
Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni (1475-1564) foi um dos mais célebres artistas do renascimento italiano. Na sua Biografia, Agostinho da Silva enfatiza o seu génio, comparável ao próprio génio divino: “Miguel Ângelo estava realizando um trabalho que não tinha igual no mundo: era como se o próprio Deus estivesse de novo criando o Universo, como se do nada ou do caos primitivo estivesse surgindo pela primeira vez a beleza das formas, a violência ou a delicadeza dos corpos, como se o espírito que pairava sobre as águas se estivesse traduzindo, multiforme nas imensas pinturas, com todos os dramas, todas as cóleras, todos os relâmpagos de génio, todos os desesperos, toda a serenidade dos geómetras, todo o horror dos condenados, todos os tumultos da vida e todos os apaziguamentos da morte.”.
Miguel Ângelo tinha, alegadamente, consciência disso – de tal modo que, ainda segundo Agostinho da Silva, “os seus iguais eram Adão e Eva, Noé, com sua grandeza e seus pecados, sobretudo os profetas, que solenemente meditavam ou escreviam os ditados do espírito; a companhia dos homens vulgares tornava-se-lhe insuportável e ansiava pelo dia em que, soltando-se das prisões da terra, a alma pudesse remontar aos domínios serenos de um puro pensamento”. Para si, esse seria o único caminho que verdadeiramente valeria a pena cumprir – tanto mais porque, de outro modo, “seremos animais, se pararmos no esforço de ser deuses; mais vale o sofrimento, a angústia mil vezes renovada, do que o automatismo, a inconsciência, a bruta natureza das pedras e dos bichos”.
Daí ainda essa sua concepção da existência enquanto hercúlea luta: “para Miguel Ângelo é um falso heroísmo o dos optimistas que, porque são pouco profundos, ignoram a dor: heróico é bater-se como o seu Dia, sabendo-se vencido, lutar como o Hércules antigo que foi para os trabalhos obrigado e terminou consumindo-se nas chamas que ateara; pelo que tem de divino o homem é criador: cumpre a sua natureza de homem quando cria, mesmo sob as maiores dores, mesmo empregando no acto sagrado as suas últimas forças”. Mesmo que não o quiséssemos, esse é para, Miguel Ângelo, um imperativo a que nenhum de nós se pode furtar: “Nada importa lutar se tem de se lutar; mesmo que se não quisesse fazê-lo, impulsos interiores que existem em todos os homens impeli-los-iam para a acção; no pessimismo de Miguel Ângelo não entram nenhumas possibilidades de penetrarmos, pelo menos ainda vivos, na insensibilidade, no repouso absoluto”[1].
Eis, em suma, o retrato que nos faz Agostinho da Silva de Miguel Ângelo – uma personalidade forte e fortemente individualista: “O forte individualismo de Miguel Ângelo, baseado numa inteligência superior, numa grande penetração psicológica e no seu gosto da solidão, levavam-no a não pertencer a nenhum partido; não havia nenhum credo, nem o da Igreja, que aceitasse completo”; um artista total, que, por isso mesmo, abarca “toda a imensa variedade da obra de beleza” – como escreveu ainda Agostinho da Silva a respeito de Miguel Ângelo: “o segredo não estava numa escolha, mas num total abarcar, numa compreensão de um Deus que inclui bem e mal como aspectos de uma só realidade, num ascender até ele pela aceitação criadora de tudo o que surgiu no mundo, pela inclusão numa alma de artista de toda a imensa variedade da obra de beleza”.
[1] Sendo, naturalmente, a melhor acção “a que se exerce para tentar dar corpo a esse ideal de uma humanidade que sofra menos”.
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