A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Na NOVA ÁGUIA nº 33: sobre Couto Viana...

 

NO CENTENÁRIO DE ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA | António Leite da Costa

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA: CRER E SER TÁVOLA REDONDA | Isabel Ponce de Leão

QUANDO ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA NOS ESCREVEU | José Valle de Figueiredo  

HOMENAGEM A ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA | Manuel Amaro Bernardo

COUTO VIANA, POR ANTÓNIO QUADROS | Renato Epifânio


Na vasta, valiosa e venerável obra de António Quadros, um dos livros tem por sugestivo título A ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos 100 anos (Fundação Lusíada, 1989). Apesar de ser expressamente dedicada a Fernando Pessoa – “À memória do poeta Fernando Pessoa, no ano do Centenário do seu nascimento e sessenta anos depois de ter escrito o primeiro e o último poema da Mensagem” –, a obra é, mais directamente, uma ramificação, actualizante, d’Os Poetas Lusíadas, de Teixeira de Pascoaes.

Tendo como propósito expresso o de “repensar o carácter original da paideia portuguesa, partindo de uma como que ‘amostragem’ histórica, teorética e crítica de como os nossos escritores dos últimos 100 anos visionaram concretamente a ideia de Portugal” (p. 17), António Quadros dedica, no âmbito do que designa os “Poetas da Resistência Lusíada”, um capítulo a Couto Viana, sugestivamente intitulado “António Manuel Couto Viana, entre o desespero e a esperança apesar de tudo”.

Em homenagem a estes dois nossos insignes cultores da portugalidade – que completariam 100 anos em 2023 –, recordamos aqui esse breve texto, tão breve quanto lapidar, a ponto de não precisar de qualquer comentário – excepto, quanto muito, o seguinte: algumas da considerações que António Quadros exprime sobre Couto Viana aplicam-se igualmente a ele próprio, pois que, tal como Couto Viana, também António Quadros não tem sido suficientemente lembrado, o que decorre sobretudo de (más) razões ideológicas. O que não surpreende, de todo: numa época em que a ideologia dominante é cada vez mais anti-patriótica, nada de mais expectável que a censura vigente se vingue nestes dois Autores.

 

ANTONIO MANUEL COUTO VIANA
ENTRE O DESESPERO E A ESPERANÇA
APESAR DE TUDO

 

Porque choras, Portugal?

— Prenderam o meu futuro:

Jamais terei ideal

Mais puro.

.............................................

Que novo Império destinado

Lhe tem Deus, de quem é capitão?

O futuro da glória do passado

No céu, no mar, no coração!

 

De Ponto de Não Regresso, 1982

 

António Manuel Couto Viana (1923), que em 1948 se revelou desde logo grande poeta com O Avestruz Lírico que nos anos 50 foi um dos companheiros da Távola Redonda, essa revista que ergueu o facho de uma poesia moderna em conciliação com as raízes da nossa tradição lírica e que desde então publicou livros excepcionais, como O Coração e a Espada (1951), Mancha Solar (1959), A Rosa Sibilina (1960), Relatório Secreto (1963), Desesperadamente Vigilante (1968), Pátria Exausta (1971), Raiz da Lágrima (1973) ou Nado Nada (1977), cantou, em Ponto de Não Regresso (1982), a saudade da pátria ideal, o lamento pelo que chamou este tempo de trevas, a esperança sebástica numa restauração ainda não impossível e o impulso para a transcensão das grades que a seu ver prendem a nação. Incluídos na antologia da sua Poesia Completa (1948-1983), sob o título de Era uma vez uma voz (1985) estão ainda os seus poemas pos­teriores de Entretanto entre tantos e de Retábulo para um íntimo Natal. Recen­temente (1988), Couto Viana publicou ainda A Oriente do Oriente.

Sem ambiguidades, Couto Viana vê o 25 de Abril e o período subsequente como a época da catástrofe, que precipitou o país para a decadência e para proximidade da morte. Sem ambiguidades, afirma-se nacionalista, sebastianista e monárquico. Mas é chegado o momento, cremos, de os adversários e os opo­nentes se ouvirem uns aos outros. Uma voz como a de António Manuel Couto Viana tem de contar para a força das coisas porque exprime, mais do que a sua própria emotividade pessoal, os ecos de uma profunda vivência nacional, silenciada ou reprimida que seja pelos ideais convencionais hoje dominantes, embora já não tão seguros de si e dos seus dogmas.

Organizado em estrutura coerente, Ponto de Não Regresso divide-se em cinco partes: No Signo de Camões; No Signo da Páscoa; No Signo do Desejado; No Signo da Restauração; e No Signo do Cárcere.

Em No Signo de Camões, Couto Viana começa por marcar com desespero o contraste entre o Portugal dos «Lusíadas» e o Portugal de hoje, como no poema A Camões, dolorosamente:

 

Coroa, bandeira, brasão e lema,

O vasto Império do coração,

Vou encontrá-los no teu poema:

Na pátria, não!

 

Corro o teu canto de canto a canto,

Numa demanda de salvação;

Ali, a glória do herói, do santo:

Na pátria, não!

 

Ali, num reino ditoso e amado,

Reina sem névoa Sebastião;

Ali, presente pureza passada:

Na pátria, não!

 

Ali, se enlaçam beleza e graça

E, na certeza de ter missão,

Tenho o tamanho da minha raça:

Na pátria, não!

 

Na Carta apócrifa de Camões para hoje, assim principia:

 

Exaltei o passado, num presente

Triste, apagado, vil.

Mas havia o futuro, mar em frente

Para epopeias d'África e Brasil.

 

Para concluir, confundindo a sua voz com a do Poeta:

 

Hoje, o presente

É ainda mais vil e apagado e triste

Porque, no mar em frente,

Nenhum futuro existe.

 

A cobiça e a traição

E não um rei, é hoje quem governa:

Dorme, pois, para sempre, coração!

Sê tu, silêncio, a minha pátria eterna!

 

Em No Signo da Páscoa, porém, a esperança reacende-se, com a analogia com o Cristo pascal, morto e ressurrecto:             

 

Por isso já não creio na agonia

Do meu país:

Não morre a terra e tudo principia

está viva a raiz!

 

E, em No Signo do Desejado, é mais uma vez o velho mito que levanta o ânimo do poeta:

 

E quem trará na mão o jugo e a lança?

Seu vulto, em contraluz, saberei distinguir?

Ilumine-lhe a face, a fé, a esperança

Sepultadas, em flor, em Alcácer Quibir

......................................................

Que novo Império destinado

Lhe tem Deus, de quem é capitão?

O futuro da glória do passado

No céu, no mar, no coração!

 

Em No Signo da Restauração há um apelo ao novo despertar:

 

A nossa pátria jaz em mão fechada e alheia!

É já dela o tractor e o chão arado,

A moeda, a oficina, o pão da ceia!...

Pra não termos futuro, esmagou o passado!

 

Vem com teu ceptro justo, punitivo e clemente!

Vem ser manhã na noite sepulcral!

Vem expulsar de nós a névoa do presente

E acorda Portugal!

 

No Signo do Cárcere, a quinta parte do livro, inclui os poemas mais memo­rialistas e mais intimistas, pois António Manuel Couto Viana revive experiências dolorosas, desilusões e quebras de ânimo.

 

Porque é que a pátria envelhece?

Prenderam a mocidade:

Seiva, sol que fortalece

A idade.

 

Porque choras, Portugal?

— Prenderam o meu futuro:

Jamais terei ideal

Mais puro.

 

Noutro poema:

 

A luta heróica pela pátria ideal

Arrasta umas grilhetas:

Só vive livre Portugal

No coração dos seus poetas.

 

Em poucos líricos, como em Couto Viana, é tão pungente a dor por algo que se perdeu, menos do nosso passado, do que do nosso futuro. Mas os poetas acreditam na força regeneradora e mágica do seu verbo! Por isso se lhe vai esvaindo o desolador pessimismo com que principiara o seu livro...

Dois ou três anos depois, efectivamente, é já expectante, senão confiante o ânimo do poeta no magnífico tríptico de Sonetos a que deu o anagógico título de Contemplário.

Leiam-se os dois tercetos do primeiro:

 

Sigo solene como um ritual,

A caminho da pátria prometida

(Sempre dentro de mim, de Portugal).

 

Pedaços e pedaços reunida,

Do sangue celebrado no Graal

Da vida gloriosa além da vida.

 

Também os do seguinte Soneto:

 

Cristo das Cinco Chagas da Vitória,

Destrói toda a palavra transitória,

Ergue em nosso futuro o Teu sinal.

 

Traze da ilha onde se oculta, a nave.

E, nela, o Mestre esclarecido e grave.

E, nele, um só e imenso Portugal.

 

E enfim o belíssimo e «espiritual» remate metanóico do terceiro Soneto:

 

Pela nave, ou aeronave ou astronave,

Avé, o meu Senhor em forma de ave,

Sempre mais perto quanto mais distante.

 

O início sacral, guia do mundo,

Verbo sobre a cabeça do profundo,

É Portugal a língua flamejante!