O MOVIMENTO FENOMENOLÓGICO EM PORTUGAL E NO BRASIL
PREFÁCIO
Datam dos inícios dos anos 30 do século XX as primeiras referências de autores portugueses a Husserl e à fenomenologia. Com efeito, não só Leonardo Coimbra menciona então o filósofo germânico, de cujo pensamento revela essencial conhecimento, como José Marinho, num ensaio publicado na Presença, tem reflectidamente em conta a obra de Max Scheler sobre a essência e as formas da simpatia, ao mesmo tempo que Cabral de Moncada, no seu estudo sobre a democracia, recorre a categorias do método fenomenológico e, no termo da década, Delfim Santos e Garcia Domingues patenteiam directo e meditado conhecimento da filosofia husserliana, o mesmo acontecendo, no início do decénio seguinte, com António José Brandão.
Coube, no entanto, a Joaquim de Carvalho e, principalmente, a Arnaldo Miranda Barbosa o decisivo papel de projectar no ensino, na Faculdade de Letras de Coimbra, a lição de Husserl, sendo ao magistério do autor de A essência do conhecimento que se ficaram a dever os rumos que, no âmbito da fenomenologia, vieram a trilhar a reflexão e o trabalho hermenêutico de Alexandre Fradique Morujão (1922-2009), Gustavo de Fraga (1922-2003) e Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003).
Paralelamente à acção pedagógica e cultural assim desenvolvida em Coimbra, na Faculdade de Filosofia de Braga, Júlio Fragata (1920-1985) procurou integrar a perspectiva fenomenológica da tradição escolástica, inflectindo aquela num sentido realista e projectando-a no plano metafísico, intuito este também partilhado por Fraga e Soveral, enquanto, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maria Manuela Saraiva (1924 – 2002) se encaminhou dos estudos de filologia românica para a fenomenologia, apresentando em Lovaina uma tese sobre a imaginação no pensamento husserliano e concentrando depois também a sua atenção hermenêutica na obra fenomenológica de Sartre.
A circunstância de Eduardo Soveral haver realizado praticamente toda a sua carreira de mestre universitário na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (com um forçado interregno de uma década em que exerceu fecundas funções docentes no Brasil) e de Júlio Fragata ter acumulado, durante largos anos, a sua docência bracarense com o ensino na universidade portuense, permitiu que também nesta o pensamento fenomenológico viesse a encontrar significativo eco, sobretudo na obra e no magistério de Maria José Cantista.
Na década de 60, em que o pensamento husserliano, definitivamente, se afirmou entre nós, através daqueles três discípulos de Miranda Barbosa, de Júlio Fragata e de Maria Manuela Saraiva, a fenomenologia suscitou igualmente a atenção de pensadores e estudiosos como Vergílio Ferreira, Manuel Antunes, Fernando Gil, José de Sousa e Brito e Celestino Pires, vindo, nas décadas seguintes, a encontrar expressivo eco em investigadores de uma geração mais nova, como João Paisana, António Marques, João Sàágua ou Pedro Alves, havendo ainda a assinalar a fundação, em Coimbra, em 1965, do Centro de Estudos Fenomenológicos, que, nesse mesmo ano, promoveu a realização de um primeiro colóquio sobre a fenomenologia de Husserl.
Os últimos anos têm registado um renovado e crescente interesse pelo pensamento fenomenológico, expressivamente documentado pela criação, na Universidade de Lisboa, da revista Phainomenon, e, sobretudo, pela tradução, em curso, do essencial da obra de Husserl.
Foi reconhecendo o lugar de relevo que o movimento fenomenológico ocupa na actividade filosófica portuguesa contemporânea que o Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no âmbito do Grupo de Investigação “Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal”, promoveu, em 2 de Dezembro de 2009, a realização de um colóquio sobre a situação valorativa desse movimento e das suas principais figuras, cujas actas compõem a primeira parte do presente volume.
Afigurou-se conveniente completar este repositório de estudos com alguns ensaios que dessem conta do movimento fenomenológico no Brasil, de modo a permitir uma primeira consideração comparativa dos rumos seguidos pelo pensamento inspirado na lição husserliana na reflexão contemporânea de língua portuguesa. Para tal, foi possível contar com a contribuição de reconhecidos estudiosos da filosofia brasileira, como António Paim, Constança Marcondes César, Paulo Moacir Godoy Pozzebon e Creusa Capalbo, cuja pronta colaboração aqui se agradece.
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O presente livro é uma publicação no âmbito do Grupo de Investigação “Raízes e Horizontes da Filosofia e da Cultura em Portugal”, subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e levado a cabo pelo Gabinete de Filosofia Moderna e Contemporânea do Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Maria Celeste Natário
António Braz Teixeira
Renato Epifânio
ÍNDICE
António José de Brito
NOTA SOBRE O APARECIMENTO DA FENOMENOLOGIA EM PORTUGUAL
Clara Morando
ALEXANDRE FRADIQUE MORUJÃO - CONSIDERAÇÕES SOBRE OS SEUS "ESTUDOS FILOSÓFICOS"
António Braz Teixeira
O REALISMO FENOMENOLÓGICO DE JÚLIO FRAGATA
Renato Epifânio
ENTRE JOSÉ MARINHO E LEONARDO COIMBRA: DA ONTO-FENOMENOLOGIA À CISÃO EXTREMA
Manuela Brito Martins
EDUARDO ABRANCHES DE SOVERAL: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A ESCOLA FENOMENOLÓGICA PORTUGUESA
Manuel Cândido Pimentel
GUSTAVO DE FRAGA: ENTRE FENOMENOLOGIA E METAFÍSICA
Nuno Freixo
MARIA MANUELA SARAIVA E A FENOMENOLOGIA: ENTRE HUSSERL E SARTRE
André Barata
EXPERIÊNCIA, COMUNICAÇÃO E ÉTICA. PERSPECTIVAS SOBRE A ETAPA DERRADEIRA DO PENSAMENTO DE JOÃO PAISANA
António Paim
O MOVIMENTO FENOMENOLÓGICO BRASILEIRO
Constança Marcondes César
ARTE E TEMPO EM MARIA DO CARMO TAVARES DE MIRANDA
Paulo Moacir Godoy Pozzebon
A ESCOLA FILOSÓFICA DE LOVAINA E SUA INFLUÊNCIA NO BRASIL
Creusa Capalbo
A FILOSOFIA E A FENOMENOLOGIA NO BRASIL ATUAL