A dialéctica é o suposto da possibilidade de uma relação inteligível entre os homens, o mundo e a natureza, contudo esquece-se vezes demais que o é também da possibilidade da concórdia no diálogo entre os homens. Esta concórdia não força ao acordo, porém obriga a um prévio compromisso com normas de civilidade, transparência e boa vontade, assim pretendendo afastar do diálogo as figuras torpes da retórica e os ardis lógicos deliberados. Em um debate não tem que haver concordância – nem tal será sempre possível –, mas o debate civilizado fundamenta-se na convicção moral, política e filosófica de que alguma forma de acordo poderá e deverá ser estabelecida.
Os homens são mortais e, apesar de poderem (e fatalmente o fazem) passar o testemunho das suas desavenças de geração para geração, nunca terão todo o tempo do mundo para a paz, a sabedoria e a edificação de uma sociedade justa e racional.
Ter adversários é o cinzel que esculpe o rosto espiritual de um homem. Somente quem nunca tentar ser, poderá passar sem oposição pelo mundo.
Um adversário não tem que ser um inimigo, se um prévio compromisso for cumprido. Esse compromisso é a forma maior da concórdia, aquela que persegue os anseios mais altos da vida do espírito e o comprometimento histórico e existencial para com a civilização humana.
Um adversário, no sentido nobre e enquanto tal, assume o compromisso de honra de respeitar a casa ética e o carácter moral (é intencional esta pequena redundância com a etimologia) do outro. Em termos simples, esse compromisso diz: “Não farei dano à tua família, não perseguirei os teus amigos e tudo o que amas terá o meu respeito.” Ou, se se quiser, numa forma mais antinómica, paradoxal e dramática: “Não concordo contigo e, no entanto, não pretendo a tua destruição.”
Todo o debate que não respeite estas fronteiras éticas, que são a forma mais simples da permanência da vida espiritual no tempo, estará sempre do lado das forças, ocultas e manifestas, da selvajaria que conspira para o fim da História.
Pouco sabemos, somos homens, criaturas mortais, imperfeitas e toscas, como um pedaço de barro que Deus não terminou de modelar. Tantas vezes uma forte convicção é uma persistência no erro, tantas vezes uma mera afirmação de si, uma volição primária do instinto de sobrevivência, anímico e corpóreo, tantas vezes desespero.
O homem sensato, mesmo no âmago mais desprotegido da sua vulnerabilidade, contudo, e se alguma sabedoria alcançou, reconhece que nenhuma luz é luz, nenhuma treva é treva, para um coração iluminado.
1 comentário:
Aqui está um texto sensato e bem adequado ao momento farfalhante que por aqui se vive entre birrinhas e amofinices.
Que belo exemplo de impaciência dão entretanto estes senhores, para não dizer de completa falta de paciência. Talvez isso fosse exigir demasiado.
Enfim, mais adequado lhes caberá talvez outra fatiota, mais largueirona porventura, mas mais conforme com a expressão de enfado e de "falta de pachorra" que em tudo agora manifestam: perante que lhes chame a alguma atenção.
Sintomático, tristemente, numa causa que se quereria bem aguilenha... de vista alta, penetrante e larga
Grato pelas palavras:
"Nenhuma luz é toda a luz"!
Será que estão por aqui com as cornetas de surdez na ouvideira?
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