No artigo intitulado "Surgem nos EUA os primeiros sinais (SIC) de retoma…" tive o prazer de receber o comentário de Casimiro Ceivães. Pela sua extensão e profundidade, merece uma resposta fora da caixa de comentários, que aqui farei.
" - Não há quaisquer sinais de "retoma" nos EUA, obviamente. Obama faz a sua propaganda, como lhe compete."
-> De facto, existem. Muito ténues e incertos, podendo reverter a qualquer momento. Recordemo-nos que as taxas de juro do FED estão praticamente a 0%, ou seja, muito abaixo da inflação. Simultaneamente, o mercado interbancário está novamente a funcionar e não completamente congelado como estava em finais de 2008 e os diversos "pacotes de estimulo" que os governos de todo o mundo estão a realizar gradual e lentamente os seus efeitos nas economias... O problema é que tanto dinheiro barato, pode criar nova bolha, que daqui a 10-15 anos estoure de novo... talvez até com consequências mais graves do que a bolha que hoje explodiu e que foram preenchida em 2000, após o colapso das "Dot Com" e da consequente baixa de juros decidida por Alan Greenspan.
" - Há um problema com o "local". Há 300 anos, eu resolvia o meu problema de transportes com o ferreiro que vivia na mesma aldeia e uma mula que ele pudesse ferrar. Há cem anos, precisava de um fabricante de carruagens que já só se encontrava nas cidades. Há 75, ainda tinha em França, na Alemanha e na Inglaterra umas dúzias de fabricantes de automóveis; mas que já precisavam do petróleo da Pérsia. Voltamos a qual dos níveis? É que a 'economia nacional' do séc. XIX é já o resultado da destruição das particularidades locais, leia-se pequenas economias de base puramente agrícola auto-sustentadas (e comércio tipo 'feira local'). A 'globalização' não começou com Reagan, mas com as Cruzadas (ou melhor, causou já as Cruzadas)."
-> A todos e a nenhum, simultaneamente. É impossível manter os atuais padrões de consumo ou emulá-los na maioria da população do globo, como está agora a acontecer na China e na Índia. Simplesmente, não temos mais do que uma "Terra" e um "Clima". Se cada chinês tiver os mesmos padrões de consumo de alemão ou de um norte-americano, as matérias-primas, cedo se esgotarão, não sem antes ascenderem a custos astronómicos, causando antes uma crise global de consequências inimagináveis. Acredito que é possível viver sem consumir exageradamente. Reduzir o consumo - em desperdício - de alimentos e reduzindo em 1/3 o consumo de alimentos no mundo desenvolvido (essa é a percentagem que um recente estudo britânico estimava ser deixada por consumir num lar médio). Reduzir os padrões de consumo de gadgets tecnológicos que somos induzidos a consumir por ferozes e hipnóticas campanhas de marketing. Assim, seria possível depender da maioria do consumo de alimentos e de bens primários de produção local, complementando-a sempre com importações regionais e até internacionais, para sectores que exijam um alto grau de especialização. Não se trata aqui de "proibir" as importações e de instaurar uma rede de "Cidade-Estado" independentes, trata-se de refocar do Global, para o Local e da Multinacional para a Empresa Local.
" - Precisamente segundo a 'teoria económica liberal', os bancos teriam que falir - não, nunca, ser 'salvos' pelo 'bail-out' ou pela formação de 'bancos tóxicos' como parece ser a decisão/orientação política dos governos americano e europeu."
- o neoliberalismo está hoje tão arrumado como o comunismo. As economias desreguladas provaram ser tão ineficientes na gestão da economia como as economias estatizadas e planificada do Leste. A falência dos bancos seria perigosa, porque seria um factor para a eclosão de um efeito cascata que se propagaria a toda economia, como aconteceu na crise de 1929. Por isso se têm injectado tantos biliões na Banca mundial... A solução encontra é que tem sido infeliz. Na maioria dos casos, os Estados estão a injectar capital na Banca sem contrapartidas e sem assumirem responsabilidades de gestão e controlo e com a estranha pré-condição de venderem as suas participações assim que fôr possível. Sobretudo, nada se fez para dividir estes bancos gigantescos, produto de décadas de fusões e aquisições e de os aproximar da economia real e das necessidades locais. Ou seja, os Bancos estão a ser salvos para os seus accionistas e gestores, em nome do Bem Comum e com o dinheiro dos impostos dos assalariados, como resposta de curto prazo para a Recessão, mas sem que se altere nada de fundamental naquela voracidade pelo lucro fácil e rápido que os levou a eles e nos arrastou a nós para a situação presente.
" - Precisamente dada a predominância do "local", há 300 anos não havia um 'acordo ortográfico' nem sequer uma ortografia 'nacional'. Estarmos aqui a discutir a relevância global (mundial) da Lusofonia implica estarmos a aceitar pelo menos parte da Globalização. Em minha opinião, é como se a Eva quisesse mordiscar a parte não-pecaminosa da Maçã."
- a Globalização não é um fenómeno essencialmente negativo. Tem sido contudo a forma neoliberal com que ela foi conduzida pelos dogmáticos do "mercado livre", do "Estado mínimo" e da "desregulação dos mercados financeiros". Não advogo um Proteccionismo absoluto nem um fechamento total dos Estados sobre si mesmos. Defendo um recentramento da Economia sobre o Local, contra a prioridade Global, imposta pela globalização neoliberal dos últimos anos. Portugal foi o primeiro país verdadeiramente "global" do mundo e é a essa visão universalista que temos que reencontrar se queremos realizar o destino português. A Lusofonia, a sua fundação e transformação num novo e inovador tipo de organização dos Estados e das Sociedades é um conceito "Global", já que extravasa dos limitados conceitos "nacionais" de Estado. É transnacional, porque a cultura lusófona é transversal a vários continentes e traz a semente de um novo tipo de Estado, focado nos interesses locais, profundamente descentralizado ao nível municipal e composto de milhões de células administrativas dispersas por todo o planeta de Timor a Recife, todas detendo o essencial do poder democrático e delegando nas estruturas centrais apenas o essencial do poder representativo internacional, competências de Defesa e a orientação estratégica da economia e da sociedade.
" - É evidente o bom-senso do 'deixemos de consumir compulsivamente'. Mas como passar para um nível de vida semelhante ao do das clássicas sociedades do Terceiro Mundo? Estamos realmente a propor voltar a ir buscar água com um cântaro à fonte? É que é precisamente disso que estamos a falar (enquanto houver água; é que se ficarmos só com as fontes não há água potável na Europa para uma população tão grande)"
- não temos que transitar para um nível de consumo de tanta frugalidade... As transições suaves são sempre mais preferíveis e desejáveis, mas só podem ser feitas enquanto ainda há recursos suficientes para as fazer, e se continuarmos a consumir nestes padrões não teremos muito mais tempo. Basta descermos até níveis de consumo mais normais, menos danosos para o ambiente e para o clima, semelhantes aos que existiam na Europa na década de cinquenta, cujos padrões de consumo de matérias-primas seriam hoje possíveis de suportar pela via da reciclagem e cujos consumos de energia poderiam facilmente ser hoje ser oferecidos por fontes renováveis.
" Os grandes bancos mundiais não estão na situação em que estão por terem "emprestado demais". Por exemplo, o único grande banco falido, o americano Lehman Brothers, pura e simplesmente não fazia empréstimos (nem a particulares nem a empresas)."
- não somente, mas também. A crise financeira começou lá em meados de 2007 precisamente porque os bancos norte-americanos começaram a emprestar sem critério no chamado padrão de risco elevado "subprime". Depois, pegaram nessas dívidas difíceis de cobrar e empacotaram-nas em "fundos de investimentos" opacos e onde quase ninguém conhecia a sua verdadeira natureza. Alguns desses fundos eram da Lehman Brothers, e foi a constatação da sua "toxicidade" que levou ao colapso desse banco de investimento.
" Há, claro, um problema grave no crédito à habitação americano, mas que é local e que, tendo embora ajudado a despoletar a falência dos "casinos" (que apostaram sobre esses créditos), não levaria em condições normais à falência de nenhum mega-banco. Entre Março e Setembro do ano passado, acreditava-se que era essa a situação (em Março a falência do primeiro banco americano, que era pequeno para os standards deles, e em Setembro os três dias de pânico absoluto em que oito dos dez maiores bancos do mundo estiveram em risco de falência em cadeia, e de onde resultou a falência do Lehman Brothers e os empréstimos governamentais aos outros)"
O problema do predomínio exagerado do sector imobiliário não é apenas norte-americano, mas global. Basta ver a nossa vizinha Espanha que assentou tanto da sua falsa prosperidade das últimas décadas no crescimento desmesurado do sector imobiliário ao ponto de cada família espanhola ter 1,5 casas, a media mais alta do mundo... O pânico ainda não passou, estando esses rumores de falências dos mega-bancos novamente no tema do dia, tamanho foi o nível de especulação bolsista em que esses Bancos se envolveram e tamanha foi a cegueira neoliberal dos reguladores.
4 comentários:
Um excelente apontamento sobre a situação actual.
Mais uma vez refiro a necessidade do local como base do global. Temos que nos saber gerir e controlar como indivíduos, familia, região e nação para podermos caminhar com segurança para o global.
Por outro lado a democracia só funciona se for participativa e esta só aparece se houver uma elevação do nível da consciencia da população sobre as suas obrigações em equilibrio com os seus direitos. O conceito de governo/administrador do condomínio é a melhor (até agora) forma de equilibrar o elevado poder do estado com o dos cidadãos e ainda com um tercerio, o das organizações poderosas (sejam elas empresas, media, etc).
Como referi num texto anterior, advogo a resolução da crise dita financeira, estudando-se as verdadeiras causas, não financeiras e tentando proceder ao realinhamento com o que eu chamo de Leis Naturais, cuja resultante mais básica é não gastar mais do que se produz! A sociedade necessita de uma mudança rápida de mentalidade na qual o hedonismo seja substituido pelo utilitarismo - corpo precisa de estar são!
Vejo mais uma vez na restauração do Sagrado, através das festas culturais de religação aos mitos e tradições do nosso passado como processo de depuração catartica e realinhamento na fonte. Valores importantes como a partilha, a solidariedade e a fraternidade são colocados acima de qualquer ganho pessoal em alinhamento com o Divino, que pode ser personificado Deus ou em valores utópicos superiores e construtivos. Esta é uma das formas de se restabelecer uma mente sã!
Caro Clavis, obrigado por esta interessante resposta. Vou tentar responder com mais sossego mais logo. E também ao Eurico, a quem prometi comentar alguns dos pontos que refere no comentário anterior. Mas tudo isto terá que ser na forma de um post...
Eurico:
Obrigado e sem dúvida que o recentramento das economias sobre o Local começa a ser cada vez mais disseminado... e é uma oportunidade de reforma séria do decrépito sistema global neoliberal que agora, não encontra mais quem o defenda...
Um ponto da declaração de princípios do MIL que se revelou profético...
Casimiro:
Cá o espero!
Deixo uma excelente apresentação que explica o fenómeno (resultante) da crise:
http://vimeo.com/3261363
E uma entrevista do Gerald Celente:
http://www.grifo.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=267&Itemid=1
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