A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


TOLSTOI, A TERRA DE QUE PRECISA UM HOMEM (VIIIeIX)

VIII
Os Bashkirs aprontaram-se e partiram; uns iam a cavalo, outros de carro; Pahóm ia no seu carrinho, com o criado e uma pá; quando chegaram à estepe, já se via no céu o rosado da aurora; subiram a um ca­beço, a que os Bashkirs chamavam shikhan, e, apeando-se dos carros e dos cavalos, juntaram-se num sítio. O chefe veio ter com Pahóm e, estendendo o braço para a planície:
— Olha para isto — disse ele —, tudo o que vês é nosso; poderás ficar com o que quiseres.
Os olhos de Pahóm rebrilharam: era tudo terra virgem, plana como a palma da mão, negra como se­mente de papoila; e as diferentes espécies de erva cresciam à altura de peito.
O chefe tirou o barrete de pele de raposa, colo­cou-o no chão e disse:
— O sinal é este; partes daqui e voltas aqui; é tua toda a terra a que deres volta.
Pahóm puxou do dinheiro e pô-lo no barrete; de­pois tirou o casaco e ficou em colete; desapertou o cinto e ajustou-o logo por baixo do estômago, pôs um saqui­nho de pão ao peito, atou um cantil de água ao cinto, puxou os canos das botas, pediu a pá ao criado e ficou pronto a largar; considerou por alguns momentos sobre o caminho que havia de tomar, mas era uma ten­tação por toda a parte.
— Não faz mal — concluiu —; vou para o nascente. Voltou-se para leste, espreguiçou-se e esperou que sol aparecesse acima do horizonte.
— Não há tempo a perder — disse ele — e é melhor ir já pela fresquinha.
Mal apareceu o primeiro raio do sol, desceu Pahóm a colina, de pá ao ombro; nem ia devagar, nem depressa; ao fim de um quilómetro parou, fez um buraco pôs os torrões uns sobre os outros; depois continuou e, como ia aquecendo, apressou o passo; ao fim de um certo tempo fez outra cova. Pahóm olhou para trás: a colina estava distintamente iluminada pelo sol e viam-se os Bashkirs e os aros cintilantes das rodas; Pahóm calculou que teria andado uma légua; como calor apertava, tirou o colete, pô-lo ao ombro continuou a caminhar; estava quente a valer: olhou para o sol e viu que eram horas de pensar no almoço.
— A primeira tirada está feita; mas posso ainda fazer mais três, porque é cedo para voltar; o que tenho é de tirar as botas.
Sentou-se, descalçou as botas, pendurou-as ao cinto e continuou; agora, andava à vontade. «Mais uma lèguazita — pensou ele —; depois volto para a es­querda; este bocado é tão bom que era uma pena per­dê-lo; quanto mais se anda, melhor a terra parece.» Avançou a direito durante algum tempo e, quando olhou à volta, viu que a colina mal se enxergava e que os Bashkirs pareciam formiguinhas; e havia qualquer coisa que brilhava.
— Já andei bastante para este lado, — pensou Pahóm —, é tempo de voltar; e já estou a suar e com sede.
Parou, cavou um grande buraco e amontoou os torrões; depois, desatou o cantil, sorveu um gole e voltou à esquerda; foi andando, andando sempre; a erva era alta, o sol quentíssimo. Começou a sentir-se cansado: olhou para o sol e viu que era meio-dia.
Bem, vou descansar um bocado.
Sentou-se, comeu um naco de pão, bebeu uma pinga de água; mas não se deitou, com medo de ador­mecer; depois de estar sentado uns momentos, levan­tou-se e continuou. A princípio, andava bem: a co­mida tinha-lhe dado forças; mas o calor aumentava, sentia sono; apesar de tudo, continuava, e repetia con­sigo:
— Um dia de dor, uma vida de amor.
Andou muito tempo na mesma direcção e estava para rodar à esquerda, quando viu um sítio húmido: «Era uma pena deixar isto; o linho deve dar-se bem aqui.» Deu uma volta, cavou um buraco e olhou para a colina; com o calor, o ar tremia e a colina tremia também, mal se vendo os Bashkirs.
«Os outros lados ficaram muito grandes; tenho que fazer este mais curto.» E pôs-se a andar mais depressa. Olhou para o sol: estava quase a meio ca­minho do horizonte e não tinha ainda andado três quilómetros do lado novo; e ainda lhe faltavam três léguas para a colina.
«Bem — pensou ele — não me fica a terra qua­drada, mas agora tenho que ir a direito; podia ir longe de mais e assim já tenho terra bastante.» Abriu um buraco a toda a pressa e partiu em direcção à colina.

IX
Ia sempre a direito, mas caminhava com dificul­dade. Estava tonto de calor, tinha os pés cortados e moídos e as pernas a fraquejarem; estava ansioso por descansar, mas era impossível fazê-lo se queria chegar antes do sol posto; o sol não espera por ninguém e cada vez ia mais baixo.
— Justos céus! Oxalá não tenha querido demais! E se chego tarde?
Olhou para a colina e para o sol; Pahóm estava ainda longe do seu objectivo e o sol perto do horizonte. Continuou a andar; era custoso a valer, mas cada vez, andava mais depressa; estugou o passo, mas estava longe ainda; começou a correr, atirou fora o casaco, as botas, o cantil e o barrete e ficou só com a pá, a que se apoiava de quando em quando.
— Santo Deus! Abarquei demais e perdi tudo; já não chego antes do sol se pôr.
O medo cortava-lhe a respiração; Pahóm conti­nuava a correr, mas a transpiração colava-lhe ao corpo as calças e a camisa; tinha a boca seca e o peito arque­java como um fole de ferreiro; o coração batia que nem um martelo e as pernas quase nem pareciam dele; Pahóm sentia-se aterrorizado à ideia de morrer de fa­diga. Apesar do medo da morte, não podia parar. «Se depois de ter corrido tudo isto, parasse agora, cha­mavam-me doido». E corria mais e mais e já estava mais próximo e já ouvia os Bashkirs a gritar; os gritos mais lhe faziam pulsar o coração; reuniu as últimas forças e deu mais uma carreira. O sol estava já perto do horizonte e, envolvido na névoa, parecia enorme e vermelho como sangue. Ia-se a pôr, o sol! Estava já muito baixo, mas ele também estava perto da meta; podia ver os Bashkirs na colina, a agitarem os braços, para que se apressasse; podia ver o barrete no chão com o dinheiro em cima e o chefe, sentado e de mãos nas ilhargas. Pahóm lembrou-se do sonho.
— Tenho terra bastante, mas permitirá Deus que eu viva nela? Perdi a vida, perdi a vida! Já não chego àquele lugar.
Pahóm olhou para o sol que já tinha atingido o horizonte: um lado já tinha desaparecido; com a força que lhe restava atirou-se para a frente, com o corpo tão inclinado que as pernas mal podiam conservar o equilíbrio; ao chegar à colina, tudo escureceu: o sol pusera-se; deu um grito: «Tudo em vão!» e ia parar, quando ouviu os brados dos Bashkirs e se lembrou de que eles ainda viam o sol, lá de cima do outeiro; tomou um hausto de ar e trepou pela colina; ainda havia luz: no cimo lá estava o barrete e o chefe a rir-se, de mãos na barriga; outra vez Pahóm lembrou o sonho; soltou um grito, as pernas falharam-lhe e foi com as mãos que agarrou o barrete.
— Grande homem, grande homem! — gritou o chefe. — A terra que ele ganhou!
O criado de Pahóm veio a correr e tentou levan­tá-lo, mas viu que o sangue lhe corria da boca. Pahóm morrera!
Os Bashkirs davam estalos com a língua, para mostrar a pena que sentiam. O criado pegou na pá, fez uma cova em que coubesse Pahóm e meteu-o den­tro; sete palmos de terra: não precisava de mais.

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