A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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terça-feira, 24 de março de 2009

Primeiro texto para o quarto número da NOVA ÁGUIA...

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EUROPA, EUROPAS...

Quando, nos finais de Outubro de 2005, desembarquei em Bucareste, tive a surpresa de encontrar, não o frio que esperava, mas uma temperatura amena de Outono. Tão amena, que se podia andar de corpo bem feito ao ar livre. E à sombra das árvores almoçámos no jardim da sede da União dos Escritores da Roménia, a convite da lusitanista Micaela Ghitescu, que teve a feliz ideia de convidar também os professores universitários Sorin Alexandrescu e Gheorghe Ceausescu, que a essa condição juntam a de serem sobrinhos de escritores que me rasgaram largos horizontes, o primeiro de Mircea Eliade e o segundo de Vintila Horia.
Nesse almoço, esteve presente a memória dos dois autores, na evocação familiar e na troca de impressões sobre a sua obra e a sua reabilitação numa Roménia reintegrada no seu destino ocidental. Naturalmente que a história recente da Roménia e de Portugal foi também tema de conversa. Sorin Alexandrescu voltei a encontrá-lo, aqui em Lisboa, num colóquio qua assinalou o centenário de Eliade. Mas Ceausescu não mais o vi nem verei, porque a morte o colheu repentinamente.
Professor de estudos clássicos, a bibliografia de Gheorghe Ceausescu nesse domínio não está ao meu alcance, porque disponível apenas na língua original, e eu - mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa - nunca a estudei. Eis agora, em tradução portuguesa de Corneliu Popa, um livro de tema bem abrangente e actual - Nascimento e Formação da Europa. Seria este um momento de maior regozijo se o autor estivesse aqui connosco, ocasião sempre cara a quem se revê no que escreve, como a parturiente no recém-nascido, depois do doloroso trabalho de parto. Vem já no desencantado e sábio autor do Eclesiastes que “escrever livros é um trabalho sem fim e que muito estudo cansa o corpo”.
Se difícil é escrever a biografia de um homem, ou não fosse ele um enigma, até para si mesmo, que se dirá de uma “biografia”, ou ensaio, ou história de um país, um continente, uma cultura, uma civilização. O autor deste livro lançou-se, com empenho e erudição, a estudar um tema de que há uma bibliografia que forma toda uma biblioteca. Muitos livros que se escrevem hoje sobre a Europa são da autoria de economistas, tecnocratas, funcionários internacionais que têm dos problemas uma perspectiva parcelar.
Como humanista que é, Gheorghe Ceausescu tem uma visão global da Europa, da sua remota origem à sua evolução ao longo dos séculos e à Europa de hoje - a chamada “União Europeia”. Como classicista, viaja até às fontes - a Grécia e Roma - de que somos, queiramos ou não, herdeiros, mas herdeiros cansados, predispostos por vezes a repudiar a herança da polis e da civitas, do logos e do jus.
Da vocação expansionista de Roma nasceu o Império do Ocidente, um tentame de hegemonia europeia, retomado, na história contemporânea, pela França napoleónica, a Alemanha hitleriana e a Rússia estalinista. O latim passou a ser a língua falada e escrita no vasto território do Império, na sua forma rude ou bárbara dos documentos tabeliónicos e na mais pura expressão literária. E como língua litúrgica do cristianismo e em que se escreveram obras maiores da literatura, da filosofia e da teologia medieval e renascentista, o latim foi durante séculos o idioma por excelência da cultura. Mais tarde, seria o francês a desempenhar esse papel, sobretudo na correspondência diplomática e nos tratados internacionais.
O desmembramento do Império Austro-Húngaro fragilizou, nas fronteiras de Leste, o Ocidente. E o desfecho da Segunda Guerra Mundial deu uma espectacular vitória à União Soviética, que explorou a debilidade das democracias ocidentais para impor o seu jugo a países como a Roménia, a Hungria, a Polónia, a Bulgária, a Albânia, a Jugoslávia e a Alemanha de Leste. Aí se instalaram o que, com humor negro, se chamaram “democracias populares”. As tentativas de recuperar a independência nacional e as liberdades perdidas, os tanques russos se encarregaram de as esmagar na Hungria e na Checoslováquia. Ainda não chegara a hora da Primavera de Praga, de Budapeste e de Varsóvia. Essa hora só chegou com a súbita e espectacular queda do Muro de Berlim e do ocaso do Império Soviético.
Saído dos subterrâneos de “meio século de obscurantismo asiático”, como ele chama ao domínio soviético, o romeno Gheorghe Ceausescu é um europeísta convicto, mas não inconsciente da tentação, para a União Europeia, de esvaziar e até de suprimir as diferenças que dão a cada país membro o seu rosto inconfundível. Numa síntese feliz, que o latim torna mais incisivo, o nosso autor fala de diversitas in unitate ou de unitas in diversitate. A Europa é - devia ser - a Europa das pátrias, com a sua língua, a sua cultura, a sua história, as suas tradições, os seus mitos. Nesse pluralismo é que reside a admirável riqueza da Europa. A qual não pode reduzir-se a um economicismo e a um materialismo sem alma.
Todo um capítulo deste livro versa a “Europa como entidade cultural”. Na construção europeia não pode omitir-se ou negar-se, como em certo jacobinismo francês, seja o dos sans-culottes, seja o de colarinho engomado, o contributo do cristianismo. Não foi o patriarca S. Bento solenemente proclamado “Patrono da Europa”, em reconhecimento da acção civilizadora dos Beneditinos? De uma penada, por um preconceito racionalista e laicista, vamos apagar da memória histórica a patrística, a filosofia, a literatura, a arte sacra? Gheorge Ceausescu, com a sua cultura clássica, a sua formação cristã, a sua independência de espírito, crê, na esteira de outros autores, que os três pilares da Europa são a Acrópole, o Capitólio e o Gólgota, símbolos da civilização grega, da civilização romana, da civilização cristã.
Capítulo particularmente interessante é o intitulado “Coordenadas fluviais da Europa”. Há rios que, como o Reno e o Danúbio, são grandes estradas para o intercâmbio. No final da guerra fria - observa o autor -, “os países do antigo bloco socialista (submetidos ao que ele designa por “despotismo asiático”) puderam manifestar novamente a sua vocação europeia, e o Danúbio recuperou o seu papel de via de comunicação entre povos que, estruturalmente, participavam da mesma mentalidade e tipo de civilização”. Se, na verdade, a “Alemanha está, geograficamente, no coração da Europa”, Portugal situa-se na periferia do Velho Continente. Os nossos rios ibéricos - Douro, Tejo, Guadiana - não têm a extensão nem a importância do Danúbio e do Reno. Mas um deles, o Tejo, determina a vocação atlântica portuguesa e a sua secular resistência à força centrípeta europeia.
O capítulo “O Conceito de Europa na Cultura Romena” é para nós dos mais reveladores porque, em geral, pouco familiarizados com o contributo intelectual dos “latinos do Oriente”. Pela sua situação geográfica e pela sua história a Roménia recebeu influxos do Oriente e do Ocidente. A cultura ocidental é mais dinâmica, a oriental, depois de uma época de esplendor, estagnou no tempo, fechando-se sobre si mesma e recusando a mudança. A corrente europeísta tem uma figura representativa em Eugen Lovinescu, para o qual a latinidade é uma das características fundamentais do espírito europeu, em oposição à “orientalização” da Roménia por obra e graça da Igreja Ortodoxa. E nessa corrente se inclui Lucian Blaga, que, na sua filosofia da cultura, tempera porém o universalismo com o chamado “espírito do lugar”, um como antídoto à ruptura do homem com a natureza.
Contraposta a essa corrente, a antieuropeísta, com os filósofos Nae Ionescu e Constantin Noica. Surge aqui a figura do paysan du Danube, como protótipo do espírito camponês e da cultura popular, que se exprime sem rodeios e com bom senso. Journal d’un paysan du Danube é o título mesmo do diário de Vintila Horia, um escritor de vocação europeia que faz aí um retrato incisivo desse homem fiel à terra e à tradição.
Um escritor como Mircea Eliade, que na sua obra literária e científica acentuou a coincidência dos opostos, era simultaneamente um europeu e latino e um orientalista. E confessa que, na “descoberta” do Oriente, não pouco deve a Camões. Com a força do seu verbo, deu a conhecer novos e exóticos mundos ao mundo ocidental. Num paralelo entre o nosso poeta e Eminescu, afirma que este também contribuiu duma forma extraordinária para o alargamento do horizonte espiritual europeu como “conquistador de novos mundos”. Tanto Portugal como a Roménia fazem parte do espaço latino e abrem-se a novos mundos que vêm enriquecer o seu património nacional.
Em outras culturas, encontramos essas atitudes antitéticas que dão a primazia ou às tradições nacionais ou são receptivas a valores culturais estrangeiros. É o caso da Itália do século passado, com o que se chamou strapaese e stracittà. O primeiro mergulhava as raízes no que há de mais genuíno na terra e no povo; o segundo celebrava o progresso e a modernidade.
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Que Europa - a Europa das pátrias, a Europa contra as pátrias, a nação europeia ou, mais redutoramente, a Europa das regiões, fragmentada, atomizada, fragilizada, no desapiedado contexto da globalização? Quod vadis, Europa?
Lembro o Poema Roubo da Europa, do límpido poeta da grei que foi António Sardinha:
Europa! Europa! (E já te não avisto!)
não ouves esta voz que por ti chama?!
Onde ficou o lábaro de Cristo?
Onde deixaste, Europa, a tua flama?

Eis novamente o caos tumultuário
negando os claros dons que tu semeias...
Ó madre antiga, embora no Calvário,
não passes o teu facho a mãos alheias!

Estes versos dramáticos, escritos no primeiro pós-guerra, serão ainda válidos? Ou, sobre o seu pessimismo, paira a esperança europeísta de Gheorghe Ceausescu? Esperança que está dependente de a Europa não negar os valores que a edificaram ao longo dos séculos, e que no livro se resumem assim: “grega em profundidade, latina em extensão e cristã em ‘altura’”. Se não for este o rosto da Europa, que nos espera: a caricatura da Europa?

João Bigotte Chorão

4 comentários:

Casimiro Ceivães disse...

Belíssimo texto.

Renato Epifânio disse...

Uma sardinha (bem gorda)para o gato. "Sardinha", no feminino!

Casimiro Ceivães disse...

Espero que esta se não queira da 'mais pequenina' :)

João Beato disse...

Gostei muito deste texto e é um assunto que me interessa particulamente. Mas do meu ponto de vista, os três pilares indicados por Gheorghe Ceausescu não são suficientes para sustentar a Europa, falta-lhe um pilar absolutamente fundamental: o Egipto e a sua civilização.

Relembro que o faraó Amenófis IV, mais conhecido como Akhenaton, realizou uma autêntica revolução espiritual ao instituir uma religião monoteísta, facto indicador de que a religião egípcia já continha a semente do monoteísmo. Esse mesmo monarca é tradicionalmente considerado como o fundador da que hoje se conhece como a Ordem da Rosa Cruz, que tem desempenhado um papel inequívoco no desenvolvimento da civilização ocidental.

Para além disso, não tenho dúvidas de que a vida de Joseph (filho de Jacob) no Egipto, onde assumiu inclusivamente o cargo de vice-rei, assim como a instalação do povo hebraico naquela terra, tiveram uma influência inegável na própria religião dos judeus.

Por último, Alexandre o Grande foi considerado pela hierarquia sacerdotal egípcia como o sucessor legítimo do trono do faraó, tendo dado assim início à última dinastia, toda ela liderada por gregos. Ora, na batalha de Áccio (31 a.C.) decidiu-se o destino do mundo (Oriente ou Ocidente, civilização greco-egípcia ou greco-romana), pois o facho da civilização, então nas mãos dos Egípcios-Gregos ou Gregos-Egípcios, passou das mãos de Cleópatra para as mãos de Octávio, que veio a ser o Imperador César Augusto, Pontífice Máximo. O Papa, chefe da Igreja Católica (i.e. "universal") Apostólica Romana, herdou o título espiritual do antigo imperador de Roma, Pontifex Maximus. A monarquia egípcia foi a inspiração do império romano.

Só um pequeno pormenor, para terminar, e uma vez que também sou classicista e dado que no texto tanto se fala de língua e cultura latina: a pergunta "Quod vadis Europa?" ficaria bem melhor se "quod" fosse substituído por "quo".

Se a Acrópole está para a civilização grega, o Capitólio para a Romana e o Gólgota para a cristã, que símbolo poderá estar para a civilização egípcia?