Tanto tempo depois e o que restou dá-se por nome tristeza e nada mais há quando paro o dia que me rodeia e penso em muito tempo atrás, tanto que era jovem e acreditava que sê-lo-ia para sempre tal como o sonho embala e alinda as ilusões fazendo-as eternas. Minto por omissão deliberada: há mais que tristeza, há fiozinhos mal amarrados que, hoje como ontem e como sempre desde então, provocam-me mal-estar quando me enleiam os pensamentos, aquele incómodo íntimo que as decepções, as desilusões não resolvidas trazem e se carregam no silêncio que mais pesa, a mágoa, a tal mágoa que nasce porque as ilusões terminam e o céu se acinzenta e se envelhece, num repente que não avisa de chegada, suavizando-a, e percebe-se o engano de ter acreditado que se seria jovem para sempre. É como uma dor, uma moínha constante que dá sinal de si quando leio, penso ou sinto o céu e as nuvens que idolatrei, e uma chuva de tristeza molha-me trinta e tal anos de memórias, data e marco que separou as águas entre continentes, na viagem matou um jovem e cristalizou a esperança, fê-la peça de museu a visitar em momentos nostálgicos, apenas, somente recordações.
Sinto-me órfão dum futuro que me foi prometido e dia-a-dia levou machadadas tão dolorosas que me fizeram desiludido fugitivo do que cobicei ser, da eterna juventude que acreditei merecer viver. Que acreditei, oh se acreditei… Essa dor não passa, passam é os anos que não a envelhecem, persiste a tristeza por ter sido jovem e ter assim acreditado o futuro, afinal vão e não infindo como o contavam e eu sonhava, sonhava e confiei até vir a dor, esta sem nome que lhe chame além de tristeza, ou mágoa, afinal apenas o tempo em que o céu se virou tanto que até os continentes mudaram, molharam-se-me as esperanças e nasceu um feio verdete na ilusão da eterna juventude que definitivamente a matou, surgiram os nós das memórias mal amarradas e disso tudo hoje, trinta e tal anos depois, lamento e conto.
Acreditei. Como podia não tê-lo feito? nunca nada nem ninguém me fizera assim sonhar, fora assim tocado e, qual ansioso noivo, suspirava e gemia no nosso namoro a céu aberto, esse mais puro e lindo do que alguma vez o vira, matizes que enfeitiçavam. Amantizamo-nos com o enlevo das juras de amantes, mas na hora do altar um de nós ou mesmo os dois não comparecemos, a memória já não o recorda com triste precisão. A paixão definhou e a tristeza não é bem-vinda a essa cerimónia. Falta mútua, fim de namoro sem culpas ou culpados individuais, fora o céu que se acinzentara e perdera o fulgor que era, fora, o seu maior fascínio.
Tanto tempo depois e o que restou dá-se por nome tristeza, e nada mais há quando paro o dia que me rodeia e penso que aqui envelheço quando houve tempos e tempos, ilusões de céus eternamente jovens. Dói, trinta e tal anos depois.
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(texto escrito por volta duma data que me é e acredito será sempre mágica, 25 de Junho - dia da Independência da minha 'outra' Pátria, Moçambique. Ao caso o deste ano, 2008. A minha 'menstrução' nostálgica...)
4 comentários:
Gil, sinto-me grata por partilhar estas memórias connosco e por as saber pintar tão bem; é como se me emprestasse memórias que não recordo mas que já vivi há muito tempo.
Um abraço
é quando dói e a mão do pincel mais treme que as cores saem molhadas e escorrem além da tela. sente-lo, Anabela?
e tudo parece demasiado pequeno e o que ficou para trás demasiado longínquo de tão persistentemente perto...
:-)
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