O coronavírus, e o medo dele, que hoje esvazia as
ruas, criando o terror à nossa volta, não é superior à esperança que sempre
acalentou o homem e se cada um em sua casa, hoje, cria uma nova rotina forçada,
os artistas, os escritores, os pintores, os músicos, homens como os outros,
animados por emoções insólitas ligadas ao mal e ao medo, encontrar-se-ão já
imbuídos desse húmus caótico do qual nascerão doravante grandes obras de arte.
Como dizia Hegel, “a ave de Minerva levanta-se ao entardecer”, isto é, é
possível que após a passagem desta pandemia se vejam os resultados culturais e,
quem sabe, uma nova visão do homem que há muito está a ser preparada, um homem
mais amigo da natureza e do Outro.
Eduardo Lourenço, quando jovem, na sua estada em
Paris, escreveu um texto (que não consigo identificar agora) em que falava da
personagem de um romance (salvo erro de Somerset Maugham) que, nos últimos dias
de vida, se levanta da cama, vai ao quintal e planta uma bolota de carvalho. É
a realização concreta do princípio da esperança: ele nunca verá o carvalho
elevar-se sobre a paisagem, mas foi o seu contributo para que a vida
continuasse. Que cada um de nós, hoje, neste tempo suspenso, perante um futuro
vazio, plante a sua bolota – uns escrevendo, outros pintando, outros compondo
música, outros fazendo teatro, cinema, animação, jornalismo, outros trabalhando
nas suas profissões. Aqui à minha frente, vejo da janela a senhora da câmara,
solitária, fardada de verde, a recolher o pouco lixo das ruas de Colares e na
casa ao lado, do Exército de Salvação, um rapaz ou uma rapariga ensaia tocando
tuba (pelo som que ouço à distância parece uma tuba). É a bolota deles.
(excerto)