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PASCOAES – O ONTEM E O AMANHÃ
Sonhar sempre foi bom e eu, marinheiro inveterado, dormia ao ritmo da maré...
Revivi os tempos conturbados e remotos da 1.ª República a alvorecer... A Águia sobrevoava as aves menores duma literatura aparentando decadência. Suas asas altaneiras vogavam sobre o turbilhão de mudança ainda não suficientemente esclarecida.
Retesei as escotas e naveguei à bolina para o futuro. Ali, à beira dos rochedos batidos pelo mar, encontrei Pascoaes, o grande saudosista e construtor de pontes entre o ontem e o amanhã.
Perguntei-lhe o que fazia.
Disse-me que descera do seu eremitério mas que lá deixara as raízes, bem ancoradas entre a solidão das fragas e penedias estimulantes da sua criatividade. Tinha vindo à procura do passado que lhe fazia falta para o presente...
- “Sem História não se pode construir um País...” – acrescentou.
- “E espera encontrar aqui o passado, à beira-mar?”
- “Em grande parte, sim, mas não só aqui... Ele está disperso pelo longe e pelo além, impregnando cada recanto da Natureza onde os nossos antepassados e contemporâneos deixaram as marcas indeléveis da sua identidade!” – Os seus olhos brilhavam, fitando oníricos horizontes.
- “E como se chama a isso? Essa atitude tem algum nome?” – perguntei, quase a medo...
- “Isto é o Saudosismo... Olhar prospectivo que não pode ignorar o passado”...
- “E não receia que o chamem passadista ou reaccionário?” – Interpus.
- “Não. Muito falta para cumprir o nosso País e isso não se pode fazer sem os fortes alicerces do que fomos...”
- “Quer dizer que só falta cumprir Portugal?”
- “Estamos a viajar no tempo muito mais depressa do que parece... Isso vai ser uma expressão lapidar e emblemática a surgir mais tarde...”
- “Quando?”
- “Sei lá! Dentro de alguns anos, menos duma geração...”
- “E quem fará essa síntese para a posteridade?”
- “Talvez algum poeta do Orpheu...”
Ao acordar, aproveitei o vento de popa, velas enfunadas e bujarrona prenhe de esperança... As ondas sinuosas iam ficando para trás e a proa rasgava um sulco profundo, lavrando as algas e a castidade do mar, asas da saudade a navegar para o amanhã.
Pascoaes nem estivera ali... Continuara, porventura, entre os penhascos escarpados e verdejantes da transmontana serra casada com um céu donde irrompia uma filosofia poética de grandioso porvir...
joaquim evónio
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
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