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No primeiro Caderno desta série, A VIDA DE NANSEN, reconstitui, Agostinho da Silva, a vida deste cientista e político norueguês, que se notabilizou por, enquanto delegado do seu país na Liga das Nações, ter criado um passaporte para os refugiados – tendo recebido, em virtude disso, o Prémio Nobel da Paz em 1922. Nesta sua Biografia, Agostinho salienta sobretudo o seu heroísmo, a sua perseverança, a sua confiança no futuro: “tem a certeza de que pode mais, de que será capaz de fazer melhor, de que o lugar atingido não é mais do que um degrau da imensa escada que lhe falta subir; põe longe o ideal, talvez mesmo já o veja inatingível; mas tem em si confiança suficiente para querer aproximar-se cada vez mais do ponto que se marcou como limite; e também um firme orgulho que o leva a não se contentar com os triunfos que satisfazem o vulgar”[1]; “tudo estava em saber se poderia algum dia atingir-se esse ideal, se a humanidade não está condenada a levar sempre a mesma existência de pavores e desastres; Nansen não o crê, Nansen confia nas possibilidades humanas de vencer as crises, de dominar tudo o que parece uma fatalidade no mundo e de saber lançar os fundamentos de uma vida realmente digna de homens”[2].
No segundo, O PLANO DALTON, defende, uma vez mais, Agostinho, contra o ensino massificado, o ensino individualizado: “segundo as ideias novas que iam ganhando vigor no espírito de Miss Parkhurst, o aluno na escola é um indivíduo, não apenas um dos componentes da massa ensinável, e um indivíduo que tem de ir para a vida sólido de saber e de carácter, bem orientado, para que seja útil, e disposto a olhar com inteligência a organização em que entra, a sentir-se colaborador humano, consciente, não simples peça de um mecanismo, além de tudo absurdo; e, exactamente porque o tratam como indivíduo, ele será o mais apto, dentro da escola e fora dela, para o trabalho de grupo, para a tarefa de colaboração que vai sendo cada vez mais necessária no mundo; é de escolas tratadas como massa que saem os egoístas capazes, pela qualidade e pelo número, de transformar a vida na batalha de interesses, tão pouco humana, tão pouco inteligente”[3].
No terceiro, AS COOPERATIVAS, saliente-se a crítica que Agostinho da Silva, em prol do cooperativismo*, faz do sistema capitalista*, reconhecendo, contudo, todo o seu papel histórico no "avanço da humanidade": “É característica do sistema económico que tornou possível o avanço da humanidade, até o ponto em que hoje nos encontramos, a concorrência, cujo resultado favorável para o indivíduo se exprime pelo lucro; nenhuma das grandes conquistas do homem no domínio da técnica se teria podido fazer sem o sistema de propriedade individual dos meios de produção e de transporte e, portanto, sem a existência do lucro; pelo sacrifício, aos milhões, dos mais fracos de inteligência ou de corpo se salvaram e puderam viver os que tinham as qualidades de iniciativa, de audácia, de persistência que podiam assegurar o triunfo longínquo; as técnicas da produção eram tão rudimentares que uma propriedade comum, com distribuição equitativa, seria a miséria para todos, o estancar definitivo de todo o impulso de avanço; as exortações de Cristo, seguidas integralmente na época em que as fez — ou até há pouco tempo — teriam significado o desaparecimento das possibilidades de uma vida mais bela e mais forte, teriam significado que nunca mais o reino divino que Jesus pregava se teria podido estabelecer na terra”[4].
No quarto, O SOL, nada há a salientar – apenas, uma vez mais, um impressionante trabalho de Agostinho da Silva na recolha de dados científicos, inclusivamente sobre “as relações existentes entre os fenómenos solares e os fenómenos terrestres”[5].
No quinto,GOETHE, Agostinho da Silva apresenta-nos um retrato ambivalente, que não apenas exalta os aspectos mais positivos como também os menos – nomeadamente, o seu “conservantismo”. No entanto, como ressalva o próprio Agostinho, “apesar de todo o seu conservantismo, Goethe, no Segundo Fausto (1833), mostrará como Deus salva os que, através de todos os enganos e até de todos os crimes, tiveram a virtude suprema de se não deixar perder na apatia, de se não arrastar molemente pela terra”[6].
O sexto e último, O CRISTIANISMO, é, como é sabido, um dos textos agostinianos que mais polémica causou na época, nomeadamente junto da imprensa mais conservadora[7]. O que, convenhamos, não surpreende, dado o retrato “revolucionário” que Agostinho nos dá da figura de Cristo*, inclusivamente em comparação com Buda*: “Buda fala dos problemas que existiriam, mesmo para o homem que tivesse toda a parte material da sua existência perfeitamente resolvida: ele próprio é um príncipe que tem tudo quanto quer e que tudo abandona porque sente o trágico da vida, de uma vida que é trágica exactamente porque é vida; a acção, por consequência, aparece como um mal para o Buda; o que encontramos em Cristo é bem diferente: Jesus vem dos pobres, é um deles, e interessam-no pouco as questões metafísicas, como o interessam pouco as questões morais que não signifiquem uma ajuda para o estabelecimento do Reino; a piedade, o amor do próximo, são em Buda uma consequência da vanidade e da dor de viver: deve-se ser bom para tudo o que existe, porque tudo sofre de existir; a piedade de Jesus, o amor que ele reclama são uma força revolucionária, neste sentido de que hão-de apressar a vinda do mundo divinizado: se o rico amasse o seu irmão, pensa Jesus, as riquezas igualmente distribuídas dariam para todos e o mundo seria feliz; mas Buda, ao abandonar a riqueza, não o faz por amor aos outros: sendo pobre sofre menos, porque vive com menos intensidade. Exactamente porque não anseia por nenhum modelo do mundo, mas quer abolir o mundo, exactamente porque não tem de apontar aos homens um padrão de existência e uma esperança de protecção, mas o Nada, Buda não precisa de Deus; em Jesus ele aparece continuamente e tão presente em tudo, nos céus, na terra, nas plantas e nos meninos, que quase poderíamos falar num panteísmo, se, por outro lado, Jesus não mantivesse firme a ideia de um mundo absolutamente distinto de Deus; o que é certo, no entanto, é que o Deus de Cristo não aparece definido com clareza; a ele, que vem pregar uma transformação social, basta-lhe a ideia de um Pai, Senhor do mundo, Criador dos homens, extremamente bondoso e extremamente justo, que ajudará seus filhos a possuírem o Reino e castigará os que se opuserem à vitória dos pobres; quanto ao resto, Deus é a um tempo pessoal e impessoal, transcendente e imanente, e ficam por resolver, até, nalguns casos, por tocar, problemas ligados ao de Deus e tão importantes como o das relações entre o homem e o espírito divino, o do bem e do mal, o do livre arbítrio e do fatalismo, o da conciliação de uma suprema bondade com uma suprema justiça”[8].
[1] A vida de Nansen, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 4.
[2] Ibid., p. 18.
[3] O plano Dalton, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 6.
[4] As Cooperativas, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 6.
[5] O Sol, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 20.
[6] Goethe, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 21.
[7] Ver, a esse respeito, o nosso estudo: Perspectivas sobre Agostinho da Silva na imprensa portuguesa, Lisboa, Zéfiro, 2008, pp. 28-32.
[8] O Cristianismo, Edição do Autor, 1942, pp. 14-15. Veremos que depois, quanto à figura de Buda e ao budismo em geral, haverá uma mudança de perspectiva.
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