Dizem os clássicos que a Filosofia chega sempre demasiado tarde –
daí a conhecida imagem de Hegel: “a ave de Minerva levanta-se ao entardecer”. Quanto
a esta pandemia que nos assolou nos últimos anos, apenas podemos dizer, com
alguma certeza, que este foi, até ao momento, o acontecimento mais relevante, à
escala global, do século XXI – a par, quanto muito, da guerra em curso na
Ucrânia... Quanto ao mais, tudo permanece ainda demasiado incerto. Há ainda,
para usarmos uma outra imagem, “demasiada poeira no ar”.
Como dissemos algures, vivemos um “interregno”. Os mais
providencialistas têm sugerido que este “interregno” foi como que “programado”.
De forma mais imanente ou transcendente, este “interregno” teria sido pois –
passe o anglicismo – um “reset”
necessário. Tal como os nossos computadores por vezes bloqueiam, também o
próprio mundo estaria de tal modo bloqueado que teria precisado de um
“interregno”, de um “reset”, de um
“reinício”.
Há ainda demasiada “poeira no ar” para conseguirmos antever o
futuro que irá emergir deste “interregno”. Até ao momento, o único factor
indubitavelmente positivo foi a diminuição substancial da poluição à escala
global. As consequências sociais e económicas têm sido, porém, até ao momento,
indubitavelmente negativas, para não dizer catastróficas. Em Portugal e no
Brasil, como em todos os restantes países do mundo, houve muita gente a ficar,
de um momento para o outro, sem emprego, sendo que muitos desses empregos não
irão, previsivelmente, regressar. Pelo menos, tão cedo.
A prometida vacina, entretanto chegada em 2021, irá decerto
antecipar esse necessário futuro pós-interregno. Seja pelo seu poder real sobre
o vírus, seja “apenas” pelo seu efeito psicológico em todos aqueles que mais o
temem, com a vacina o mundo parece, finalmente, em condições de virar,
progressivamente, a página deste interregno de confinamento pandémico e de medo
generalizado. Com ou sem vacina, teríamos, mais cedo ou mais tarde, de virar
esta página. Um interregno é, por definição, um estado transitório. Um estar,
não o ser…
Os textos que se coligem neste livro – mais de uma dezena e meia
de textos, do universo de colaboradores da NOVA ÁGUIA, uma revista de Filosofia
e Cultura lusófona – não nos dizem qual será esse futuro pós-interregno. Foram
textos escritos no “olho do furacão”, quando nem sequer era visível, como agora
já é, essa “luz ao fundo do túnel”. Em todos eles, porém, pulsa uma esperança –
atente-se, por exemplo, neste excerto do texto de Miguel Real: “Eduardo
Lourenço, quando jovem, na sua estada em Paris, escreveu um texto (que não
consigo identificar agora) em que falava da personagem de um romance (salvo
erro, de Somerset Maugham) que, nos últimos dias de vida, se levanta da cama,
vai ao quintal e planta uma bolota de carvalho. É a realização concreta do
princípio da esperança (…)”.
Como acrescenta: “…ele nunca verá o carvalho elevar-se sobre a paisagem, mas foi o seu contributo para que a vida continuasse. Que cada um de nós, hoje, neste tempo suspenso, perante um futuro vazio, plante a sua bolota – uns escrevendo, outros pintando, outros compondo música, outros fazendo teatro, cinema, animação, jornalismo, outros trabalhando nas suas profissões.”. Este livro é também uma “bolota” – a nossa “bolota” para o futuro, em particular para o futuro das relações luso-brasileiras, que igualmente têm sido afectadas por esta pandemia. Em tempos de crise, a tendência natural é que para cada país se feche em si próprio. Passada esta crise, esperemos que a ponte trans-atlântica renasça, ainda mais forte.