Qual o maior Poeta, Teixeira de Pascoaes ou Fernando Pessoa? A pergunta é, decerto, absurda – não há que escolher entre Pascoaes e Pessoa, pois que são ambos poetas maiores, e entre os maiores não há hierarquias. Sendo os dois poetas maiores, a nosso ver, os dois maiores poetas portugueses do século XX, eles são bastante diferentes, de tal modo diferentes que é quase impossível compará-los e, ainda mais, dizer qual foi o maior. Aliás, eles são de tal modo dois poetas diferentes, que, se tivermos que os comparar, teremos que dizer que, afinal, um deles não foi realmente poeta…
Eis, de resto, o que sucedeu a Pascoaes. Na última entrevista que concedeu[1], reduz o poema Tabacaria a uma mera “brincadeira” – nas suas palavras: “Veja a Tabacaria: não passa duma brincadeira. Que poesia há ali? Não há nenhuma, como não há nada… nem sequer cigarros!… Fernando Pessoa tentou intelectualizar a poesia e isso é a morte dela. É roubar o espontâneo à Alma Humana, isto é, o que ela tem de Alma Universal ou de poder representativo da realidade. Veja o poema (o poema?!) que começa ‘o que nós vemos das coisas são as coisas’… Isto não é poesia, nem filosofia, nem nada.”.
E, por isso, chegou a considerar Pessoa como um “não poeta” – nas suas palavras: “Repare: não digo que foi mau poeta. Digo que não foi poeta, isto é, nem bom nem mau poeta. E se foi poeta, foi-o só com exclusão de todos os outros, desde Homero até ao nossos dias…” –, inclusive, como um mero “ironista” que, enquanto tal, não se deve tomar a sério – ainda nas suas palavras: “Considero, sim senhor, Fernando Pessoa um grande talento. Mais: afirmo que como crítico e como ironista não houve outro que o igualasse. Nem o Camilo nem o Eça, nem o Fialho (que, quando atingia o máximo da expressão, era superior ao Camilo e ao Eça). Mas depois veio Fernando Pessoa, e foi o mais genial de todos (tão genial, que o tomaram e tomam a sério, o que não aconteceu aos outros).”.
Não entendemos estas palavras como um sintoma de despeito ou de ressentimento. De modo algum. Pelo contrário, consideramos que, vindas de Pascoaes, estas são palavras inteiramente justas, por mais injustas que, em absoluto, as possamos considerar. E isto porque, atendendo ao Poeta que Pascoaes foi, Pessoa só poderia aparecer-lhe como um “não poeta”, nem sequer como um “meio poeta”. Para o Poeta que Pascoaes foi, poeta integralmente poeta, não poderia haver, de resto, “meios poetas”. Ou se era integralmente poeta, como, de facto, Pascoaes foi, ou, muito simplesmente, não se era…
E porque foi Pascoaes integralmente poeta? A nosso ver, por uma simples mas ainda assim suficiente razão: porque acreditava, integralmente, naquilo que escreveu, naquilo que dizia. Quando falava, por exemplo, dos deuses ou dos anjos, Pascoaes, com efeito, acreditava neles, no seu discurso, acreditava tanto no seu discurso que acreditava que, através dele, essas entidades passavam realmente a existir. Realmente. Como se, de facto, o discurso poético fosse um discurso realmente divino, realmente criador. Como se, de facto, ao serem nomeados poeticamente, mesmo as entidades mais fantasmáticas passassem realmente a existir. Ao lermos as suas obras, ao lermo-las em voz alta, sobretudo, também nós acreditamos, ainda que apenas por uns momentos, nisso, nesse poder criador.
Ora, em Pessoa, isso não acontece. Pessoa era demasiado “filosófico” – diremos mesmo, demasiado “inteligente” – para acreditar integralmente no seu discurso. Entre ele e o seu discurso havia sempre uma “cisão”, uma “distância”, uma “distância crítica”, que impossibilitava essa crença. Mesmo nos seus poemas mais arrebatados, como a Mensagem, essa distância paira, como uma ubíqua sombra. Não conseguimos, de resto, imaginar Pessoa a ler em voz alta a sua Mensagem. No princípio, no meio ou no fim, haveria sempre, fatalmente, um sorriso de ironia, que, por mais leve que fosse, destruiria, por completo, o poema. Em Pascoaes, ao invés, mesmo quando ele é irónico, não há ironia, essa ironia. E, por isso, muito justamente, Pessoa era, para Pascoaes, um “não poeta”.
Eis, de resto, o que sucedeu a Pascoaes. Na última entrevista que concedeu[1], reduz o poema Tabacaria a uma mera “brincadeira” – nas suas palavras: “Veja a Tabacaria: não passa duma brincadeira. Que poesia há ali? Não há nenhuma, como não há nada… nem sequer cigarros!… Fernando Pessoa tentou intelectualizar a poesia e isso é a morte dela. É roubar o espontâneo à Alma Humana, isto é, o que ela tem de Alma Universal ou de poder representativo da realidade. Veja o poema (o poema?!) que começa ‘o que nós vemos das coisas são as coisas’… Isto não é poesia, nem filosofia, nem nada.”.
E, por isso, chegou a considerar Pessoa como um “não poeta” – nas suas palavras: “Repare: não digo que foi mau poeta. Digo que não foi poeta, isto é, nem bom nem mau poeta. E se foi poeta, foi-o só com exclusão de todos os outros, desde Homero até ao nossos dias…” –, inclusive, como um mero “ironista” que, enquanto tal, não se deve tomar a sério – ainda nas suas palavras: “Considero, sim senhor, Fernando Pessoa um grande talento. Mais: afirmo que como crítico e como ironista não houve outro que o igualasse. Nem o Camilo nem o Eça, nem o Fialho (que, quando atingia o máximo da expressão, era superior ao Camilo e ao Eça). Mas depois veio Fernando Pessoa, e foi o mais genial de todos (tão genial, que o tomaram e tomam a sério, o que não aconteceu aos outros).”.
Não entendemos estas palavras como um sintoma de despeito ou de ressentimento. De modo algum. Pelo contrário, consideramos que, vindas de Pascoaes, estas são palavras inteiramente justas, por mais injustas que, em absoluto, as possamos considerar. E isto porque, atendendo ao Poeta que Pascoaes foi, Pessoa só poderia aparecer-lhe como um “não poeta”, nem sequer como um “meio poeta”. Para o Poeta que Pascoaes foi, poeta integralmente poeta, não poderia haver, de resto, “meios poetas”. Ou se era integralmente poeta, como, de facto, Pascoaes foi, ou, muito simplesmente, não se era…
E porque foi Pascoaes integralmente poeta? A nosso ver, por uma simples mas ainda assim suficiente razão: porque acreditava, integralmente, naquilo que escreveu, naquilo que dizia. Quando falava, por exemplo, dos deuses ou dos anjos, Pascoaes, com efeito, acreditava neles, no seu discurso, acreditava tanto no seu discurso que acreditava que, através dele, essas entidades passavam realmente a existir. Realmente. Como se, de facto, o discurso poético fosse um discurso realmente divino, realmente criador. Como se, de facto, ao serem nomeados poeticamente, mesmo as entidades mais fantasmáticas passassem realmente a existir. Ao lermos as suas obras, ao lermo-las em voz alta, sobretudo, também nós acreditamos, ainda que apenas por uns momentos, nisso, nesse poder criador.
Ora, em Pessoa, isso não acontece. Pessoa era demasiado “filosófico” – diremos mesmo, demasiado “inteligente” – para acreditar integralmente no seu discurso. Entre ele e o seu discurso havia sempre uma “cisão”, uma “distância”, uma “distância crítica”, que impossibilitava essa crença. Mesmo nos seus poemas mais arrebatados, como a Mensagem, essa distância paira, como uma ubíqua sombra. Não conseguimos, de resto, imaginar Pessoa a ler em voz alta a sua Mensagem. No princípio, no meio ou no fim, haveria sempre, fatalmente, um sorriso de ironia, que, por mais leve que fosse, destruiria, por completo, o poema. Em Pascoaes, ao invés, mesmo quando ele é irónico, não há ironia, essa ironia. E, por isso, muito justamente, Pessoa era, para Pascoaes, um “não poeta”.
[1] Publicada n’ O Primeiro de Janeiro, em 25 de Maio de 1950; republicada, mais recentemente, in T. Pascoaes, Ensaios de Exegese Literária e vária escrita: opúculos e dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, pp. 249-253.
1 comentário:
Amigo ,
Me parece , não afirmo , que um é um poeta maior mais universal e o outro um poeta maior mais nacional .
De um até posso afirmar mas do outro nem aprendiz sou .
Em 1950 , a profundidade dos horizontes era menor .
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