AQUI À ESCUTA COM O MAR AO FUNDO
Costumo dizer, sem arrogância, apenas confessionalmente, que aprendi a escrever e a pensar lendo Vergílio Ferreira, desde Aparição ao resto das suas obras. Por isso mesmo me surpreendeu muito essa frase dele, agora tantas vezes citada, «Da minha língua vê-se o mar.» Frase, essa, refira-se, proferida em Bruxelas, a 1 de Outubro de 1991, quando lhe foi entregue o prémio Europália. Até então, pelo menos para mim, «da língua de Vergílio Ferreira» via-se mais o labirinto das ruas e das casas de Évora, da cidade cenário da descoberta da existência, assim como as vozes da terra, das pedras (penedos e granitos) da sua Beira natal.
Mas eis que, chegado a esse momento da sua vida, e perante esse palco europeu de Bruxelas (onde Portugal espantou os belgas e outros europeus com as imagens da sua grandeza passada e da sua profunda diferença), Vergílio Ferreira veio dizer, ou lembrar, que «a alma do meu país teve o tamanho do mundo» e que «Uma língua é o lugar de onde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação. Assim o apelo que vinha dele foi o apelo que ia de nós. E foi nessa consubstanciação que um novo espírito se formou.»
E ainda: «E do meu país vislumbrava-se o infinito que nos acenava de além do mar.»
De repente, no coração da Europa e num momento, raríssimo, de exaltação da História e da Cultura portuguesa, o velho mestre, detestado (incompreendido) por quase todos à direita e à esquerda, eterno exilado em Lisboa, vinha sublinhar o essencial da nossa razão de ser enquanto povo e nação e falantes da «minha doce língua portuguesa».
E também de repente, nessa alocução, Vergílio Ferreira parecia subitamente (estranhamente…) próximo de alguém que ele não amava muito mas que admirava muitíssimo: Fernando Pessoa
(excerto)
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