A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Mais um texto para o 2º número da Revista...

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Coincidências

1

Tenho observado que um certo tipo de intelectual muito comum, antípoda do homem do povo, receia o sobrenatural, até no que ele tem de maravilhoso mas de imprevisível, até quando lhe falam simplesmente de uma das suas indesmentíveis manifestações.
Já lá vão uns vinte ou trinta anos. Depois do jantar, fumava eu o meu cigarro, o meu filho trouxe-me um frasco cheio de água muito bem rolhado, com uma mosca morta lá dentro, dizendo que a tinha ali afogada há longos quatro meses. Eu sabia, até por o ter verificado algumas vezes, que, cobrindo de cinza uma mosca em tais condições, ela começava a andar e, uma vez bem seca, até a voar.
Tomei uns ares de mágico:
- Tira-a daí, sem a magoares. Vou ressuscitá-la.
E assim que ele a colocou sobre a mesa, deitei-lhe sobre o corpo a cinza do cigarro. Passados alguns instantes, emergiu da cinza, esticou as asas e começou a andar.
Contei isto no café, onde fui como de costume. Mudaram imediatamente de conversa. O que se lhes afigurava excepcional enchia-os de medo.
Todavia, só lhes disse metade. O mais importante guardei para mim.
Levo sempre comigo um livro, para onde quer que vá. Neste caso, nessa noite, como nas outras, depois de vinte ou trinta minutos de conversa, retirava-me para uma mesa onde ficava sozinho a ler. Antes de sair de casa e logo a seguir ao acontecimento da mosca, procurei pois na estante um livro. Tirei um do filósofo alemão Leibniz. Abri-o ao acaso e percorri com o olhar umas linhas para ver se, na altura, me agradaria lê-lo. Deparei, espantado, com as seguintes:
“… não há ninguém que possa marcar o verdadeiro momento da morte, a qual poderá passar muito tempo por uma simples suspensão das acções habituais e, no fundo, não é outra coisa nunca nos simples animais; o melhor testemunho disso é a ressuscitação das moscas afogadas e envolvidas em giz pulverizado.”
Há coincidências inexplicáveis, mais misteriosas do que o voltar à vida dos animais mortos.

2

No Café com Rui P. Dizia-me ele que Bagão Félix vinha nessa noite falar em Estremoz contra o desmancho artificial do projecto de organismo que a enteléquia feminina forma no ventre fecundado das mulheres. No meio da conversa à volta do assunto, o meu interlocutor esqueceu-se do nome de Bagão Félix, perdeu-o e não foi capaz de o achar. Eu quis ajudá-lo, mas verifiquei que também o tinha esquecido. O homem, um velho de oitenta anos, irritou-se. Pelo seu espírito passou a sombra de Alzheimer.
Este esquecer-se de um nome próprio quando o outro que connosco fala se esqueceu antes é frequente e até se dá com mais do que dois interlocutores. Há um outro caso típico de relação psíquica supranormal que também me foi dado experimentar frequentes vezes. Esperamos alguém em lugar e hora combinados. A pessoa não chegou. Passaram largos minutos. Quando já pensávamos que não viria, aparece alguém que, por instantes, julgámos ser ela, tão semelhantes são no aspecto físico e até nos movimentos. Verificado o engano, não tivemos que esperar uns momentos para que o modelo que tínhamos no espírito aparecesse então em carne e alma verdadeiras.
Voltando ao Bagão Félix, o esquecimento que tivemos do seu nome foi seguido de um acontecimento tão extraordinário quanto feliz. Uma das empregadas do Café onde conversávamos veio levantar a mesa ao lado, e eu, movido por um súbito impulso, ordenei-lhe suavemente:
- Diz uma letra.
Ela disse: B. E o nome do político saltou das entranhas obscuras da memória de ambos para a luz da consciência e da vida de relação.
Procurei então conversar sobre estes labirintos do espírito, mas Rui P. disfarçou o íntimo receio do divino pegando num jornal que estava sobre a mesa, fingindo que estava nele interessado. Estou crente em que o leitor saberá ligar o que certamente ficou por ligar no espírito do meu ocasional interlocutor.

3

Escreveu Fernando Pessoa, numa escondida mas evidente alusão a Teixeira de Pascoaes, haver poetas que, tendo um dia criado um poema extraordinário, depois o repetem incansavelmente até ao aborrecimento. E Miguel de Unamuno, dirigindo-se a Teixeira de Pascoaes directamente numa carta, aconselha-o a encurtar os poemas que, longos como os escreve, se tornam monótonos e cansativos.
Ambos, Fernando Pessoa e Miguel de Unamuno são nisto como alguém que estivesse diante do misterioso mar assistindo ao seu espraiar-se e lhe voltasse as costas cansado de ondas após ondas até ao fim do tempo.
Perante este mesmo mar, contemplando-o ou imaginando-o, o primeiro daqueles dois poetas escreveu estas duas admiráveis quadras:

Onda que enrolada tornas
Ao mar que te trouxe
E ao rolar te transtornas
Como se o mar nada fosse,

Porque levas contigo
Só a tua cessação
E, ao voltares ao mar antigo,
Não levas meu coração?

Escreveu-as talvez à mesa de um café. À mesa de um café, imaginando os longos poemas de Pascoaes, talvez devesse ter escrito:

Verso, que enrolado tornas
À alma que te trouxe
E que, ao rolar, te transtornas
Como se a alma nada fosse,

Porque levas contigo
Só a tua cessação
E ao voltares à alma antiga
Não levas meu coração?

Tão certo é que, aprendendo a estar diante do mar, se aprende a compreender os grandes ritmos verbais da alma. Da alma do homem e da alma do mundo.


António Telmo

2 comentários:

andorinha disse...

Fiquei absolutamente fascinada com o que li. São três belíssimos textos.

O sobrenatural fascina-me e atemoriza-me ao mesmo tempo. São as eternas contradições do ser humano...

andorinha disse...

(...) "...mas a questão que se coloca é a seguinte: quando se desce, tende-se a subir? «Não necessariamente. Há entre uma fase e a outra de renovação um hiato, um vazio que se faz, um nada que se faz, que é completamente tremendo. A partir daí é que pode surgir uma nova renovação. Não acredito que na continuidade do que está possa haver qualquer coisa de novo...» E como se define o vazio? «Quando há um trânsito, têm de haver uma passagem pelo não-ser, uma morte; é como na hora da morte: dá-se um nada. E a esse nada é que se segue uma outra coisa. Toda a transição tem um momento como se nada existisse.»

Excerto de uma entrevista de António Telmo.

Dá que pensar...
Não estamos nós a atravessar esse vazio?