«(...)O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
- Antónia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
- Você sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
- A gente fica olhando…
A meninice brincou nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
- Antónia, você parece uma lagarta listada(...)»
Há as lagartas listadas e as lisas, aquelas todas verdes que se confundem com os vegetais que comem incansavelmente, e também são castiças. Mas as lagartas listadas lembram-me os bichos-da-seda, nem as identifico como simples lagartas. Começam pequeníssimas e negras desaparecendo atrás das folhas de amoreira, e de repente surgem fascinantes, coleantes, riscadas de negro. Depois é esperar que desatem a esconder-se entre os fios preciosos com que constroem os seus esconderijos até despontarem em insecto perfeito, nem sempre bonito, mas sempre fascinante como o culminar de um processo – estranho, no mínimo.
Nos dias que passam, eu - que fui professora (de Português também, imagine-se!) - sinto-me descompensada, quando vejo a geração - que me passou pelas mãos por largas décadas - gerar filhos quase analfabetos e seguir em frente mergulhada
O que me leva a dar o benefício da dúvida às Novas Oportunidades é um pouco o que me faz concordar com o novo Acordo Ortográfico. Para grandes males, grandes remédios. Parar é morrer ,e o mundo lusófono tem de unir-se para fazer frente ao mundo anglófono e hispânico, principalmente, sob pena de soçobrar como vem acontecendo já à francofonia, onde bebemos tanto da nossa cultura literária (e não só). As Novas Oportunidades não ensinam a ler ou a escrever, mas não parece que seja importante - como deixou de ser importante decorar a tabuada ou qualquer poema de Augusto Gil ou João de Deus. Nem tarda que as crianças deixem de usar a caneta – está aí o Magalhães! – pois só lhes é pedido que identifiquem a imagem da letra e carreguem numa tecla. Mais breve ainda, como os telemóveis já o fazem, carregando na primeira letra, o computador vai adivinhando, propõe, a palavra que se quer escrever. Resta-me esperar que as Novas Oportunidades despertem cada um para a necessidade de aprender, de se esforçar, de se cultivar, de usar as novas tecnologias para melhorar a sua vida e o seu bem-estar. Que alerte para a enorme responsabilidade de participar na res publica.
A Revolução dos Cravos falhou numa coisa importantíssima: quis acabar com os estratos sociais unificando a Educação. Só conseguiu afundar ainda mais o fosso que separa a nova elite dos «outros». Cumpre-nos agora ficar do lado desses «outros» e mostrar-lhes as pontes, as saídas possíveis. Para que não morram crisálidas e possam voar borboletas.
Fernando Pessoa, logo a seguir a dizer aquela frase tão badalada que me escuso aqui de repetir, acrescentou: «Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.»
Eu vou sentir Pessoa até ao fim dos meus dias.
Jawaa
*Publicado no blog pessoal
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