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O professor universitário na Alemanha, o moçambicano Elísio Macamo*, aceitou dar entrevista ao blog bantulândia, para discutir sobre direitos humanos em Moçambique, desde os tempos da criação da FRELIMO até aos dias de hoje. Ei-lo na primeira pessoa: “a discussão sobre direitos humanos parece-me abstracta demais para ser de alguma utilidade no nosso contexto. Torna-se numa posição ética que dificulta o debate político. O país precisa de política, o que pressupõe debate de ideias, e não de certezas que fecham a discussão”. Em outras perguntas cruciais, Macamo apenas respondeu: “não sei...também não sei”. A entrevista que se segue já foi, há dois anos, solicitada à escritora e ex-combatente das forças da FRELIMO, Lina Magaia, e posteriormente ao prof. Brazão Mazula, os quais não puderam responder favoravelmente ao pedido.
Bantulândia - A luta pela Independência Nacional, em Moçambique, significou, em si, a luta pelo direito humano à autodeterminação e demais direitos humanos.
- O que a FRELIMO (1962-1975) entendera de direitos humanos, nessa altura?
Macamo - Acho que ela entendeu os direitos humanos como a recuperação da nossa dignidade como humanos. A conjuntura política da altura, contudo, não permitia muita latitude na interpretação da dignidade. Ou se interpretava essa dignidade com referência ao liberalismo ou com referência ao socialismo. A Frelimo optou por todo um conjunto de razões que me parecem plausíveis por uma interpretação socialista. Essa opção teve, infelizmente, consequências muito graves posteriormente, pois conduziu a um sistema político muito fechado. É fácil ver isso hoje com a vantagem da retrospectiva histórica. Eu próprio não sei se não teria optado por esse tipo de interpretação. Mesmo Mondlane que tinha um espírito muito aberto sucumbia cada vez mais a esse tipo de interpretação.
Bantulândia - Que temas de direitos humanos foram mais discutidos no seio da FRELIMO, de 1962 a 1975?
Macamo - Não sei.
Bantulândia - Em termos de implementação de direitos humanos, o que significaram as zonas libertadas onde terão sido implantadas escolas, cuidados de saúde, campos agrícolas?
Macamo - Segundo a historiografia oficial, as zonas libertadas significaram a materialização do sentido e de dignidade que estava na base da luta. Precisamos, contudo, de mais trabalho de investigação para percebermos isso melhor.
Bantulândia - Alcançamos a Independência, em 1975, e, em 1977, Moçambique, sob a direcção do já partido FRELIMO, adopta uma linha de orientação marxista-leninista. Esta linha, pelo menos, teria mostrado que é amigo dos direitos económicos, sociais e culturais e inimigo, não raras vezes, dos direitos civis e políticos.
- Internamente, como é que o partido FRELIMO conduziu este processo, tendo em conta que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes?
Macamo - Não concordo com a distinção que faz. Penso que um indivíduo pode ter orientação marxista-leninista e, mesmo assim, se interessar por direitos civis e políticos. É difícil, mas possível. Não sei como o partido Frelimo conduziu o processo internamente.
Bantulândia - Quais foram as maiores convergências na condução da linha marxista-leninista, no seio da FRELIMO? E quais as divergências?
Macamo - Não sei. Suponho que entre 1970 e 1980 tenha havido grande convergência no seio da Frelimo quanto ao projecto marxista-leninista. É preciso ver que estes são anos de grandes vitórias: operação Nó-Górdio; independência; bom desempenho económico até 1980; Zimbabwe. As grandes vitórias sempre criam coesão. Depois disso começaram os desaires e os consensos ruíram. As tensões anteriores voltaram à superfície, creio.
Bantulândia - Segundo notas da revista Tempo (1985), a FRELIMO reconhecia, através do ex-ministro da Defesa Nacional, Alberto Chipande, o “espírito de deixa-andar”.
- Qual é a diferença entre o espírito deixa-andar do tempo do partido-Estado e do actual Estado de Direito Democrático?
Macamo - Não sei.
Bantulândia - Qual é a relação entre “espírito deixa-andar” e o custo de vida?
Macamo - Também não sei.
Bantulândia - Voltamos a 1985: Chipande reconheceu, ainda, que “nós (Governo da FRELIMO) conduzimos mal o processo” de desenvolvimento de Moçambique, por causa do espírito de deixa-andar. O que significava esse reconhecimento de um quadro sénior do Governo e da Frelimo, nessa altura?
Macamo - Também não sei. Não conheço o contexto em que Chipande fez essas afirmações e nem sei como ele as fundamentou.
Bantulândia - O jornalista Aquino de Bragrança, citado por professor Brazão Mazula, no livro Educação, Cultura e Ideologia – 1975-1985, descreve, nos seus escritos, o que chama de “desmoronamento moral e silencioso” do partido FRELIMO, nos primeiros 10 anos da Independência Nacional.
- Por que Aquino de Bragança chegou, nessa altura, a essa conclusão?
Macamo - Não faço a mínima ideia.
Bantulândia - Em que situação moral se encontra o partido FRELIMO, hoje?
Macamo - Acho que isso só os membros da Frelimo podem dizer.
Bantulândia - Quais são as áreas de direitos humanos em que o Governo moçambicano deveria investir mais?
Macamo - Eu acho a discussão sobre direitos humanos menos interessante do que uma discussão mais fundamental sobre os pressupostos da nossa ordem política. Pessoalmente, estou mais interessado na questão de saber até que ponto a nossa classe política, mas também a nossa massa intelectual tomam a sério o desafio que nos foi imposto pela nossa própria história de garantirmos a dignidade humana no nosso país. Até que ponto é que o nosso sistema político garante isso? O que faz para alargar os espaços de afirmação desta dignidade? Que critérios identificamos nós como fazendo parte desta dignidade? A discussão sobre direitos humanos parece-me abstracta demais para ser de alguma utilidade no nosso contexto. Torna-se numa posição ética que dificulta o debate político. O país precisa de política, o que pressupõe debate de ideias, e não de certezas que fecham a discussão.
*Elísio Macamo. (Universidade de Bayreuth/Alemanha / ISCTE-CEA/Lisboa /Faculdade de Letras e Ci6encias Sociais da Universidade Eduardo Mondlane/Maputo).
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sábado, 4 de abril de 2009
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