O PORTUGAL PERMANENTE
Na origem de Portugal, por circunstâncias não esclarecidas, deu-se um singular cruzamento histórico e concreto de um punhado de valores clássicos (lealdade, amizade, honestidade, generosidade…) alimentados por um sentido transcendente da História e do Homem e sintetizados num sentimento superior – a saudade. Antes de mais, saudade de si, isto é, de, como qualquer outro organismo vivo, se completar e realizar. Nasceu, assim, Portugal desejoso de se superar, completando-se no outro.
Como causa e consequência simultâneas, a atmosfera espiritual e religiosa em que Portugal se gerou deu origem, por sua vez, a um conjunto de constrangimentos histórico-sociais muito singulares, que, como um bilhete de identidade, marcou os portugueses indelevelmente: mais generosos que avaros, mais comunitários que individualistas, mais emotivos que racionais, mais espiritualistas que materialistas, mais supersticiosos (Fátima) que devotos, mais líricos que prosaico, mais soltos que disciplinados, mais improvisadores que metódicos. Desprezados pelos poderes públicos, os portugueses constituem um povo desejoso de abastança e solidariedade, um povo que defende ser a razão menos importante que a paixão, o calculismo menos importante que a fruição lúdica da vida, um povo que, face aos interesses económicos, tem pugnado pelos valores do sentimento e da comoção, os valores do gregarismo e da generosidade, os valores da partilha e do companheirismo, unidos e vinculados a um sentido transcendente orientador na busca da justiça, que desespera por nunca chegar. Volta-se então para Nossa Senhora, esperando do Céu o que a terra lhe nega.
A fibra de lutador dos portugueses advém da sua história e da sua cultura – uma história, primeiro, de guerra contra os mouros; depois, de guerra contra a natureza e os povos “pagãos” que descobria em África, no Oriente e no Brasil; finalmente, arredado da fruição do Ouro do Brasil, restrito às elites políticas, mostrava-se denodado e manhoso na luta pela sobrevivência numa vida em permanente miséria económica até à actualidade. Todas estas causas fizeram dos portugueses um povo menos votado a uma vida certa e rotineira e mais votado a uma vida improvisada, na qual cada um deveria “desenrascar-se” por si próprio ou no interior de um pequeno grupo de companheiros.
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