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“Leonardo Coimbra, a revista ‘A Águia’ e o panorama cultural contemporâneo”
A revista ‘A Águia’ começou a ser publicada a 1 de Dezembro de 1910, poucas semanas após a implantação da República no país, com a colaboração de um vasto conjunto de intelectuais com aspirações de intervenção cívica. Esta publicação periódica teve, assim, uma estratégia de pedagogia cívica junto da população no sentido de “regenerar” a alma portuguesa que padecia dum misantropismo larvar, em especial desde o Ultimato inglês, e de um crónico analfabetismo. Deste modo, esta revista, na sua fase mais criativa e heterogénea, quando se tornou em 1912 órgão do movimento cívico “Renascença Portuguesa” pretendeu facilitar a reificação do ideal Republicano de alfabetizar e de difundir a cultura junto das classes populares.
Esta revista colheu a colaboração entusiástica de jovens poetas, economistas, historiadores, artistas e pensadores que fizeram emergir diversas correntes culturais na sociedade portuguesa do início do século XX . Na dinâmica de crescimento da revista entre 1910 e 1932 afirmaram-se como principais esteios directivos Teixeira de Pascoais e Leonardo Coimbra ao fazerem vingar, ao longo dos anos, o paradigma Místico e Saudosista que levou à dissidência dos Modernistas do “Orpheu” (1915) e dos Funcionalistas da “Seara Nova” (1921). “A Águia” foi, assim, o frutífero embrião da geração de intelectuais que fizeram nascer relevantes movimentos culturais. Designadamente, tornou-se na sua fase inicial, em 1910-1911, no ambiente de reflexão intelectual que fez surgir a “Renascença Portuguesa”.
“A Águia” alicerçou-se, numa matriz nacionalista e neo-romântica, no combate contra a tese da decadência nacional que pairava na mentalidade da sociedade portuguesa desde o fim do século XIX. Com efeito, aos mentores da revista moveu-os este espírito de promoção da auto-estima nacional que os mobilizou contra a tese do declínio da nação portuguesa deixada pairar pelo poeta Antero de Quental desde as Conferências do Casino de 1871 e contra a mentalidade positivista de Auguste Comte que contaminava a intelectualidade Europeia. Deste modo, este grupo eclético de personalidades que, exprimindo-se nesta revista, pretendeu pôr cobro ao atávico complexo de inferioridade nacional, representado pela noção decadentista, teve significativo sucesso. Porquanto, foi deste periódico que fluiu a seiva renovadora do panorama cultural português do início de Novecentos.
De facto, esta revista foi o gérmen criativo das grandes correntes intelectuais que moldaram as primeiras décadas do século XX português. Efectivamente, do grupo inicial, que se reuniu em torno da revista, bastante diversificado, irromperam dissidências que deram origem a revistas com perspectivas filosóficas divergentes do núcleo dirigente. A partir de 1912 assumiu-se como figura central, da revista ‘A Águia’, Teixeira de Pascoais, que exerceu a sua Direcção longo tempo e a plasmou com a sua tese Saudosista, tendo esta situação conduzido à saída de Fernando Pessoa, de António Sérgio e de Jaime Cortesão, que os levaram a desenvolver outras tendências estéticas e filosóficas. Revelou-se, assim, como uma revista cultural eclética nos seus primeiros anos (1910-1918), na qual pontuavam movimentos culturais diversificados (Saudosismo, Simbolismo, Neo-romantismo, Impressionismo, Sobre-realismo, etc ). Todavia, o pendor cultural “absolutista” de Teixeira de Pascoais deu azo às dissidências doutrinárias que ganharam autonomia face ao rumo Saudosista imposto pelo seu obstinado Director.
Leonardo Coimbra, filósofo e político da Primeira República e fundador da revista “A Águia”, acompanhará desde a primeira hora o seu desenvolvimento. Por consequência, desde a sua fundação sustenta uma visão, muito actual, sobre a educação ao declarar que a sua verdadeira missão é a transmissão cultural. Em concomitância, criticou a educação exclusivamente utilitarista que estava na época, como está nos nossos dias, excessivamente absorvida com as preocupações curriculares de adaptação ao mercado de trabalho. Esta tendência incitou-o a reprovar o desprezo, manifestado por este estilo de educação, pela literatura e pela história . Na actualidade, no presente contexto tecnocrático os poderes públicos valorizam cada vez mais a educação técnica em detrimento da educação humanista, que se encontra subvalorizada . Por outras palavras, Leonardo Coimbra procedeu a uma leitura crítica da ascendência positivista sobre o fenómeno educativo.
Na verdade, o panorama cultural contemporâneo, português e internacional, está influenciado pela preponderância da tecnocracia e do consumismo e, por esta razão, os hábitos culturais dos cidadãos estão massificados pelo gosto estético laxista das bases da sociedade e dos “Media”, ao invés de serem incitados pelas elites intelectuais desvalorizadas pelo paradigma pedagógico tecnicista que submerge o mundo de hoje. Este fundamento faz sobressair a pertinência do pensamento de Leonardo Coimbra expresso na revista “A Águia”. Assim, pretendeu como voz militante da “Renascença Portuguesa” contribuir para a concretização do ideal cívico e cultural Republicano. Há, pois, um paralelismo entre estas advertências deste pensador e o presente fenómeno da ‘cultura de massas’ que contamina as classes médias, apartando os cidadãos da fruição de bens culturais mais exigentes em erudição.
O período intelectualmente mais fervilhante desta revista compreende os anos entre 1912 e 1918, porquanto a partir desta data a “Renascença Portuguesa” perderá o dinamismo criativo dos primeiros anos devido às diversas dissidências artísticas e filosóficas, à crise política do país e ao colapso psicológico da Europa saída da 1ª Guerra Mundial. Já em plena Ditadura Militar, nos finais dos anos 20, a actividade repressiva levou alguns dirigentes da revista ao exílio, ou ao desterro, e o movimento cívico que lhe subjaz perdeu fulgor, terminando a sua actividade com o fim da publicação da revista, em 1932.
Convém recordar a distância ideológica que separava os intelectuais, agregados à revista, e os políticos Republicanos, não obstante algumas afinidades políticas existentes. Com efeito, há um inequívoco paradoxo entre o ambiente racionalista que presidiu à instauração do regime Republicano e a mentalidade desta intelectualidade, descrente do linear progresso racional, convicta do valor do progresso espiritual da Humanidade . Na verdade, a “Renascença Portuguesa”, e esta revista como sua extensão mediática, surgiu como associação de artistas e de escritores interessados em influir sobre os decisores políticos mediante a sua matriz ideológica nacionalista e espiritual. É nesta medida que Leonardo Coimbra se assume como charneira de conexão entre as ideias comuns do grupo e a “praxis” política, porque sendo um filósofo idealista procura colmatar os seus dons especulativos com a sua militância no Partido Republicano Português que o conduzirá, duas vezes, a abraçar a Pasta da Instrução Pública (em 1919 e em 1922-1923).
Em suma, a revista “A Águia” reuniu um conjunto de grandes intelectuais, com relações de convivência mútua, que subscreveram um comum paradigma neo-romântico, na combatividade aos pressupostos positivistas e racionalistas, propondo uma atitude espiritual renovadora da pátria portuguesa. Esta publicação periódica ergueu-se, pois, em “voo altaneiro” sobre as concepções deterministas e materialistas dominantes na conjuntura. Leonardo Coimbra, e os seus correligionários, partilham esta visão alternativa que perpassa os seus artigos. Por analogia, no actual contexto tecnocrático faz falta regressar ao ânimo cultural desta inolvidável geração de pensadores para que possamos questionar, com inspiração, a matriz ideológica, consumista e materialista, das nossas sociedades e daí o contributo que a “Nova Águia” pode vir a desempenhar abrindo novos horizontes, repletos de revigorante espiritualidade, aos nossos concidadãos.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
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