DA MEMÓRIA… JOSÉ LANÇA-COELHO
Na perspectiva do filósofo português Agostinho da Silva (Porto, 1906-Lisboa, 1994), Portugal deveria passar de país marítimo a país naval, o que, parecendo o mesmo, é significativamente diferente, como se pode inferir da citação seguinte:
PAÍS MARÍTIMO/PAÍS NAVAL:
“Portugal deve passar de país marítimo a país naval. Não é a mesma coisa. País marítimo, pode ser, por exemplo, estar na praia não fazendo coisa alguma. País naval, ter alguma coisa que fazer, inclusive ter como objectivo não fazer nada. Mas é preciso querer nitidamente não fazer nada, não é abandonar-se ao não fazer nada, é não querer fazer nada mesmo! Ter a profissão de não querer fazer nada. Eu só conheci um homem que tinha essa força, (…)”. (Agostinho da Silva, Ir à Índia sem Abandonar Portugal, p. 14)
Já imaginaram o que é «ter a profissão de não querer fazer nada»? Pessoalmente nunca conheci ninguém que a exercesse, pelo contrário, Agostinho da Silva afirma ter conhecido uma pessoa assim, que era reformada desde que nasceu, acrescentando que deveríamos criar uma sociedade que permitisse atribuir esse estatuto a qualquer cidadão, o que em plena época de crise económica a nível mundial me faz esboçar um sorriso.
Por outro lado, é ainda significativo o alerta lançado pelo filósofo, para o perigo de morte que representa a inacção, daí que as duas regras de ouro para a existência, passem por, não trabalhar nunca, mas, pelo contrário, ter sempre uma ocupação. Vejamos, então, o que diz o filósofo a este respeito:
TRABALHO:
“A alegria, a alegria do sujeito… Tinha-se reformado desde que tinha nascido, que era o que nós todos devíamos fazer, estar sempre reformados à nascença… Temos que pensar numa economia, numa sociedade, em que qualquer tipo seja reformado à nascença. E saiba imediatamente, se puder entender, que quem não faz nada morre depressa. E que, portanto, procure naquilo que é, naquilo que sente do mundo, o que é que gostaria de fazer. As duas leis devem ser: «Não trabalhe nunca; por favor esteja sempre ocupado.» (Agostinho da Silva, Ir à Índia sem Abandonar Portugal, p. 15)
(continua)