
DA MEMÓRIA... JOSÉ LANÇA-COELHO
No ano do 2º centenário do nascimento (1810-2010) de Alexandre Herculano (Lisboa, 28 de Março de 1810-Vale de Lobos, Santarém, 13 de Setembro de 1877), ouçamos o testemunho de dois intelectuais seus contemporâneos.
Comecemos pelo “Santo Antero”, termo com que Eça de Queirós (Póvoa do Varzim, 25 de Novembro de 1845-Paris, 16 de Agosto de 1900) designava o autor das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, e vejamos o que Antero de Quental (Ponta Delgada, 18 de Abril de 1842- id., 11 de Setembro de 1891) diz sobre a morte do introdutor do romance histórico em Portugal –“é mais do que um luto para a literatura, é um verdadeiro luto nacional” – servindo-nos de um artigo que Antero escreveu no nº2 da revista “Os Dois Mundos”, de 30-9-1877, publicada em Paris, entre 1877 e 1881, por Salomão Sáragga, que esteve ligado às célebres “Conferências do Casino”
Mais adiante, Antero afirma que Herculano é o último representante duma ilustre geração em quem “o forte génio português reverdeceu ainda neste século com uma seiva tardia”, sendo o autor da História de Portugal, “um grande homem (…) representante do génio da sua nação.”
Quanto à estatura ética do autor de Lendas e Narrativas, Antero de Quental escreve: “Na fisionomia moral de Alexandre Herculano, há certas linhas que fazem lembrar o perfil enérgico e simples dos heróis típicos da nacionalidade portuguesa. Pertencia a essa grande linhagem, que acabou com ele – e o seu século, admirando-o, considerava-o todavia com um certo espanto ininteligente, como se sentisse vagamente que aquele homem pertencia a um mundo extinto, um mundo cujo altivo sentir já ninguém compreendia.”
O chefe espiritual da “Geração Nova” continua a traçar-nos o retrato de Herculano, relacionando-o com o período histórico em que ambos viveram: “Não nos cabe a nós ser juízes entre um grande homem e uma época, que tantos aclamam gloriosa, enquanto outros persistem em tê-la por mesquinha. A história (…) dará talvez razão, ao mesmo tempo, à época, que não podia ser maior nem melhor do que as circunstâncias a fizeram, e ao homem nobre e sincero, cuja altiva integridade repugnava invencivelmente a que pactuasse com o abaixamento moral dos contemporâneos, embora tal abaixamento lhe parecesse providencial, preferindo a atitude isolada e austera do protesto e as más vontades que ela provoca nos caracteres vulgares, à influência e dominação alcançada pela conivência com as paixões, os desvarios e os vícios da época.” (sublinhado nosso)
Antero termina a apreciação a Herculano com esta frase que podemos considerar sublime: “Há glórias mais brilhantes e ruidosas: nenhuma pode haver mais pura.”
Notemos de seguida, como o anti-clerical Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 15 de Setembro de 1850-Lisboa, 7 de Julho de 1923) no popular Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para 1883, define o carácter de Herculano e, como essa mesma maneira de encarar a vida o conduz ao estado que Camões (Lisboa?, c. 1531-id. 10 de Junho de 1580) contempla na frase, “aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”:
“Alexandre Herculano é uma dessas figuras esculturais que, antes de desaparecerem em pó, reaparecem em bronze. Ainda vivo, nos últimos anos, adquirira na penumbra heróica do seu isolamento, como que a imobilidade sagrada de uma estátua. Desde o dia em que, velho leão ensanguentado, se retirou de uma luta sem tréguas que durara quarenta anos, para se ir esconder na benigna e pacificante tranquilidade da natureza, desde esse dia em que para quase todos começa o esquecimento, começou para Alexandre Herculano a projecção gloriosa do seu génio – a imortalidade.”