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Donde vimos, para onde vamos...

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terça-feira, 13 de abril de 2010

O diabólico em Vilém Flusser (início da comunicação no Colóquio Internacional de 3-4 de Maio, Anf. IV, Fac. Letras da Univ. Lisboa

O diabólico em Vilém Flusser

Vilém Flusser é um pensador do diabólico e um pensador diabólico. Enquanto pensador do diabólico, Flusser pensa aquilo que a tradução grega da Bíblia designou como diabolé, o “espírito que semeia a divisão”, de diaballein, lançar de lado, de través [1]. No pensar original de Flusser, o diabo é a própria temporalidade, também histórica, sendo “«influência diabólica» tudo aquilo que tende para a preservação do mundo no tempo”. Pelo contrário, “influência divina” é “tudo que tende para a superação do tempo”. O divino é o que age no “mundo fenomenal” para o “dissolver”, “salvar” e intemporalizar, convertendo-o em “puro Ser”, ao passo que o diabólico é o que o procura manter na sua fenomenalização temporal. Dependendo do ponto de vista, será o divino criador e o diabólico aniquilador ou o divino destruidor e o diabólico conservador [2].

Num heterodoxo mito das origens, que recorda o drama da cisão cosmogónica em Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno, Flusser concebe a criação de “céus e terra” como o divino arrancar de “um pedaço do “ser em si”, do “puro ser”, para mergulhá-lo na correnteza do tempo”, a qual o altera e fenomenaliza, arrastando-o consigo em “modificações sucessivas”, que são a sua própria irrealização. Esta temporalização é o próprio “diabo” e a sua “queda” é o “progressivo afastar-se do mundo das suas origens”. Nessa medida, o “diabo” é a “criação principal do criador”, a sua “obra-prima”. “Idêntico ao tempo” e inspirador do “espaço”, é ele que configura a experiência do mundo e, nessa medida, identifica-se com o próprio mundo. Sendo aquilo que, na criação, “torna sensível o mundo”, o princípio diabólico é, todavia, “mera parte” dessa criação”, em conflito com o princípio divino [3]. Definido, “no seu aspecto externo”, como “o fluxo do tempo, graças ao qual os fenómenos nos aparecem”, revela-se “o caráter ilusório, enganador, o caráter «maia»”, tradicionalmente atribuído ao diabo [4]. A leitura flusseriana do mito bíblico das origens incorpora assim a noção indiana de maya, configurando o diabo como uma prestidigitação ou i-lusão transcendental que emerge do divino e se lhe opõe, em mais uma flagrante convergência com uma das intuições axiais de Teixeira de Pascoaes. É essa i-lusão que cria os céus para criar a terra, a terra para criar a vida, a vida para criar a humanidade e a humanidade para criar o espírito humano, ou seja, o “espírito que conhece o Bem e o Mal” e assim se institui como “o campo do pecado”. O objectivo ideal da evolução criadora é a produção do “espírito humano perfeitamente diabólico”, mediante o abrasivo dos “pecados capitais” [5].

Considera assim Flusser que “o diabo é-nos muito mais próximo que o Senhor” e que segui-lo é “muito mais cómodo e simples do que perseguir os obscuros caminhos divinos”. “Toda a sinfonia da civilização”, toda a “luta prometéica” da humanidade contra os limites divinos, toda a “evolução como história do progresso” são a própria “história do diabo”, são a sua “obra majestosa” – cujos “exemplos mais nobres” são “ciência, arte e filosofia” - ou, noutro ponto de vista, a “ilusão” por ele criada [6].

O protagonismo diabólico tem portanto origens mais fundas que a mera história dos homens, enraizando-se por um lado na “evolução da vida” – que coliga “o protoplasma quase inerte”, a “formiga devoradora e a humanidade especulante” – e surgindo, por outro, como a “força motriz” da maioria das acções e desejos humanos [7]. Com efeito, o filósofo, num dos lances mais originais e polémicos da obra, recorre à doutrina eclesiástica dos “sete pecados capitais”, mantendo mas reinterpretando a sua nomenclatura tradicional, para designar as potências diabólicas que movem a vida e a humanidade nos diferentes domínios da sua actividade e da sua evolução. Constituindo-se A História do Diabo como uma filosofia do pecado e dos pecados, convém recordar o significado original desta palavra assaz incómoda para a consciência ocidental.

O peccatum latino, do verbo peccare, dar um passo em falso, traduz o grego amartia, que significa “falhar um alvo ou um objectivo”, o qual, por sua vez, traduz o hebreu pâcha, que expressa “o facto de se revoltar” [8]. O engano, o desvio e o fracasso, presentes nas expressões grega e latina, convergem com o sentido de uma projecção oblíqua e dia-bólica, de diaballein, que se desvia e transvia de um rumo certeiro, directo ao objectivo. Se o objectivo é a realização plena de si, por integração na plenitude divina, compreende-se que Jean-Yves Leloup interprete a amartia, a partir de Evagro Pôntico, como o estado em que se está “ao lado de si mesmo”, patente nos vários pecados capitais, entendidos como “sintomas de uma doença do espírito ou doença do ser” [9].

Flusser renova e amplia a tradição das paixões da alma, dando-lhe uma dimensão cosmogónica e cosmológica. Os pecados descrevem uma patologia bio-antropológica, como “sete aspectos de uma mesma atitude” [10].

[1] Cf. Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, p.61.
[2] Cf. Vilém Flusser, A História do Diabo, São Paulo, Annablume, 2006, pp.21 e 23 24 [manteremos a grafia do português do Brasil, língua em que Flusser escreveu a obra].
[3] Cf. Ibid., pp.33-34.
[4] Cf. Ibid., p.34.
[5] Cf. Ibid., p.45.
[6] Cf. Ibid., pp.22-24.
[7] Cf. Ibid., p.25.
[8] Cf. Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, pp.178-179.
[9] Cf. Jean-Yves Leloup, Écrits sur l’Hésychasme. Une tradition contemplative oubliée, Paris, Albin Michel, 1999, p.53. Simone Weil esclarece que “O pecado não é uma distância. É uma má orientação do olhar” – L’amour de Dieu et le malheur (1942), in Oeuvres, edição estabelecida sob a direcção de Florence de Lussy, Paris, Gallimard, 1999, p.697.
[10] Cf. Vilém Flusser, A História do Diabo, p.26.

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