A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 17 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


ARRIANO, MANUAL DE EPICTETO

Epicteto nasceu em Hierópolis, na Ásia Menor, por volta do ano 50, e foi para Roma como escravo; pertenceu, segundo parece, a Epafrodito, liberto de Nero, e supõe-se que não terão grande fundamento as anedotas que nos mostram Epicteto sofrendo as brutalidades do dono; foi ainda du­rante os seus tempos de servidão que Epicteto ouviu as lições de Musónio Rufo, filósofo estóico, que o impressionaram fortemente; a liberdade que as leis e os costumes lhe negavam, encontrava-a ele na doutrina do seu mestre; quando Epafrodito o libertou, resolveu dedicar toda a sua vida à filosofia, o que significava a adopção de uma norma de existência bastante severa ; a filo­sofia era, no tempo de Epicteto, o que a vida dos monges foi para os séculos que se lhe seguiram: quem ia ser filósofo abandonava os prazeres e as preo­cupações do mundo, aceitava a pobreza como uma boa companheira, compra­zia-se na austeridade e no domínio de si próprio; tinha, pelo menos, de se possuir um carácter corajoso e forte, porque havia à volta dos filósofos um certo ambiente de hostilidade e zombaria; ao mau acolhimento da maior parte da população vinha juntar-se a desconfiança dos governantes: o regime impe­rial considerava como inimigos os homens que defendiam a liberdade de pen­sar e de exprimir o pensamento, que tinham reduzida veneração pelos pode­rosos do dia e criavam ou firmavam nos melhores uma corrente de oposição moral ao procedimento dos imperadores; o conflito teve o seu desfecho no tempo de Domiciano: os filósofos foram expulsos de Roma (94) e Epicteto estabeleceu-se em Nicópolis, pequena cidade do Epiro; ai viveu ainda mais pobremente do que em Roma, mas sempre cercado de numerosos discípulos que a sua sinceridade, a sua força de convicção, a sua eloquência directa, rude e simples, prendiam com laços duradouros; morreu já no principado de Adriano, por volta de 125.
O filósofo nada escreveu; foi um dos seus discípulos, o futuro histo­riador Arriano, quem reuniu todas as notas que tomara das lições de Epi­cteto e compôs com elas os Discursos ou Conversações que compreendiam oito livros, de que só nos chegaram quatro; desprezando toda a glória de autor, Arriano procurou reproduzir com a máxima fidelidade as palavras do mestre; para as divulgar ainda mais e fornecer aos simpatizantes com a dou­trina a série de normas essenciais para que construíssem a sua vida, compilou no Manual, extraindo-os dos discursos, alguns preceitos de carácter prático. O Manual não é um livro para filósofos já formados, mas para aqueles que vão ainda em caminho de progresso; resolverá a cada um os casos difíceis que o mundo lhe apresentar e mantê-lo-á na sua decisão de levar uma vida racional; de acordo com os grandes mestres do estoicismo, ensina-nos que só o acordo com a razão, essência do mundo, é digno do homem; que tudo quanto segue esta lei racional da natureza é bom, tudo quanto a contraria vicioso; que o filósofo que vive de harmonia com esta afirmação está isento de mal, visto que nem o pratica, nem o pode receber; efectivamente, para que o prejudicassem, seria preciso que o tornassem vicioso, o que é impossí­vel; por outro lado, para quem adoptou o estoicismo, tudo se vai tornando indiferente: as coisas exteriores a nós não são boas nem más em si mesmas; o juízo que delas fazemos, a atitude com que as recebemos as tornam boas ou más; é a si próprio, portanto, que o homem tem de modificar, dominando tudo o que não deixa seguir a razão universal; mais fortemente do que os seus antecessores, insiste Epicteto sobre a ideia da suprema liberdade que o sábio atinge pela sua meditação dos grandes princípios; é também mais duro e, por vezes, bastante mais incompreensivo, na apreciação de tudo o que faz, para o geral dos homens, o encanto de existir; a força de Epicteto não salva, talvez, a estreiteza da sua humanidade; exerceu, no entanto, uma grande in­fluência, não só entre os pagãos, como, por exemplo, em Marco Aurélio, mas também entre os cristãos: era um dos autores que Pascal meditava mais pro­fundamente; o estilo, que nada sacrifica ao adorno e que reflecte a personali­dade bem definida, tenaz e convicta de Epicteto, contribui para gravar os seus preceitos no espírito do leitor.

No presente caderno publica-se quase todo o Manual; a tradução é, com breves modificações, a que fez, no século XVI, o bispo de Viseu, D. Fr. António de Sousa.

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