A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 27 de dezembro de 2009

Texto que nos chegou...

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O sentido da Águia: o seu arquétipo e o seu papel para a construção social

Sam Cyrous

Poucos são os idiomas que conseguem ter, na sua essência, almas dotadas de uma atitude poética tão marcada como a língua portuguesa, aquela pátria de Fernando Pessoa. Se o persa tem um Sháh Náme de Ferdowsí, e o grego um Odýsseia de Homero, o idioma inglês tem em Shakespeare um expoente. Mas a língua portuguesa, por sua vez, sofre influências, em igual peso, de poetas como Antero de Quental e Euclides da Cunha, de escritores tais como Eça de Queiroz, Jorge Amado e José Saramago, de cronistas como António Vieira, de compositores como Tom Jobim, e de inclassificáveis como Fernando Pessoa.
E o que une tais nomes além do idioma de primazia de seus textos, senão uma visão articulada de presente, passado e futuro — a quarta dimensão da física clássica que permite unir conhecimento e vontade em acção?
Carl Gustav Jung poderia dizer que cada cultura — o que inclui a cultura da língua portuguesa — é guiada por arquétipos que nos permitem encontrar uma coerência interna e externa. De carácter universal e comum entre povos, essas imagens totémicas — como as poderiam chamar os antigos — transcendem o simples aqui-e-agora da existência fáctica, ao mesmo tempo que permitem que se empreenda “a busca do centro de si mesmos, que deveria coincidir com o centro do mundo, aonde se gera a vida” (Isabel Allende, 2005, El Zorro, p. 42).
Assim sendo, como na bibliografia de Philip Pullman, existem animais internos que nos acompanham e que nos representam. Seríamos lobos se fossemos professores e guias, corvos se soubéssemos encontrar e aproveitar as oportunidades, cães se fossemos incondicionalmente fiéis, raposas astutas, leões destemidos, corujas sábias, cavalos irrestritos como o vento, pombas de paz e compaixão, conforme o(s) caso(s).
E repare que o nome da revista fundada há um século não é nenhum desses supracitados, mas Águia! É o animal que simboliza força e determinação, que possui uma visão de longo alcance, única capaz de olhar directamente para o Sol sem sofrer dano.
Se olharmos na história da humanidade quantas culturas, religiosas e nacionais, instituições seculares e tradições espiritualistas não a possuem como símbolo! Era a curadora espiritual dos xamãs ameríndios, a mensageira ou representante dos deuses Hórus, Ódin e Zeus, a protectora da Albânia, a águia líder e a restauradora da ordem e justiça do curdo Saladín, a Aquila Romana sob a qual era colocada a cabeça do imperador, a guia para um futuro promissor para os astecas mexicanos.
Afinal, trata-se de um pássaro nobre, com elevado senso de dignidade e honra, que“não caça animal já morto”, como outras aves de rapina (Bahá’u’lláh, Os Sete Vales), fazendo-se a única capaz de conectar a intuição mental a verdades espirituais, permitindo a harmonia e o equilíbrio, pela sua atenção ao meio, pela sua força física, curadora e “epifânica”, ágil na acção.
É talvez por isso que Leonardo Boff (1997, A Águia e a Galinha, p. 29) diz que cada um “tem dentro de si uma águia. Ela quer nascer. Sente o chamado das alturas. Busca o sol”.
Contudo, a verdade é que força física pode ser confundida com força bruta, determinação com tirania, persistência com teimosia, capacidade de resolver problemas com astúcia, magnificência com senso de domínio e posse e, por isso, a águia é criticada por ‘Attar na Conferência dos Pássaros (conforme tradução para o inglês de Raficq Abulla, 2003, p. 20):
“Não tens senso com o teu orgulho de soldado.
“Crês que cear com reis, e fazer-lhes a vontade
“É suficiente para ter-te sob seu favor, sempre ao teu lado?”
Então, a águia, como todas as unidades da existência, possuem virtudes e defeitos que podem (e devem!) ser explorados. Como já preveniram Beck e colegas (1997, Teoria Cognitiva da Depressão), as experiências não podem ser colocadas entre duas categorias opostas, porque as dicotomias dão a clara ideia de que a pessoa é “ou…ou”. Ou boa ou má, ou inteligente ou torpe, ou bela ou feia. Mas, como avaliar tais competências? Já dizia Platão (v. Górgias) que o belo é sinónimo de agradável. Mas o que faz uma realidade agradável, senão a multiplicidade de caminhos que ela poderá desvelar a cada instante?
O que faz uma águia ser agradável, senão a sua capacidade de voar ao infinito e além dele, como líder honrada das aves de rapina?
É por isso que a águia se faz um símbolo presente em tantas culturas. Porque ela representa essa capacidade humana de contínua transcendência. Mas, isso só será possível quando ela for capacitada a voar, com ambas asas bem desenvolvidas. Como pode uma ave voar se uma asa for mais fraca que a outra, se um lado do seu corpo possuir deficiências e estiver em desvantagem em relação a outra?
Então, para lançar o seu voo, precisamos rever o modelo de Águia e criar uma Nova Águia, na qual as duas asas estão equiparadas e igualmente desenvolvidas. A Humanidade não pode lançar-se ao futuro, se apenas a asa do saudosismo estiver desenvolvida e a asa da projecção temporal ignorada, mas também não se consegue transcender se a asa do Passado estiver atrofiada e a única asa potente for o Futuro.
E isso implica mudanças estruturais na forma de pensar da águia social humana. A verdadeira Nova Águia está para além das dicotomias que separam a asa direita da asa esquerda, percebendo que apenas através de uma verdadeira consulta, livre e independente de preconceitos e desejos egoístas, ela poderá levantar-se do lodaçal de uma corrupção endémica global que lhe impede o próprio voo.
Se ignorarmos a asa da pobreza e considerarmos apenas importante a outra asa que excede em peso financeiro, sem eliminar extremos, a águia não se equilibra em seu voo. Quem fala em pobreza e riqueza fala em países do Sul e do Norte, do Ocidente e do Oriente, com ou sem assento permanente em determinadas agências internacionais. Fala-se numa Nova Águia incapaz de poder continuar o seu voo se a asa que representa a metade feminina da humanidade não estiver tão desenvolvida em sectores como a política e o trabalho, como a asa que representa a sua metade masculina.
E estes desafios apenas alcançados sob duas condições. Se as asas da educação afectiva e da instrução académica forem igualmente trabalhadas, podem-se ter medidas educativas que previnam o abandono escolar e o desenvolvimento sócio-afectivo de uma nova geração capaz de intervir para erguer uma civilização cada vez mais avançada. E, da mesma forma, só se o desenvolvimento espiritual, noético, moral e ético ensinados pelas grandes Religiões mundiais e filosofias humanistas forem tidas em igual consideração em relação ao desenvolvimento intelectual, ambiental, e científico, é que poderemos falar em crescimento sustentável.
Apenas assim a Nova Águia poderá lançar o seu voo à plenitude existencial.