A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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terça-feira, 4 de março de 2008
Vidas Portuguesas: Dalila Pereira da Costa (1918) 90 Anos
“E agora, todo o esgotamento e dor sentido por todos nós aqui numa pátria, é o da iminência. Do rebentar desse fruto-segredo. Que se sabe ser para já. E que se sabe, duplamente ser rebentar por ele só, quando ele quiser, mas que humanamente terá, precisará da nossa ajuda - aqui na, ou como, manifestação. E é este ajudar, colaborar, serviço necessário, e perigosíssimo e irreversível, o que faz tremer. Porque tudo, nesse último momento, é frágil e indelével, e por nossas mãos ficará marcado para todo o sempre da sua vida. (Vida, como sua ulterior história, existência, vida, fazendo-se, desabrochando de novo sobre a terra.) Neste acto último de dar à luz.
É esta iminência, em dor e sangue desta hora. Numa pátria”.
Dalila Pereira da Costa, A Nau e o Graal
Apontamento Biográfico
Há quem diga que Dalila Lello Pereira da Costa, oriunda de uma família do Douro, nasceu, no dia 10 de Março de 1918, na cidade do Porto, no entanto, segundo o relato de Pinharanda Gomes (1939), a poeta e ensaísta nasceu, ao invés, no dia 4 de Março. Assim sendo, fará hoje 90 anos.
Dalila Pereira da Costa estudou na Universidade de Coimbra, na qual se licenciou, em 1944, em Ciências Histórico-Filosóficas. Nesta instituição, foi aluna de Joaquim de Carvalho (1892-1958) – de quem se diz discípula -, de Damião Peres (1889-1976) e de Torquato de Sousa Soares (1903-1988), por exemplo.
Entre 1959 e 1965 viveu em São Paulo (Brasil), no Bairro dos Jardins, perto da Avenida Paulista. A vivência brasileira revelou-se, como ela própria conta, marcante e inolvidável. Um pouco mais abaixo, no n.º 324 da Rua José Clemente (Jardim Paulista) – casa, talvez melhor centro de cultura, aberta a filósofos, poetas, professores e artistas de muitos cantos do mundo -, viviam Dora (1918-2006) e Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), no entanto, Dora e Dalila conhecer-se-iam apenas mais tarde. Se fosse viva, Dora Mariana Ferreira da Silva faria, em Julho próximo, também 90 anos. Para além de serem da mesma safra, Dalila e Dora têm muita coisa em comum: ambas são gregas, clássicas... com o olhar no Futuro.
Dalila Pereira da Costa morou ainda, por algum tempo, na Bélgica. Mas hoje vive na casa onde nasceu, no Porto, no n.º 444 da Avenida 5 de Outubro.
Dalila tem dedicado a sua vida ao estudo da cultura portuguesa, à arqueologia da fisionomia e do pensar lusos.
Apontamento Crítico
Dalila Pereira da Costa é uma pensadora e uma poeta que, nas suas obras, privilegia o arquétipo, o símbolo, o mistério, o enigma, o sagrado e a saudade como meios de realização espiritual e de gnose extra-sensitiva e superior. Neste aspecto, ao lançar mão de categorias que são tão caras aos filósofos que potencializaram a criação do movimento da filosofia portuguesa e também àqueles que acabaram por constituí-lo, Dalila corrobora a versão de que Portugal, enquanto país messiânico, missionário e profético, possui a chave que abre a porta dos mistérios humanos (quiçá divinos, também). Por esse motivo, tem-se dedicado, na maior parte dos seus escritos, ao estudo da arqueologia portuguesa, à decifração das múltiplas raízes remotas e aurorais que fundam Portugal na sua raça, na sua cultura, na sua religião, na sua língua, no seu espaço geográfico e extra-físico, na sua relação com o Mar e com o que lhe está Além. A postura de Dalila Pereira da Costa é própria de quem, como ela, está mergulhado numa tradição e num passado profundíssimos e neles se inspira para olhar e cuidar do Futuro. Quando escava arqueologicamente a história do seu país, nas suas obras, Dalila sabe que, em cada uma delas, junta pequenas (mas preciosas) filigranas que, no Futuro, renderão um tesouro que já não será apenas particular e situado. O compromisso da nossa sibila, no fundo, é com o universal e com o etéreo.
Naturalmente, pela matriz de onde vem, a pensadora portuense dará à Saudade uma atenção especial. Não só mas, essencialmente, no seu livro Introdução à Saudade. No seu ponto de vista, tal categoria ontológica reconhece-se na vivência prática e não na abstracção intelectual, formal e pura. A Saudade é, pois, conhecida experiencialmente, em primeiro lugar porque é um sentimento, em segundo porque se caracteriza singular e intransferível. Poder-se-á até discorrer acerca da Saudade, na medida em que é possível construir-se um conhecimento que não é meramente subjectivo, contudo, a sua vivência não é passível de transferência entre sujeitos. Ao fim e ao cabo, a Saudade é um sentimento / conhecimento espiritual e anímico que permite, a cada ser humano, fundir-se com a sua essência (com o Ser pleno), logo, com aquilo que, no seu seio, existe de sagrado e divino. Neste aspecto, a Saudade constitui-se como via ascética, como meio de libertação e salvação. De igual forma, para Dalila, o saber / sentir saudoso é a comunhão dos pólos antagónicos, é a síntese superadora. Neste sentido, a Saudade é a única categoria ontológica e escatológica capaz de driblar a morte e de conferir a imortalidade. Mas Dalila não chega a estas conclusões apenas nos seus ensaios. A sua poesia é igualmente esclarecedora destas temáticas.
Se relermos um dos seus livros de poemas mais recentes – Mensagens do Anjo da Aurora –, deparamo-nos praticamente com a maioria dos temas e das categorias que, ao longo da sua vida, têm ocupado o seu pensar. A saber, a profecia, a saudade, o sagrado, a relação entre o homem e a divindade, a morte, o ser e o nada, o amor, o futuro ou o tempo novo, o silêncio, a luz e a aurora. De qualquer forma, este conjunto de poemas, escrito entre os meados dos anos ’80 e o fim dos anos ’90, alerta para uma questão primacial na hermenêutica de Dalila acerca do mundo e da natureza. Nestas Mensagens, a poeta portuense afirma categoricamente que o conhecimento do cosmos não depende de uma interpretação coisificada e material, nem sequer de uma leitura unilateral da relação do homem com a divindade e as suas esferas, mas, acima de tudo, da atenção a dar às mensagens que, enviadas por Deus, são descodificadas pelos Anjos (seres de mediação) aos humanos. O que Dalila parece querer mostrar é que as nossas preces e as nossas interrogações são atendidas e esclarecidas pelo ser divino. Contudo, a relação que se estabelece entre o homem e Deus não é imediata, mas, antes, mediada pelo Anjo da Aurora que, quando se espalham os primeiros raios de luz, vem, anunciar (e também sossegar) que “eu vos falo detrás das grades do vosso mundo. Nós vimos do mundo da verdade, mas ao vosso é preciso chegar por atalhos. Caminhos de bárbaros impedem o acesso directo. O limiar entre vida e morte, céu e terra, cavalga-o até ao limite do dia. Ao dar teu amor, tira-te dele como se ao oferecer um fruto lhe extraísse o caroço amargo e duro e só a doce polpa ao calor do céu sazonada teu amado recolhesse. Depois a alma dança ao som da música celeste em novo copo que Cristo na ressurreição desfez, e tornou a fazer no fogo do amor. Por enquanto as máscaras do mistério da vida não sabeis o que escondem: uma essência rara, matemática depois em geometria transmutada. No seio cristalino creador, esfera estrelífera, brota o Verbo incandescente, em faúlhas intermitentes” (Dalila Pereira da Costa, Mensagens do Anjo da Aurora, p. 134).
Bibliografia Indicativa
O esoterismo de Fernando Pessoa (1971)
A força do mundo (1972)
Encontro na noite (1973)
Duas epopeias das Américas (1974)
Introdução à Saudade (1976)
A nova Atlântida (1977)
A nau e o Graal (1978)
Orpheu, Portugal e o homem do futuro (1978)
A cidade e o rio (1982 )
Elegias da terra-mãe (1983)
Da serpente à imaculada (1984)
Místicos portugueses do século XVI (1986)
Gil Vicente e sua época (1989)
Os sonhos: porta de conhecimento (1991)
O novo argonauta (E a Ilha Firme) (1996)
Entre desengano e esperança: ensaios portugueses (1996)
D. Sebastião, El-Rei ungido: Rei eleito (1996)
Os instantes nas estações da vida (1999)
Dos mundos contíguos (1999)
Mensagens do Anjo da Aurora (2000)
As Margens Sacralisadas do Douro Através de Vários Cultos (2006)
Agradecimento: ao meu caro amigo Dr. Joaquim Domingues pelas nótulas biográficas que me facultou acerca de Dalila Pereira da Costa.
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5 comentários:
Desejo as maiores felicidades à Senhora Doutora Dalila Pereira da Costa.
Prometi a uma amiga ler pelo menos uma das suas obras, falta cumprir a promessa... Fica no entanto o aprezo por tão nobre figura que por tão largos anos se dedicou a tão nobres estudos (apesar do que digam os Homens).
Para mim, torna-se de algum modo enigmática a correcção de J. Pinharanda Gomes sobre a data de nascimento de Dalila Pereira da Costa, corrigindo a data de 10 de Março para 4. Também é curioso que neste dia (4) nasceu o Infante D. Henrique na mesma cidade, o Porto. Simples coincidências?
Uma vida longa para o inesgotável espírito que é Dalila Pereira da Costa, são os votos deste seu admirador.
Eduardo Aroso
Caro Eduardo
Bom vê-lo por cá! Ainda não respondeu ao nosso convite...
Aproveito a oportuna lembrança da Romana (que felicito, pelos belos textos que aqui tem publicado) para informar que, em Maio, nos dias 19 (Porto) e 20 (Viana do Castelo), decorrerá um Colóquio sobre a Saudade, de Homenagem a Dalila Pereira da Costa. Nele participarão alguns membros da NOVA ÁGUIA e do MIL, como o Paulo Borges e eu próprio. Depois, daremos informação mais detalhada na nossa Agenda MIL...
«O Esoterismo de Fernando Pessoa», livro já meio esfarrapado, que guardo com estima, foi um marco fundamental na minha formação espiritual e patriótica.
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