A epígrafe aplica-se também a outros áreas da actividade humana.
"Sobre a Gripe Suína (2009)
Informação de um virologista sobre a emergência de uma nova epidemia de gripe no México.
A gripe
Provavelmente só porque é fim de semana é que os meus amigos, conhecendo-me como virologista, ainda não me questionaram sobre a gripe "suína". Infelizmente, o termo é errado. No caso da gripe aviária que apareceu há poucos anos, houve infecção de algumas centenas de humanos, mas sem que o vírus pudesse passar desses humanos a outros. Agora é diferente.
De suína, esta gripe só tem a origem. De facto, ela é bem humana. Na história da gripe, o aparecimento das grandes epidemias mundiais (pandemias) foi quase sempre por adaptação ao homem de vírus suínos da gripe. Por isto, as expectativas em relação ao vírus aviário H5N1 (sigla que identifica os dois principais antigénios do vírus, e que definem se temos ou não imunidade contra ele) eram a de, com alguma probabilidade, na situação do Extremo Oriente de grande concentração conjunta de aves, porcos e humanos, o vírus aviário H5N1 passar para o porco e deste para o homem, adquirindo capacidade de transmissão homem a homem.
Afinal, como tantas vezes acontece na emergência de novos vírus, a situação foi surpreendentemente diferente. O que aparece é um novo vírus humano - insisto, humano, transmissível de homem a homem – com origem no porco mas no outro lado do globo, no México. Também não é um H5N1 e por isto, como eu e muitos escrevemos na altura, era tolice investir em vacinas contra um vírus que ninguém sabia o que viria a ser - mas sim um H1N1, desaparecido da história da virologia há quase um século. Foi o tipo de vírus que causou a terrível pandemia de 1918, a espanhola, que matou mais gente na Europa do que a guerra mundial que tinha terminado pouco antes. É certo que tem havido, nos últimos invernos, algumas infecções com H1N1, mas não é o tipo hoje mais vulgar e nada garante que o novo vírus seja neutralizado por vacinação com os últimos H1N1 circulantes.
Hoje, os dados oficiais mexicanos revelam cerca de 1300 infectados com 81 mortes, uma taxa de letalidade já considerável. Também já há casos nos EUA. O que significa isto? Não quero ser alarmista, mas os meus leitores têm o direito ao que de mais objectivo eu, especialista, possa dizer.
Considero uma situação muito preocupante, porque estamos perante condições muito diferentes do que eram as tradicionais na emergência de novas pandemias de gripe. A sua origem não é em zonas rurais da Ásia mas sim numa área metropolitana de 20 milhões de pessoas, em estreito contacto favorecedor de transmissão por via respiratória. Em segundo lugar, os vírus hoje viajam de avião. Finalmente, como disse atrás, trata-se de um tipo de vírus contra o qual há dezenas de anos que não há qualquer resistência imune nem há vacinas rapidamente disponíveis.
Que fazer, em Portugal? Para já, a nível individual, nada. A nível das autoridades de saúde, vigilância, controlo a nível de medicina das viagens, planeamento desde já de condições de hospitalização e isolamento de milhares de possíveis doentes (atenção, vai ser a esta escala, transformando a FIL em hospital). O que faria agora eu, como indivíduo? Obviamente, cancelar qualquer viagem marcada para o México ou para o sul dos EUA. Informar-me junto do meu médico sobre todos os sinais de alerta, os sintomas da gripe, que muita gente confunde com os de uma vulgar constipação. Se começar a haver casos em Portugal, usar máscara, deixar de frequentar locais com muita gente, isolar em casa, como prisioneiros, os nossos pais septuagenários. E, se a religião ajuda, rezar frequentemente.
Mas também ter em conta que o mesmo progresso e actual modo de vida que nos vai trazer o vírus de avião também vai permitir o diagnóstico muito precoce da doença, a produção limitada mas razoável de medicamentos e de vacinas.
P. S. - Já imagino o que vai haver por aí de pânico em relação ao consumo de carne de porco! Mesmo que a gripe fosse suína, não era pela carne que se transmitiria. Mas, como chamei a atenção, "suína" é neste caso uma referência enganosa, tem a ver só com a origem. Quem a vai ter são os humanos, não os pobres suínos.
P. S. (21:30) - Últimos dados (não confirmados nos "sites" oficiais): cerca de 20 casos nos EUA, detectados já alguns casos no Canadá, no Japão e na Nova Zelândia. (27.4.2009, 11:30) - Também alguns casos (1 confirmado, 17 suspeitos) já aqui ao lado, na Espanha. 23.4.2009
Prof. João Vasconcelos Costa
Doutor e agregado em Medicina (Microbiologia)"
6 comentários:
Bem, com o devido respeito pela sua especialização tenho que agradecer em primeiro lugar os seus esclarecimentos profissionais. No entanto, e como engenheiro (logo com a devida compreensão por quem é leigo na matéria), tenho tido muitas dúvidas e por isso venho colocar-lhe algumas questões porque as notícias veiculadas deixam muito a desejar do ponto de vista da chamada racionalidade básica. Quanto a mim não se trata de uma pandemia mas de um “pandemónio”!
Deste modo aqui vão as minhas questões:
- Quantas pessoas fazem um pequeno exame histórico para se lembrarem da fraca capacidade imunológica dos índios ou descendentes de índios para a gripe que foi trazida pelos europeus no tempo das conquistas espanholas?
O que para eles é uma pandemia, não passa para nós, de um incómodo que pode durar uma ou duas semanas necessitando quanto muito de uns antibióticos ou de uma aguardente com mel e limão! Refiro-me como é óbvio a pessoas fora dos grupos de risco (idosos, pessoas com imunodeficiência, crianças, etc...). Curiosamente as mortes são de mexicanos e de emigrantes mexicanos nos EUA!!!
- Porquê que mudaram apressadamente o nome de gripe suína para A e H1N1? E se muitas das mutações de gripes anteriores tiveram lugar nos suínos, porquê que só agora se lembraram de dar este nome?
- Se começou por ser uma infecção que teve início nos porcos, porque é que não vimos instalações inteiras a serem fechadas, os suínos a serem postos de quarentena ou mortos tal como aconteceu com antes com as aves ou com as vacas loucas?
- Porque é que as infecções se deram justamente nas cidades e não nas zonas e nos funcionários da suinicultura, já que o vírus não se propaga na carne morta e o contacto com tais animais no ambiente urbano ou nos resorts turísticos é no mínimo improvável?
- Sabendo que hoje existem observatórios de epidemias em áreas de potencial perigo e com vigilância apertada em tempo real em todo o mundo (todos os dias com mapeamento do globo e com zonas demarcadas das doenças e vírus por região), que podem limitar com devido tempo a propagação de um vírus como o Ébola, como é que deixam escapar uma gripe suína? Se é assim o que estão a fazer?
- Como é que se podem escrever notícias que ferem o sentido de racionalidade como "Já morreram no México 203 pessoas provavelmente devido ao vírus da gripe suína, apenas duas pessoas confirmadas". Como é que profissionais de saúde que tenho por pessoas de um elevado sentido crítico e capacidade intelectual podem entrar em pânico com notícias como esta?
- Como é que se pode suspeitar de que uma dada pessoa esteja “provavelmente” contaminada sem se terem feitas análises laboratoriais? Há algum sintoma particular tipo “espirro seguido de um ronco suíno”? (peço desculpa pela brejeirice)
- O que é que me assegura que as máscaras que distribuem não estão também infectadas, já que quem as distribui (como pude verificar pela televisão) as transporta na mão sem estarem em invólucros fechados ou esterilizados?
- Como podemos confiar nas vacinas, sabendo que elas são responsáveis pelas mutações do vírus, mexendo com a lei básica da natureza da evolução das espécies?
- Já pensaram que se for mais um flop (eu acho que é) como a gripe das aves, poderemos correr o risco da OMS sair descredibilizada e com isso uma futura pandemia "um surto a sério" poder ser realmente devastadora para a Humanidade? Não serão genocidas quem coloca este tipo de notícias que visam apenas e só o lucro de alguns?
Agora deixo uma última pergunta, quanto a mim, mais importante e mais conclusiva sobre a responsabilidade deste aparato publicitário:
Quem beneficia com toda esta história?
p.s. tenho dois amigos médicos (por sinal chefes de equipas em dois hospitais de renome deste país) que se riram quando lhes falei da pandemia e me perguntaram se sabia quanto é que a Roche estava a ganhar com a coisa...
Também não é um H5N1 e por isto, como eu e muitos escrevemos na altura, era tolice investir em vacinas contra um vírus que ninguém sabia o que viria a ser - mas sim um H1N1, desaparecido da história da virologia há quase um século. Foi o tipo de vírus que causou a terrível pandemia de 1918, a espanhola, que matou mais gente na Europa do que a guerra mundial que tinha terminado pouco antes."
Não sou adepto das teorias da conspiração, mas pergunto-lhe como é que um virus de 1918, o H1N1 e que foi "vencido" pela medicina reaparece hoje, exactamente no méxico (onde causa mais danos do que causaria na Europa pela imunodeficiência característica dos nativos índios).
Não haverá por aí uns "suínos" de laboratório a fazer experiências indevidas e que possam ter corrido para o torto??? Não era a primeira vez...
Além disso a consequência disto tudo não é estimular a economia e reduzir a população improdutiva, "os comedores inúteis" do H. Kissinger...
Caro Eurico,
de facto, há perguntas que são mais importantes do que respostas.
Concordo com a essência do que diz. Daí a epígrafe que uso.
Mais: quando diz "- Como podemos confiar nas vacinas, sabendo que elas são responsáveis pelas mutações do vírus, mexendo com a lei básica da natureza da evolução das espécies?" recorda-me o que tenho dito: de que vale a ciência sem a ética, de que vale o progresso sem a consciência de que se trata de um diálogo com a natureza e não de um domínio?! Isto porque nós somos parte da natureza!
Um abraço, Eurico.
Embora nao seja adepto da Teoria da Evoluçao de Darwin (pela particularidade de que nem todas as mutaçoes sao evolutivas), usei-a pelo facto de ser cientificamente aceite. No entanto as mutaçoes sao provocadas pela necessidade de sobrevivencia do organismo virus contra a possibilidade de aniquilaçao...
Para ser mais honesto estou entre o criativismo e o evolucionismo face à envolvente segundo o principio da energia minima. Os organismos adaptam-se nao para ficarem melhores mas para consumirem o minimo de energia necessaria à sua sobrevivencia.
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