A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sábado, 9 de janeiro de 2010

Texto lido no lançamento da NOVA ÁGUIA em Cabo Verde...

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NOVA ÁGUIA E AS COMPLEXIDADES DA LUSOFONIA

A Lusofonia é hoje um conceito que se instalou no jargão político dos países que têm em comum a utilização da Língua Portuguesa. Passou, em parte, a integrar o “politicamente correcto”, tornou-se moda. No entanto, aquilo que é a alma e a substância do conceito, as suas implicações, as suas origens, estão longe de ser, primeiro, entendidas e depois realmente assumidas, pese embora o facto de, com dificuldades várias e multiplicando siglas, ele se ter projectado para realizações, organizações e instituições de que são exemplos a CPLP, Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, ou a UCCLA, União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas.

Na génese deste modismo estão o pensamento e a acção de homens como o português Agostinho da Silva e o brasileiro José Aparecido de Oliveira, como está parte do ideário transmitido por Fernando Pessoa e o entusiasmo militante de Nuno Abecasis. Para surpresa de alguns menos conhecedores do conteúdo real dos conceitos, confundindo-os com espúrias deturpações dos seus significados, a Lusofonia tem nexos com outras expressões como “sebastianismo” e “quinto império”. Dispensando-me de, por agora, abordar tais nexos, sempre direi que nada é mais contrário a qualquer elocubração colonialista ou neo-colonialista, a qualquer nacionalismo ou patriotismo rasteiro, ou a qualquer arcano reaccionário do que aquilo que a Lusofonia comporta.

Desde logo, porque a Lusofonia emana, quase simultaneamente, de dois berços, com identidades e culturas tangentes, ou mesmo secantes, mas objectivamente divergentes – Brasil e Portugal. Depois, porque só alcançou afirmar-se com o processo de independência dos povos antes dominados pelo colonialismo português e com a democratização tanto de Portugal como dos países emergentes do antigo império português. Finalmente porque só se tornou viável pela afirmação da diversidade das identidades culturais e nacionais dos diferentes povos que antes coabitaram esse espaço e também pela afirmação da sua multi-polaridade.

Isto aponta para a complexidade, e talvez também o contraditório, contidos na palavra Lusofonia. As palavras valem o que valem, valem sobretudo o que identificam. Convenhamos, porém, que Lusofonia, este “som português”, é perturbador. Quer porque o homem português é tanto luso, como árabe ou berbere, como judeu ou gótico ou suevo. Quer porque se o espaço desse “som português” abrange sons parelhos, é igualmente facto que nele coabitam outros sons: caso do mirandês em Portugal (para já não falar no barranquenho), os diversos dialectos e línguas da Guiné, de Angola, de Moçambique, o tétum de Timor, o forro de São Tomé, os crioulos. Se podem existir proximidades entre alguns deles (por exemplo, entre o crioulo ou o mirandês e o português), essa proximidade já não existe noutros casos.

Portanto, se tomarmos por guia o pressuposto pessoano de que a “a minha língua é a minha pátria”, registamos a existência de diferentes pátrias dentro de um espaço supostamente comum. E que esse espaço é tanto lusófono como não lusófono.

Apesar desta dificuldade, aceitarei designar aqui, à falta de melhor, por lusófono o espaço em pauta, essa casa que alguns (e eu sou um deles) dizem ser comum.

Vejamos então o que pode ser este “Portugal”, uma das traves do espaço lusófono, sabendo-se que ele já não é o pretendido continuum salazarento, policial e militarmente imposto. Já não é um edifício totalitariamente mal cimentado e adverso ao resto do mundo.

No entender de Agostinho da Silva, e aqui o reporto, “Portugal” é uma ideia sem território. É um valor, um conceito, muito mais do que uma parcela geográfica limitada por fronteiras. É uma herança cultural, um adn filosófico, digamos assim. Ou como deixaria implícito Agostinho da Silva, ao descobrir, no seu longo refúgio brasileiro, a entidade brasileira, Portugal revela-se hoje pelo Brasil, como (acrescentamos nós) se revela pelos outros “brasis”, de Cabo Verde a Timor. Portugal já não é um ter, é um ser. E sendo por via dos outros, só por eles tem existência. Portugal, por conseguinte, é alteridade feita pelos mundos que deu ao mundo. No extremo, de acordo com este pensamento e este sentimento, o que dá assim existência a Portugal é a sua não-existência. Plasmou-se nos outros e só pelos outros pode renascer e refazer-se.

Eis como, partindo da constatação feita por Agostinho da Silva, chegamos a um surpreendente espelhamento: são os diversos brasis do mundo, Cabo Verde entre eles, que hoje forjam Portugal. Ou seja, o Portugal físico dos nossos dias, para que seja Portugal, ou reflecte a portugalidade que vem do outro lado do mar ou não tem ser. Por isso, Agostinho da Silva considerava que os filhos portugueses do positivismo, como Eça e Antero, tinham renunciado à portugalidade, estrangulando-a às mãos da Europa industrialista.

Essa rotura havida no século XIX projectou-se até aos nossos dias, quando os portugueses, perdido o império, sonharam encontrar solução na União Europeia, arriscando por aí a sobrevivência da sua identidade e o desmoronar das pontes que o ligam à sua própria História. Enquanto isto, o Portugal-ideia de Agostinho, que Aparecido de Oliveira desenhou como Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, vem sendo propugnado, com insistente coerência, sobretudo pelo Brasil. Este oposto entre um Brasil que é Portugal-ideia e um Portugal de vogais fechadas e átonas levado pela jangada da Europa está patente em alguns dos braços de ferro verificados no seio da CPLP.

Foi a percepção destas questões (e de outras a que, aqui e agora, nem aludirei) que levou alguns a projectar o MIL, Movimento Internacional Lusófono, que se reflecte na revista aqui apresentada, a “Nova Águia”. O núcleo inicial do MIL tem vindo a congregar em seu torno personalidades de diferentes países, interessadas em aprofundar e desenvolver os valores da lusofonia.

Mas “Nova Águia” não se esgota nas propostas do MIL. É uma revista de pensamento e de cultura cujas páginas se abrem a diferentes temáticas. Nesta sua apresentação em Cabo Verde, entendi que seria oportuno trazer à vossa atenção algumas das questões que hoje se debatem no interior de uma corrente que se vem afirmando nos nossos países – a Lusofonia.

Importa discuti-las sem melindres, nem tabus. Importa assumir a consciência e as conseqüências.

Disse

Nuno Rebocho