Citar vem do latim: citare. Referir ou transcrever (um texto) em apoio ao que se afirma, segundo o dicionário. Mas, se a língua favorece os tagarelas e soneteiros, os que falam pelos cotovelos e abusam da linguagem porosa, quantas palavras imprecisas, ditas ao vento, são necessárias para descrever o silêncio? "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar", sintetizou o filósofo Wittgenstein.
Toda citação maior é uma espécie de pensamento lúcido, fragmento condensador de uma possível beleza-verdade, farol que ilumina o mundo em ruínas. A citação é nuvem "onde o sol cala", como no Inferno de Dante: "No meio do caminho desta vida/ me vi perdido numa selva escura,/ solitário, sem sol e sem saída".
Jorge Luis Borges era um escritor pródigo em citações. Reescreveu argumentos, lendas e fantasias deste e de outros séculos. No ensaio intitulado "Livro", Borges anota que, "certa vez, perguntaram a Bernard Shaw se ele acreditava que o Espírito Santo havia escrito a Bíblia. Ele respondeu: Todo livro que vale a pena ser relido foi escrito pelo Espírito Santo". A bíblia não é nada mais do que um mosaico de citações, sermões e parábolas.
Muitos leitores acreditam que os citadores são pensadores originais. Lucrécio achava que "nada pode ser criado a partir do nada". Já André Gide, por sua vez, diz que, "todas as coisas já estão ditas, mas, como ninguém escuta, é preciso recomeçar sempre". A citação é uma lembrança do que "poderia-ter-sido", do "não-mais" ou do "tarde-demais". "O que não é destino é frivolidade", diz Ortega y Gasset.
Poetas, filósofos, pregadores e animadores sempre foram mestres em citar o pensamento dos outros. Mas há quem use as sentenças para ter uma visão do mundo ou para simplesmente levar a vida. No entanto, "um fragmento tem de ser como uma pequena obra de arte, totalmente separado do mundo circundado e perfeito e acabado em si mesmo como um porco-espinho", como definiu Friedrich Schlegel.
Ezra Pound, que ditou as regras usadas pelos poetas concretos, era um citador dos tempos medievais, um reinventor dos caracteres (ideogramas) orientais. Vivia com o nome de Confúcio e Bashô na ponta da língua. O visionário Nietzsche desenvolveu toda a sua filosofia a partir dos pensadores gregos. Seu pensamento filosófico é uma trama de fragmentos, máximas e relâmpagos. Para ele, "aquele que escreve em sangue e em máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor."
"A República", de Platão, outro exemplo de livro de citações, é uma narrativa, discussão dialética encabeçada por Sócrates a um auditório anônimo. Segundo Goethe, a dialética é um desenvolvimento do espírito de contradição, dado ao homem para que ele aprenda a reconhecer a diferença das coisas.
A citação nos leva a um livro, a um lugar qualquer, a um tempo exato. Desafia a realidade, ensina a ver o mundo com os olhos dos outros e a conhecer as coisas do nosso jeito de ser. "Ser ou não ser, eis a questão", pergunta o poeta. Já Freud afirma que "sou onde não penso". "Nada do que é humano me é estranho", pensa Terêncio. Esse era um dos aforismos preferidos de Karl Kraus, especialista em citar para ironizar.
Um aforismo é a síntese do conhecimento. No entanto, segundo Kraus, um aforismo jamais diz a verdade; ele sempre diz uma meia verdade, ele sempre diz uma verdade e meia.
PEDRO MACIEL
Fonte: Zonanon - revista de cultura crítica
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