e logo se pôs a questão: como é que o exército mais poderoso do mundo pode ter sofrido baixas em S Tomé, quando é certo e sabido que as forças militares locais não tinham arsenal suficiente nem mesmo para resgatar o Ilhéu das Cabras se o mesmo fosse invadido por tropas inimigas? Do dito americano se fez rapidamente o diagnóstico, bastou a observação para perceber que era bebedeira, de qual bebida não sabemos dizer, mas era improvável que fosse de aguardente da terra, cacharamba como é chamada, que bebidas destas não entram em hotéis do Pestana como é este Miramar. Foi assim que tudo terminou, pensámos os americanos regressaram ao barco e nós vamos beber mais um copo a um bar da cidade (aliás, ao bar da cidade, não há outro). Enganámo-nos mais uma vez, pois quando chegámos ao Tropicana, estava lá um grupo de americanos escapulidos. Não por muito tempo, na contagem de cabeças faltavam aquelas que só ali poderiam estar, deve ter pensado o comandante, pois pouco depois estava a entrar no bar com o mesmo ar imperturbábel que tinha posto ao microfone do rapper quando anunciara o fim de festa, e nem foi preciso dizer nada, entrou mudo e mudo saiu do bar, como de resto o grupo desertor que saía atrás de si, afinal de contas estamos a falar do poderoso e temível exército do Tio Sam.
Na verdade, tomei conhecimento da festa uma hora antes, e não percebi também muito bem qual a ligação entre os americanos e a escola onde estou a trabalhar, e através da qual recebi o convite (depois descobriria que a Directora tem um namorado americano, e portanto que este tinha sido the right guy in the right place).
O navio de guerra era mais precisamente uma fragata que tem estado fundeada ao largo de S Tomé desde há alguns dias. Os tripulantes pareciam ter-se fartado da vida monótona de barco-polícia-do-mundo e decidiram organizar uma festança no Hotel Miramar, como se disse o de mais nomeada em São Tomé. Houve jantar, música (trouxeram aparelhagem de som e um grupo deles passou quase a festa toda a cantar hip-hop e outros sons afro-americanos, como não podia deixar de ser), enfim, muita bebida e comida a correr às custas de Mr. Bush, I presume. Ainda para mais, um deles fazia anos, um tipo altíssimo, devia ter uns 2.10m. Chamava-se David, aquele americano típico com o ar e a cor desbotada de quem come flocos de aveia todos os dias e que se notava queria era diversão. E depois havia elementos femininos na tripulação também, claro, também não enganavam ninguém sobre a sua origem (só lhes faltavam os pompons e armar a coreografia). Mas isso foi só a seguir ao jantar-volante, com animação q.b., distribuição de lugares dentro mas também fora da sala de refeições e de um são-tomense esganiçando hits do Bob Marley ter tentado em vão que alguém o acompanhasse.
Tudo melhorou de facto com a entrada “em palco” do grupo dos kaméricas músicos (“kaméricas” é um termo encontrado nos livros do Pepetela, o seu a seu dono) e, puxando a brasa à minha sardinha, também às libações do vinho alentejano que tinha regado o jantar. Logo ali se improvisou uma pista de dança em frente ao bar, e entre nós já se comentava que estávamos todos a correr perigo, se eles voltassem ao barco completamente drunks – o que tudo fazia crer que sim, já que a maior parte tinha entretanto tomado de assalto o bar do hotel –, podiam carregar sem querer no botão que acordaria os mísseis e mandar a ilha pelos ares. Não foi no entanto preciso chegar a esse ponto, já que a páginas tantas o comandante da fragata salta para o palco, tira o microfone ao rapper e anuncia que a festa tinha terminado, que já se tinha bebido mais do que o suficiente e que tinha de ir tudo para o barco. Houve algum burburinho, o David, ao lado do mandante, pronunciou um silencioso fuck e lá começou tudo a dispersar da pista, a pegar nas mochilas e a sair. Nesta altura, diga-se em nome da verdade dos acontecimentos realmente passados, já os americanos se tinham metido com as portuguesas e já havia algumas na pista. O certo é que também nós fomos levados, não para o barco, mas a dar por encerrada a festança. Já no exterior do hotel, o insólito passou à frente dos nossos olhos (se fosse o ex-famoso jornalista da praça Artur Albarrã, diria «O horror», «O drama»): um americano tombado, ou tinha havido uma baixa, para utilizar terminologia militar, e logo se pôs a questão: como é que o exército mais poderoso do mundo pode ter sofrido baixas em S Tomé, quando é certo e sabido que as forças militares locais não tinham arsenal suficiente nem mesmo para resgatar o Ilhéu das Cabras se o mesmo fosse invadido por tropas inimigas? Do dito americano se fez rapidamente o diagnóstico, bastou a observação para perceber que era bebedeira, de qual bebida não sabemos dizer, mas era improvável que fosse de aguardente da terra, cacharamba como é chamada, que bebidas destas não entram em hotéis do Pestana como é este Miramar. Foi assim que tudo terminou, pensámos os americanos regressaram ao barco e nós vamos beber mais um copo a um bar da cidade (aliás, ao bar da cidade, não há outro). Enganámo-nos mais uma vez, pois quando chegámos ao Tropicana, estava lá um grupo de americanos escapulidos. Não por muito tempo, na contagem de cabeças faltavam aquelas que só ali poderiam estar, deve ter pensado o comandante, pois pouco depois estava a entrar no bar com o mesmo ar imperturbábel que tinha posto ao microfone do rapper quando anunciara o fim de festa, e nem foi preciso dizer nada, entrou mudo e mudo saiu do bar, como de resto o grupo desertor que saía atrás de si, afinal de contas estamos a falar do poderoso e temível exército do Tio Sam.
Outubro 2007
João Paulo Pereira – Professor em STP
João Paulo Pereira – Professor em STP
Nota: Vários barcos de guerra norte-americanos vêm fundeando com regularidade ao largo de São Tomé e Príncipe, no quadro da sua política militarista que parece ter tomado o mundo de assalto. Esta crónica reporta-se a uma dessas ocasiões em que os embarcadiços do Tio Sam, aproveitando para folgar da vida embarcada, acabaram emborcando a rodos na festa que os mesmos prepararam no então hotel mais conceituado da cidade.
3 comentários:
Coloquem minas submarinas nas vossas águas... os Russos estão a vender ao desbarato... por cada duas oferecem uma cabeça de Georgiano.
LOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLOLXDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD
marinheiro é marinheiro, seja qual a bandeira que traga às costas.
deixem os putos beber e divertirem-se!... fartos de mar e ração estão sempre eles...
:-)
(assina o pai dum marinheiro da US Navy)
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