VI – ZOLA
Émile Zola, que nasceu (1840) e faleceu (1902) em Paris, ficou para a História como um escritor com talento – sendo em geral considerado o criador e representante mais expressivo da escola literária naturalista – e, sobretudo, com causas, das quais se destaca, pela sua repercussão na época, a denúncia pública que fez do processo fraudulento (de motivação anti-semita) que envolveu o capitão Alfred Dreyfus.
Abarcando naturalmente esse episódio, na sua Biografia Agostinho da Silva começa, também de modo natural, pela juventude, tanto mais porque ela foi uma juventude difícil, como se depreende desta passagem: “Só entrou no liceu aos 13 anos e teve de lutar contra a desconfiança dos professores, que, vendo-o tão grande na aula e não havendo doença que justificasse o atraso, logo o atribuíam a preguiça; os companheiros davam-se ares superiores e alguns das classes mais adiantadas perseguiam-no nos recreios”.
Essa juventude difícil, ao invés de o quebrar irremediavelmente, fê-lo fortalecer, assim levando-o depois a aceitar melhor as agruras do seu começo de carreira literária: “precisava de se esforçar ainda mais, de trabalhar ardentemente, de construir peça a peça o artista futuro, aquele cujo nome ficaria para os séculos; o que escrevia presentemente nada mais era do que um ensaio, do que uma preparação para a obra verdadeira”.
Para mais, Zola não tinha apenas em mente uma carreira literária. Ele pretendia ter uma efectiva intervenção social e política. Apesar das inevitáveis desilusões no plano político[1], nunca perdeu de vista esse horizonte, tal a sua profunda sensibilidade social, que Agostinho eloquentemente assinala: “As soluções optimistas quanto à vida presente aparecem a Zola como manifestação de inconsciência ou de egoísmo; só uma insensibilidade completa perante os males dos outros, perante as terríveis lacunas que o arrumo social ainda não logrou preencher, pode levar a ter como excelente o mundo em que vivemos”.
Muitos dos seus romances, de resto, davam conta dessa situação: “a Humanidade estava votada ao extermínio se a vida continuasse baseada na exploração, na mentira e na indiferença pelas dores alheias; a baixeza de que quase todos davam provas, a existência horrorosa dos homens de L'Assommoir e de Germinal, a inconsciência das classes dirigentes, o desprezo a que se votava todo o idealista, a grosseria dos prazeres, a vida brutal em que todos se atropelavam como vorazes animais, a ligeireza com que se atirava uma nação para a guerra, em defesa dos prestígios absurdos e dos interesses de raros”.
Mas, de facto, o seu texto mais célebre acabou por ser o J'accuse, a respeito do caso Dreyfus[2].
[1] “…desiludiu-se como tantos outros; os bons, os puros, os que se tinham batido por amor do povo e por um ideal de justiça, tinham sido logo submergidos pelos retóricos, pelos caçadores de empregos, por todos os hábeis na política miserável dos partidos; não havia um pensamento social que se quisesse pôr em prática, não se cuidava de reparar os erros do império e de melhorar imediatamente, a golpes fundos e enérgicos, a situação das classes mais baixas; passava-se o tempo em discursos e questões, em batalhas de grupos sobre pretextos fúteis; nenhuma grandeza, nenhuma generosidade, nenhuma beleza; pegava-se às solas a mesma lama do império e era necessário lançar os olhos muito longe para que ainda pudesse conservar-se algum alento e algum interesse pela vida pública.”
[2] “J'accuse publicou-se em L'Aurore; Clemenceau ainda fez notar a Zola que à carta se devia seguir uma reacção imediata e violenta e que, a persistir na publicação, se devia preparar para todos os perigos; Zola não recuou: o que escrevera estava escrito e não se arrependia; para a causa que defendia só importava que se não abafasse o caso Dreyfus; o resto não tinha importância alguma.”
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