As nossas indecisões nascem das nossas perplexidades. Que se faz, quando não sabemos o que fazer? Mas fomos nós próprios que nos colocámos nesta situação. Obviamente, manipulados, como se as coisas fossem aquelas que nos apresentavam. O resultado está à vista. Somos pertença de uma casta que se alterna no poder e asfixia-nos com decisões erradas e sem nenhuma preocupação pelo nosso futuro. Conhecemo-nos cada vez menos. Vendem-se muitos livros e raciocina--se pior do que há anos, e através de fórmulas infantis. Basta ouvir aqueles que, todos os dias, nos fazem ouvi-los para se entrar no tédio maciço do desencanto.
Olhe só para isto: batucam nas nossas mentes a ideia de que somos Europa, conviemos à Europa, dependemos da Europa. Nada sabemos da Europa. Mas já soubemos quem era quem na Itália; seguimos de perto a edição dos livros de Vittorini, de Pavese, de Carlo Bo, de Morávia, de Pratolini; conhecíamos os filmes e os nomes, tomávamos partido por este e por aquele, deixávamo-nos influenciar pelas polémicas. O mesmo sucedia com a Espanha, com a França, com a Alemanha e, até, com a cultura dos países escandinavos. Hoje, ignoramos tudo, ou quase. A Europa é-nos um mistério que se aprofunda. Viajamos mais e conhecemos menos, para retomar a cínica fórmula de Savater. Mas também a literatura, o teatro, o cinema e a vida norte-americana acicatavam a nossa curiosidade. Era a grande época de Hemingway, de Faulkner, de Sherwood Anderson, de Caldwell (que esteve em Portugal); e de todo aquele manancial de cinema. A saga dos resistentes ao macartismo foi, também, a nossa saga. Pessoalmente, possuo uma enorme biblioteca desses contemporâneos capitais. Revisito-os com a ânsia de um velho caçador de textos. Não fora, ocasionalmente, a coragem (digamos assim) de editoras quase marginais, que desejam preservar a liberdade num mundo caracterizado pelo conformismo e pelo lucro, desconheceríamos, por completo, as culturas de quase todas as nações europeias.
Que Europa é esta? O poder fundou a sua pretendida legitimidade na ideia da irreversibilidade do capitalismo. E a Europa é um imensíssimo território de negócios, nascido de uma lógica "comunitária" que despreza os aspectos culturais, sociais e humanos. A cobiça, a ganância, o lucro definiram o corpo social, político e económico do projecto. Não foi necessária a criação da União para sermos europeus. A Europa era uma cultura antes de ser Estados e nações. E o curioso, actualmente, é que os europeus nunca tiveram tanta consciência do seu número, e, ao mesmo tempo, tanta dificuldade em se "agrupar".
Dá para reformular a famosa frase de Georges Arnaud, n'O Salário do Medo, sobre a Guatemala: a Europa é um sítio que não existe; eu vivo lá.
Baptista Bastos
Diário de Notícias
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