Não há meio de ver resolvido o impasse da eleição do Provedor de Justiça. Por mais que tentem atinar com a coisa, os nossos ilustríssimos representantes não atinam com um nome capaz de libertar o actual Provedor da situação ultrajante a que foi conduzido. E note-se que o cargo tem sido exercido com elevação e com um profundo sentido de dever, o que deveria ter levado a que os partidos tivessem manifestado um comportamento à altura desse desempenho.
O comportamento do Parlamento, sob a batuta dos directórios partidários, neste caso como noutros de igual gravidade, mostra que o actual figurino do nosso regime parlamentar carece duma profunda reforma, capaz de atrair deputados melhor preparados para as suas funções de representação (e aqui seria bom que os cidadãos pudessem ter acesso ao exercício desse mandato, sem terem que se submeter ao vitupério aparelhístico, castrador e fomentador da produção dessa espécie de desenraizado social que milita, desde os rubores pubertários, nos redis partidários e se torna, por essa via, pau para toda a obra, ou melhor dizendo, boy, ou girl, para todo o Job). Que Job me perdoe esta referência estrábica… Mas Deus deu-lhe paciência de sobra para aguentar qualquer bordoada… É o português dianoético, caído aos trambolhões, por erro de casting, certamente, como agora se diz, do céu dos arquétipos para se estatelar em meia dúzia de páginas bíblicas, venerandas, sem dúvida, mas de fraco alcance moral (há que enfardar sem piar, para que o Todo Poderoso possa fazer da nossa vida um silogismo da Sua omnipotência).
Neste sentido, Job foi um Provador: sujeito a mil provações, e veja-se que não dum mafarrico, mas do próprio Deus (quem poderia ser mais perverso que o próprio Bem?), sofreu tudo assumindo o misérrimo papel de agente de consumação duma redutio ad absurdum (e note-se muitos séculos antes da incubação do Doutor Angélico no ventre de sua mãe) da própria injustiça divina. Deus é tão justo que pôde, sem sombra de sadismo, e sem qualquer pingo de masoquismo por parte do seu servo, cometer toda a espécie de injustiças, no imaculado exercício da sua majestade.
Ora o que se deveria fazer, para resolver o impasse a que chegaram os nossos ilustríssimos, era procurar um português-tipo, uma espécie de personificação do Zé Povinho e nomeá-lo, não Provedor, mas Provador da Justiça. A sua função seria provar que a Justiça existe em Portugal. O seu mandato não teria termo, nem que para isso se tivesse que recorrer às artes da mumificação (já em uso nalguns partidos políticos que tentam, a todo o custo, tornar fotogénicos os seus líderes – e note-se aqui a generalização que, para além de ficar bem, não nos faz cair na chalaça de mau gosto, por ser dirigida ad hominem, salvo seja).
Eu arriscaria o nome dum antigo presidente dum clube português, cujo nome não cito pela sua insignificância no panorama futebolístico português, que pelo menos já provou que a Justiça portuguesa tem uma paciência de Job.
E como seria feita a eleição? Num dos dias mais concorridos do ilustríssimo plenário, levava-se os três deputados a uma sala e eles, aí, colocariam um papel numa urna com o nome do Provador eleito. No dia seguinte, depois de escrutinados os votos, informar-se-ia o país de que já havia um Provador e pronto.
E, depois, podia-se deixar os membros do ilustre eleitorado livres para irem twittar para a sala do hemiciclo.
2 comentários:
Gostei
era pontapé definitivo na saga provedora
abraço
Era também para denunciar aqui essa (vergonhosa) situação. Como já está feito, e bem...
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