Uma nota ao texto do Clavis "Da vantagem do vegetarianismo..."
Não são muitas as pessoas que em Portugal têm na verdade uma dieta "à base de carne vermelha", a não ser que nisso incluamos as obscenidades que passam por hamburgueres, salsichas ou peitinhos de frango nas cadeias de fast-food. Mas essa é a ponta do iceberg de uma questão mais ampla.
Eu nasci num mundo em que a minha avó, que nunca ouviu falar de institutos de pesquisa, de vez em quando matava uma galinha e muitas vezes comprava umas sardinhas à peixeira da rua - mas o essencial da alimentação, por uma questão económica e por uma questão de saúde, era o trigo do pão e o leite da vaca (trazido pelos produtores), era o azeite e a batata, a couve e a fruta simples (e bichosa...) das árvores. Deve ser dramático ser um jovem urbano de hoje à procura de "causas" (mas não faltam elas - é verdade).
As alterações climáticas são outro tema que desde há muito (antes da moda lançada pelo Gore) me preocupa, e aliás ando há muitos meses a esquecer-me de publicar aqui um texto importante sobre isso. No contexto do post do Clavis, não devemos esquecer que a primeira alternativa que se apresentará ao consumo da carne será a monocultura intensiva da soja - enquanto se não desenvolver a produção industrial de plancton ou sintéticos. Vale a pena ler certos textos brasileiros sobre o assunto.
Por último (outra questão ainda) é certo que o vegetarianismo casa bem, digamos assim, com uma certa frugalidade de vida que sempre foi (justamente) considerada 'boa': o jejum ou a abstinência (alcool e carne), em várias formas e em diferentes graus, são conhecidos e recomendados por várias tradições espirituais, a ocidente e oriente. E a isso não é estranho o facto de o vegetarianismo como prática moderna ter sido introduzido na Europa por círculos ligados à Sociedade Teosófica ou à escola espírita de Kardec - curiosamente o mesmo público-alvo do anarquismo, da "protecção dos animais" e do cooperativismo, a pequena-burguesia urbana tão bem descrita por Marx (e, não por acaso, viveiro inconsciente mas não sei se inocente dos totalitarismos dos anos 30 e 40).
Dito isto, o que está centralmente em causa, do meu ponto de vista, é o de saber como conseguir retomar uma vida assente na vida, em vez de uma pseudo-vida (colectiva) assente nisto que temos, que é uma hiper-tecnologia material "compensada" por uma "fuga em frente" pseudo-espiritual; e esse, não outro, é o caminho que as sociedades ditas modernas estão a seguir (Portugal com elas).
E o fundamental é perceber que essa é uma questão muito diferente da de saber, em abstracto, se uma "vida simples" é ou não boa do ponto de vista ético, ou até a de definir rigorosamente, à maneira prescritiva dos teólogos, em que consiste essa 'bondade'. Quero dizer com isto que o problema prático não estará tanto nos fins como nos meios, e isso porque tendemos a esquecer, até ser tarde demais, as enormes consequências económico-sociais negativas de certas acções hipotéticas formalmente "boas" (como a de uma lei que proibisse o consumo de carne). As alterações radicais da sociedade têm um preço elevado - o momento da aterragem é um dos mais perigosos do voo.
No contexto deste blog, sinto-me tentado a esclarecer o óbvio: é claro que numa sociedade livre como a que talvez possamos fazer (e certamente desejamos activamente), as diferentes experiências de vida, quer se orientem para a imbricação em sistemas tecnológico-informaticos (ao género do Second Life..) quer se virem para a busca ou invenção de caminhos espirituais, só podem ser colectivamente (ou melhor: politicamente) encaradas da mesma forma simples com que o que devem ser as práticas, vivências e experiências afectivo-sexuais de cada um - uma zona privada, uma área de pura não-interferência da lei.
Mas se este princípio é simples de afirmar, deve ser notado - e normalmente também não o é - que a sua aplicação levanta complexíssimos problemas económicos, legais, éticos e sociológicos para os quais se deve evitar o recurso a uma fórmula simples voluntarista ou à "crença" numa predestinação ou ajuda mais ou menos "divina". Não creio que deva caber à lei combater o "pecado" (mesmo que seja o pecado pequenino e moderno da "obesidade"), e receio os profetas mais do que os pecadores. Receio, principalmente, os inquisidores que sabem onde mora o mal.
P.S. Um dos meus grandes amigos é vegetariano convicto - e come um hamburguer por dia. Está pronto a prescindir dele se alguém lhe duplicar o salário de quatrocentos euros por mês, ou se convencer o call-center a instalar-se ao lado de sua casa. Deixo aqui o apelo aos compassivos.
19 comentários:
:)
Beijinho... Casimiro.
As alucinações do Gore estão desmentidas por alguns dos melhores cientistas. Não negando a poluição, as alterações climáticas estão a corresponder a um período natural, e cíclico, da vida do planeta.
Agora vou lanchar uma tosta com queijo fresco e um sumo de laranja. Não sei que dieta será, o meu apetite é sem filosofia... :)
"receio os profetas mais do que os pecadores. Receio, principalmente, os inquisidores que sabem onde mora o mal."
Nem mais.
Beijinho, Casimiro! Grande texto.
Também gostei. Vou continuar a comer o meu peixe e a minha carne com a consciência tranquila. Foi assim que aqui cheguei e quero partir bem.
Já agora: também gosto de comer bifanas à porta dos estádios de futebol e sou adepto da Festa.
Eu pecador me confesso.
Abraço Casimiro.
Beijinho Clarissa. Saudades…
bem, Gore lá terá a sua agenda própria e não é completamente altruísta, não o neguemos...
mas o problema do Aquecimento Global, assim como os decorrentes do consumo regular de carne, especialmente, da dita vermelha.
Um e outro factor, apontam para a necessidade de uma alimentação tendencialmente vegetariana.
Quanto a totalmente... é diferente. Se não for bem feita, pode ter consequência fatais.
E aqui, como em tudo, há que ter cuidado com os literalismos ou os fanatismos, claro.
Eu nasci num mundo semelhante. Não sou é tão voluntariamente ignorante quanto às alternativas vegetarianas, nem quanto ao facto de que ninguém pretende a proibição do consumo de carne, mas sim a promoção de alternativas ao mesmo, para quem quiser.
Será que algo desta ordem pode ser privado, quando as consequências negativas do mesmo são públicas?
O resto é pura maldade elegante, na sua linha habitual.
Clarissa e Mariazinha, um beijinho retribuído.
Amigo Pires, eu passo na bifana mas só por causa do estádio :)
Clavis, obviamente. Venha a alimentação saudável, e as cidades e a economia que a permitam.
E - vejam como as coisas são: houve em tempos um grupo americano "pro-vida (animal)" que apenas pediu fosse feita UMA mudança na lei: que os matadouros passassem a ter paredes de vidro.
Eu essa votava a favor.
Tem graça, Paulo.
Lembrou-me uma frase do Corvo, (The Crow, o filme):
"E o diabo viu como é terrível a bondade".
Temos é de ir à bola.
Meu amigo, como calcularás, percebo tanto de vegetarianistas convictos que comem um hambúrguer por dia, como estes devem perceber o que é um belo peixinho.
Há uma palavra que se soletra, salvo erro, assim: equilíbrio. A uma pessoa que estuda, o equilíbrio não é algo que faça muita falta. Porém, a um transeunte, que é o que eu sou em relação a todas estas merdas e assim coisas parecidas a estas, equilíbrio tem um sinónimo: oxigénio. Ora, eu não tenho argumentos para contrariá-lo. Os que tenho são apenas instâncias de autoridade, como lhes chamava não sei quem, útil instrumento de vida que foi referido e esmiuçado num excelente texto do Eduardo Prado Coelho que li não sei onde, mas uma coisa te digo; ninguém coze peixe congelado como eu, é uma técnica que desenvolvi durante anos e anos, capaz de tornar o redfish mais baratuxo do Pingo Doce num sargo apanhado à cana no Cabo Espichel.
Não, não digo aqui, não quero na consciência o peso de ver alguém mudar as suas convicções.
Abraço.
Ó Casimiro, tu és um maldoso elegante? Isso é de deixar uma mulher perdida... :)
Beijinho, Pires.
;)
E qual o problema do anarquismo, da teosofia e do espiritismo? Serão piores do que ser liberal, gótico ou do Sporting? Pelo menos renovaram uma antiga e nobre tradição ocidental, a órfico-pitagórica, e reassumiram uma ética fundamental a respeito de todos os seres sencientes.
A parvoíce ou a maldade é pretender ignorar a nobreza dos fundamentos ético-filosóficos e espirituais do vegetarianismo e argumentar sociologicamente: para isso Marx já serve...
Se não conseguem ver mais longe do que a estreiteza do vosso antropocentrismo, paciência! O que porventura não suportam é que, numa perspectiva ética, são e serão eternamente derrotados. Há um mundo e um paradigma novo que desponta e vocês são e serão os eternos Velhos do Restelo, sem a sabedoria do camoniano. Fiquem com as vossas tradiçõezinhas tristes, divirtam-se à custa da dor de seres sencientes como vós e riam-se como alarves, para o aplauso das pin-ups pacóvias!
Beijinhos, tótós!
Comentário digestivo: faz rir, bem ao peito e à barriguinha.
E não pense vir meter-se comigo, porque eu também sou punk, e mais alta e forte que o Ruela, e tenho um moicano que vai até aos rins!
Cuidado com a soja meus queridos vegetarianos e vegan!
Só a soja bio de restrita procedencia ainda se aproveita.
Depois de muito estudar sobre alimentação parece-me que o respirovorismo é a anica solução acertada para se respeitarem os seres sentiantes.
Porque as plantas ate gostam de certas musicas e de que falemos com elas... alem de serem seres muitissmo evoluidos no Amor.
abraço MIL
E que ninguém venha dizer-me que este blogue não tem interesse...
Estou aqui para dizer que voltei a ler Oliveira Martins. Acho que é um ponto importante, pelo menos do meu ponto de vista, que gostava que fosse também o vosso, que pensassem, «porra, este gajo é espectacular, além de não estar muito gordo, ele lê Oliveira Martins, porra, espectacular»... Vivo com este receio, que me conheçam sem ter presente que eu leio Oliveira Martins. Já não é mau saber quem é Oliveira Martins, mas eu não me fico por aqui. Eu efectivamente leio Oliveira Martins, do principio ao fim e sei que ele tinha uma grande barba.
Dois ou três anos depois de ter lido Oliveira Martins pela última vez, é já com um sorriso despreocupado que descubro que continuo a não saber o significado de 13 palavras por página e que metade da informação que o coitado do Oliveira Martins supõe que eu já saiba ou absorva enquanto o leio, respectivamente, nem sonhe do que é que ele está a falar ou não entenda o que é que ele quer que eu perceba do que ele está a tentar dizer. Nada disto me impede, no entanto, por um lado, de o ler com prazer, por outro, que retire benefícios sociais de andar com um livro do Oliveira Martins.
PS: Outra coisa; não sou pessoa de me meter na vida dos outros, mas acho que o Sporting devia contratar 17 jogadores quando o mercado reabrir em Janeiro: dois guarda-redes, um defesa direito, um defesa esquerdo, três centrais, dois trincos, 4 extremos, um organizador de jogo, dois avançados e um caceteiro. Penso que não será necessário ir além disto.
De bola não percebo nada, mas sempre desenjoa...
Vou dormir que isto é só gente parva que confunde Portugal com o próprio cu e o quiche de espinafres.
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