
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) foi um célebre pedagogo suíço, um verdadeiro pioneiro de uma nova prática educacional, em que Agostinho da Silva visivelmente se reconhece.
Na sua Biografia, Agostinho, contudo, começa por se debruçar sobre a pessoa, sobre o carácter – desde logo, sobre a sua condição de “inadaptado à vida comum, chamavam-lhe «o pateta»; não se entendia nos jogos, caía em todos os ardis, afastava-se dos grupos que brincavam”. Eis, pois, a primeira imagem que de Pestalozzi Agostinho nos dá: a de alguém desenquadrado do mundo.
Esse desenquadramento, chamemos-lhe assim, se para outros seria motivo de angústia, senão mesmo de colapso, em Pestalizzi é fonte de coragem, senão mesmo de “obstinação”[1]. Há nele uma obstinada vontade de agir no mundo – de tal modo que, ainda segundo Agostinho, “não perdia o seu tempo em discursos e batalhas literatas”.
De igual modo, “Pestalozzi não era dos que contemplam e se extasiam ante os lírios dos vales e as avezinhas do céu e se esquecem da miséria dos homens seus irmãos”. Ao invés, ainda nas palavras do próprio Agostinho da Silva: “acima de tudo punha a pátria, de que o seu último ideal era conseguir o bem do povo, salvá-lo do atoleiro em que mais e mais se ia afundando. Pelo povo sacrificaria a sua vida e, se preciso fosse, a vida dos seus”.
Em prol desse “ideal último”, aposta no caminho de educador: “Uma existência de educador se rasga aos olhos de Pestalozzi; esse é na verdade o caminho a percorrer, o único que poderá conduzir ao grande templo harmonioso de uma perfeita humanidade”[2]. E como se caracterizava essa educação prefigurada por Pestalozzi? Essencialmente, num ensino diferenciado, personalizado, que tivesse em conta o potencial de cada aluno para assim o poder optimizar[3].
Só assim se criariam as raízes de uma outra sociedade, de um “nível de vida mais alto, mais humano”: “A todo o cidadão consciente e disposto a auxiliar os seus irmãos se rasgavam, portanto, dois caminhos. Teria que bater-se por que melhorasse a situação económica do povo; o ideal seria a total liberdade, porque só quando se quebrarem os laços de dinheiro que prendem homem a homem se terá atingido a estrutura social conveniente ao desenvolvimento da nossa natureza divina; mas tal meta só muito mais tarde se poderá atingir; por agora, a urgente tarefa é a de conceder ao povo um nível de vida mais alto, mais humano.”.
Como seria de esperar, tal caminho seguido por Pestalozzi criou-lhe múltiplos inimigos, múltiplos obstáculos, que Agostinho da Silva longamente descreve. Daí alguns momentos de desânimo, que Agostinho igualmente refere, pondo mesmo na boca de Pestalozzi as seguintes palavras: “Só um caminho lhe restava: o de se dirigir às minorias, aos que voluntariamente se tinham separado dos conjuntos e, possuidores de verdadeira cultura e de clara inteligência, meditavam, longe do comum, os meios que atalhariam o mal que aumenta cada hora.”. O retrato final que Agostinho nos dá de Pestalozzi é, porém, o de um homem que nunca desistiu.
[1] Nas palavras de Agostinho: “encerrado no seu quarto, tomando ocasião nas páginas que lia, traçava-lhe a imaginação as cenas mais ousadas, rasgava-lhe ante os olhos a estrada de futuro que a sua inteligência e o seu coração ambicionavam; não havia empresa a que não lançasse ombros, por mais desproporcionadas que lhe parecessem as forças; jamais recuava perante as dificuldades, que sempre lhe apareciam vencidas; a vida erguia-se, frente a Pestalozzi, como uma construção de heroísmo, de obstinação e de forte amor, de virtude e de inteira devoção ao bem comum.”
[2] Daí também o seu “interesse pela política”: “a política, no entanto, não deixava de interessá-lo; entendia as profundas relações que existem entre a actividade pedagógica e a actividade de reforma social”.
[3] Ainda nas palavras de Agostinho: “sem perder a linha de fronteira que o fazia diverso e superior, sabia adaptar-se a cada aluno que lhe aparecia diante”.
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