A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Leite Derramado


«(...)O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
- Antónia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
- Você sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?
A moça se lembrava:
- A gente fica olhando…
A meninice brincou nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
- Antónia, você parece uma lagarta listada(...)»

Manuel Bandeira


Um corte na diacronia do tempo do crescimento que os grandes poetas sabem registar com precisão e singeleza.

Há as lagartas listadas e as lisas, aquelas todas verdes que se confundem com os vegetais que comem incansavelmente, e também são castiças. Mas as lagartas listadas lembram-me os bichos-da-seda, nem as identifico como simples lagartas. Começam pequeníssimas e negras desaparecendo atrás das folhas de amoreira, e de repente surgem fascinantes, coleantes, riscadas de negro. Depois é esperar que desatem a esconder-se entre os fios preciosos com que constroem os seus esconderijos até despontarem em insecto perfeito, nem sempre bonito, mas sempre fascinante como o culminar de um processo – estranho, no mínimo.

Nos dias que passam, eu - que fui professora (de Português também, imagine-se!) - sinto-me descompensada, quando vejo a geração - que me passou pelas mãos por largas décadas - gerar filhos quase analfabetos e seguir em frente mergulhada em iliteracia. Talvez deva sentir-me culpada, à luz da moral judaico-cristã em que cresci; ou baste sentir-me bem com a consciência, por me ter empenhado até ao limite, pelos muitos outros que ajudei a crescer e honram hoje a Língua Portuguesa que me é tão cara.

O que me leva a dar o benefício da dúvida às Novas Oportunidades é um pouco o que me faz concordar com o novo Acordo Ortográfico. Para grandes males, grandes remédios. Parar é morrer ,e o mundo lusófono tem de unir-se para fazer frente ao mundo anglófono e hispânico, principalmente, sob pena de soçobrar como vem acontecendo já à francofonia, onde bebemos tanto da nossa cultura literária (e não só). As Novas Oportunidades não ensinam a ler ou a escrever, mas não parece que seja importante - como deixou de ser importante decorar a tabuada ou qualquer poema de Augusto Gil ou João de Deus. Nem tarda que as crianças deixem de usar a caneta – está aí o Magalhães! – pois só lhes é pedido que identifiquem a imagem da letra e carreguem numa tecla. Mais breve ainda, como os telemóveis já o fazem, carregando na primeira letra, o computador vai adivinhando, propõe, a palavra que se quer escrever. Resta-me esperar que as Novas Oportunidades despertem cada um para a necessidade de aprender, de se esforçar, de se cultivar, de usar as novas tecnologias para melhorar a sua vida e o seu bem-estar. Que alerte para a enorme responsabilidade de participar na res publica.

A Revolução dos Cravos falhou numa coisa importantíssima: quis acabar com os estratos sociais unificando a Educação. Só conseguiu afundar ainda mais o fosso que separa a nova elite dos «outros». Cumpre-nos agora ficar do lado desses «outros» e mostrar-lhes as pontes, as saídas possíveis. Para que não morram crisálidas e possam voar borboletas.

Fernando Pessoa, logo a seguir a dizer aquela frase tão badalada que me escuso aqui de repetir, acrescentou: «Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.»

Eu vou sentir Pessoa até ao fim dos meus dias.

Jawaa

*Publicado no blog pessoal

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