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No primeiro Caderno desta série, ALIMENTAÇÃO HUMANA, defende essencialmente, Agostinho da Silva, duas teses. A primeira, a de que “o problema da alimentação humana se não pode resolver sem um entendimento internacional que permita racionalizar a produção agrícola: é deprimente para a inteligência do homem que produza fruta um país que tem condições óptimas para trigo e que se dê o contrário num país de pomares, que se deixem desaproveitados extensos terrenos ou expostos à erosão outros que seriam preciosos, que se esteja ainda arriscado, depois de todo o progresso científico, ao perigo das fomes; uma comissão directiva internacional estabeleceria para todo o mundo as formas e quantidade de produção e regularia as trocas necessárias para que em toda a parte as populações tivessem ao seu dispor os recursos alimentares indispensáveis”[1]. A segunda, a de “deve haver equilíbrio* entre os elementos constituintes da ração: equilíbrio entre proteínas de origem animal e de origem vegetal, porque se corre certo risco, confiando apenas nas últimas; equilíbrio entre gorduras de origem animal e de origem vegetal, embora aqui a necessidade seja menos imperiosa; equilíbrio entre os elementos ácidos e os elementos alcalinos; equilíbrio entre as vitaminas; equilíbrio entre princípios energéticos e princípios não energéticos”[2]
No segundo, SÓCRATES, ainda que salvaguarde a dificuldade de diferenciar Sócrates de Platão, desenvolve, entre outras, a tese de que, “com a posse da ciência, ou antes, com o ser ciência, ganhou o sábio, segundo a opinião de Sócrates, uma superioridade incontestável sobre os outros homens e uma felicidade perfeita; o sábio salvou-se e parece que deveria agora isolar-se para gozar a sua perfeição, sem que a sorte dos outros homens pudesse preocupá-lo; não é, porém, o que acontece e o sábio acorre a tentar a salvação dos outros, tendo nós, portanto, que procurar averiguar por que motivo o faz; se a sua felicidade é perfeita, nada o devia solicitar à acção, a não ser que haja na textura da própria inteligência universal uma força que o leve a agir: essa força existe e é o amor; segundo parece, não podemos tomar como socrática a teoria do amor que Platão desenvolve no Banquete, mas talvez haja nela elementos que provenham de Sócrates”[3].
No terceiro, A VIDA E A ARTE DE REMBRANDT, salienta-se sobretudo, a vontade de viver: “o mundo que vai criando Rembrandt é um mundo que afirma um direito de viver e que na vida se deleita”[4].
No quarto, APICULTURA, começa, desde logo, Agostinho da Silva, por reconstituir o processo histórico da exploração das abelhas: “Como acontece ainda hoje em alguns povos selvagens, a exploração das abelhas nos tempos mais recuados da humanidade deve ter sido puramente casual; o homem teria descoberto que as abelhas fabricavam e armazenavam o mel e procederia à colheita pelos métodos primitivos que se usam em certas regiões da África e da América do Sul: os enxames eram destruídos pelo fogo ou pelo menos afastados e fazia-se uma pilhagem total das reservas das colmeias. Depressa, porém, se reconheceu que o método era absurdo porque diminuía as facilidades de recolha; o número de enxames destruído era tão elevado que a abundância de abelhas diminuía, mal satisfazendo as necessidades das tribos; houve então alguém que se lembrou de ver se era possível recolher o mel sem matar as abelhas nem destruir o cortiço; o corte do tronco de árvore onde o enxame habitava, munindo-o depois de um fundo e de uma tampa, deveria ter fornecido a primeira colmeia; para fazer a cresta ou colheita do mel bastava levantar a tampa da colmeia, afugentando previamente o enxame, e cortar os favos que as abelhas tinham construído; a princípio cortavam-se todos e parece que bastante tempo deve ter decorrido antes de se compreender que o mel era necessário para sustento das abelhas durante o Inverno. Este tipo primitivo de colmeia foi transmitido de geração a geração e é ainda hoje, com pequenas modificações, o que vulgarmente se usa”[5].
No quinto, HISTÓRIA DO JAPÃO, destaca, entre outros aspectos, e a propósito da relação do Japão com o Ocidente, que “o japonês era muito diferente do chinês, do hindu, do malaio ou do negro, que tinham sido até aí as vítimas dos empreendimentos europeus: uma viva inteligência, uma vontade inquebrantável iam mostrar dentro em pouco ao ocidental que a sua política chamada realista não fora talvez a mais hábil que poderia ter adoptado”[6].
No sexto e último, AS VIAGENS DE LIVINGSTONE, estamos, uma vez mais, perante um “herói agostiniano” – daí, nomeadamente, estas passagens, qual delas a mais eloquente: “não havia quem o vencesse em paciência e tenacidade; quando todos os outros desanimavam na tarefa, ante os obstáculos internos ou externos, David, sem uma irritação, sem uma impaciência, tão naturalmente e tão fortemente como uma água que corre, ia enchendo o seu caderno de escrita ou resolvendo os seus problemas, sem pensar sequer em que poderia haver para ele qualquer espécie de abandono; para aquele mocinho o dever já não era nada de exterior ou de imposto pelas normas da escola: era uma identidade com a sua natureza, uma força que lhe agia no sangue e nos nervos e o levava, como um aço agudo, sem a mais leve hesitação, a cortar tudo quanto lhe aparecesse pela frente”[7]; “A confiança que tinha em si próprio e que raríssimas vezes o abandonaria na vida fazia que vencesse todos os contratempos, todas as oposições que não podia deixar de encontrar; era um sentimento de segurança na vitória, uma certeza de que fora escolhido para uma missão e de que todo o adversário, coisa ou pessoa, apenas viera ao mundo para lhe dar maiores possibilidades e nunca poderia entravar, fosse no que fosse, o que de essencial tinha a fazer; não havia, portanto, que se desistir ou cair em desânimo: eram atitudes boas para quem se via no mundo como num combate de forças iguais em que há perder e ganhar; mas ele não: um espírito supremo o encarregara de realizar uma tarefa e então era como os homens antigos que tinham sobre si a mão de Deus e que nenhuma lança trespassava, que nenhuma intriga enredava; quem se opusesse cairia batido, só poderia contribuir para a glória das suas ideias, para o triunfo da sua causa de amor e de progresso; ora, em quem se bate consciente de uma superioridade esmagadora nada pode existir senão a serenidade (…)”[8]; “com Livingstone as derrotas serviam apenas para o ajudar no seu caminho; eram, por um lado, os tónicos que lhe fortaleciam ainda mais a vontade, por outro lado as experiências que lhe alargavam as possibilidades de acção”[9].
[1] Alimentação Humana, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 12.
[2] Ibid., p. 14.
[3] Sócrates, Lisboa, Edição do Autor, 1943. Saliente-se aqui, uma vez mais, a valorização da acção*.
[4] A vida e a arte de Rembrandt, Lisboa, Edição do Autor, 1943, p. 12.
[5] Apicultura, Lisboa, Edição do Autor, 1943, p. 3.
[6] História do Japão, Lisboa, Edição do Autor, 1944, p. 15.
[7] As viagens de Livingstone, Lisboa, Edição do Autor, 1944, p. 4.
[8] Ibid., pp. 7-8.
[9] Ibid., p. 16.
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