RUSKIN
Os pais de Ruskin, que nasceu em Londres em 1819, eram ricos e esforçaram-se por dar ao filho uma sólida educação, embora o fizessem com uma certa rigidez; o grande desejo do pai era que ele viesse a ocupar um Togar de relevo na igreja inglesa, mas a natureza de Ruskin, inconformista e batalhadora, revelou-se totalmente incompatível com a aceitação e defesa de um credo feito e a entrada numa instituição que não lhe era extremamente simpática; apesar de não o verem disposto à carreira eclesiástica, deram-lhe os melhores mestres, forneceram-lhe dinheiro para viagens que foram muito importantes para a formação do seu espírito e enviaram-no para Oxford, onde, uns cinquenta anos mais tarde, veio a ser professor de história da arte; era este na realidade o seu interesse dominante, sem que, no entanto, considerasse apenas artística a obra de arte: o seu gosto da mineralogia, da geologia, da botânica, a sua sensibilidade desperta para todo o espectáculo magnífico da beleza do mundo revelam-nos em Ruskin um espírito mais amplo do que o comum dos críticos de arte; e, como artista, os seus desenhos, quase sempre de pormenores de edifícios, de plantas, eram finos, graciosos e educaram os gravadores ingleses em novos processos de trabalho. A sensibilidade artística de Ruskin juntava-se o gosto da seriedade intelectual; a sua defesa dos pintores pré-rafaelitas, que os críticos académicos repeliam, funda-se em grande parte no reconhecimento da sinceridade dos artistas do grupo e vai por outro lado contra a incompreensão de que tinha dado provas a crítica oficial; mas anima todo o trabalho, e aí reside talvez o seu maior valor, uma inspiração generosa, uma ideia de bom combate, ao ver que todos se davam as mãos para esmagar, se pudessem, quem trazia ao mundo da arte um movimento de renovação e de protesto. Sentido estético e generosidade são talvez os dois grandes traços do carácter e da actividade de Ruskin; são eles que, à medida que os anos passam, lhe dão remorsos nos seus estudos de arte, lhe vão fazendo sentir como esta actividade que devia unir todos os homens, na realidade os separa com tremendas barreiras, a si própria se prejudicando: é porque a arte é duma casta ou duma classe, é porque há uns que têm tempo e cultura para visitar os monumentos e admirar as paisagens, em quanto outros se esmagam nas tarefas inferiores, que a arte moderna aparece com todo o seu carácter de artificialidade e de fraqueza; para Ruskin, uma arte é viva na medida em que exprime a vida total de um povo e não apenas os delicados sentimentos de um escol que só vive sobre a miséria e o sofrimento alheios; cada vez mais lhe parece um acto de suprema imoralidade entreter-se com os seus cristais e a sua botânica, enquanto milhares de crianças são lentamente assassinadas nas galerias das minas e nas fábricas de fiação; há ilhas de beleza num mar de inferioridade, de sofrimento, de degradação humana; o seu amor da arte só será justificado se, ao mesmo tempo que aprecia o que é belo, combater o que é horrível, se tentar salvar da sua baixeza os que nela foram mergulhados pelas condições económicas; claramente vê Ruskin que tudo depende da reorganização de dois campos primordiais na actividade humana: a agricultura e a indústria; é preciso que se adopte no primeiro um sistema que acabe com a exploração do homem pelo homem; quanto ao segundo, a máquina não deve servir para criar ainda mais miséria entre os homens, mas para lhes dar o ócio de que necessitam para se cultivarem; conseguidos estes dois primeiros objectivos, será possível depois fazer que haja arte em todos os produtos do trabalho humano, fazer que a beleza do mundo não seja perturbada pela existência de rebanhos de escravos que trabalham para o bem estar de uma minoria. Visto com clareza o problema e marcadas as linhas de solução, Ruskin lançou-se na batalha com todo o ardor; não é pessimista quanto à natureza humana, crê que os homens têm, em potência, uma bondade que a organização social não deixa desenvolver-se; sem ódio a ninguém, vendo até nos que vivem do trabalho alheio, com toda a sua miséria moral e toda a sua real debilidade de cultura, as vitimas das condições em que o mundo gira, Ruskin combate no campo da economia e no campo da arte, procurando que a primeira dê cada vez mais possibilidades ao homem e que a segunda seja cada vez mais profunda e sincera; os seus livros, formados em grande parte de conferências e de artigos de revista, são golpes de batalha, são actos, muito mais do que obras literárias; e, no campo da prática, a sua St. George's Guild, para fundação de instituições socialistas, os seus museus, o seu trabalho nas estradas, a sua casa de chá, dão uma prova, senão do seu talento de administrador, que era fraco, pelo menos da sua sinceridade e do seu espírito de iniciativa; em 1887, treze anos antes da morte, teve de vender parte dos livros e dos quadros e viveu daí por diante em condições difíceis; mas o seu exemplo servira e outros surgiram a lutar pelo triunfo dos mesmos ideais, naturalmente sob outro aspecto e por outros meios, mas guiados pelo mesmo anseio de beleza e de justiça; se Ruskin, em certos pontos, nos parece antiquado, em grande parte devido ao seu estilo por vezes demasiado bíblico e cheio de imagens, em grande parte porque já se alcançou muito do que ele preconizava, não podemos deixar de reconhecer que abriu caminho em muitas direcções e que pôs nitidamente a ideia fundamental de que temos de modificar as condições económicas se quisermos que o homem se realize em toda a sua magnitude; mas de que também não devemos esquecer que o económico é apenas um meio e que não podemos, para o conseguir, sacrificar o próprio espírito que desejamos desenvolver e libertar.
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