Injusto aquele que dizia da sua minúscula casa: "Mandei-a construir para receber todos os meus verdadeiros amigos..."
O que é que esse empecilho pensaria dos homens? Eu cá, se quisesse construir uma casa para os meus verdadeiros amigos, nunca a conseguiria construir grande demais. Não sei de homem algum neste mundo que pelo menos em parte não seja meu amigo, por muito pequena ou fugidia que essa parte seja. Se fôssemos capazes de distinguir nos homens, eu até conseguiria descobrir um amigo naquele a que mando cortar a cabeça. Até mesmo naquele que aparentemente me odeia e, se pudesse, me mandaria cortar a cabeça. E não julgues que se trata de enternecimento fácil, nem de indulgência, nem de desejo vulgar, nem de simpatia vulgar, porque eu permaneço inflexível e silencioso. Mas que numeroso é o meu amigo esparso, e como encheria bem a minha casa, se eu o ensinasse a caminhar! (...)
O outro, que fez? Tinha um amigo que lhe fazia presentes de amor. Vai ele e transforma esse presente em dever. E a dádiva do amor tornou-se dever de beber cicuta, tornou-se escravatura. O amigo não gostava de cicuta. O outro deu-se por desiludido, o que é ignóbil. Efectivamente, só pode haver decepção relativamente a um escravo que serviu mal.
Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela (trad. de Ruy Belo)
1 comentário:
Essa casa já está construída: chama-se universo e, como sabemos, não tem limites.
Abraço
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