Nota prévia: este meu texto foi publicado pela primeira vez no dia 17 de Abril de Junho de 2007 na extinta "VoxBlogs Magazine ". Infelizmente creio que mantém a sua actualidade: as crianças portuguesas hoje em dia nada têm que as apegue à leitura, o resultado evidente? Adultos que, embora não sendo analfabetos, demonstram uma gigantesca falta de cultura e nenhum gosto pela leitura. Num país de 10 milhões de habitantes a tiragem total dos jornais e revistas (inclusive as de mexericos e os de futebol) não atinge um milhão...
Optei por dedicar esta crónica a um problema que tenho notado mas que, talvez por embaraço próprio, tenho evitado abordar... ainda ninguém notou que as revistas de banda desenhada desapareceram quase por completo das bancas portuguesas?
Juro! É verdade, nem o Tio Patinhas e o Pato Donald escaparam. Desapareceu tudo... o que se vai encontrando ainda, a preços promocionais de 1 euro, são reedições de números que já datam de 2005 ou 2006 e ainda se inclui no seu interior o apelo à assinatura das revistas (mas assinar o quê, se elas já não existem?).
Eu, não sendo muito velho - apesar de já ter alguns pelos brancos no cabelo e na barba - ainda sou do tempo em que se encontravam dezenas (sim, DEZENAS) de revistas de banda desenhada nas tabacarias e bancas, fossem estas de edição nacional ou importadas do Brasil: dezenas de revistas existiam para a pequenada.
Durante anos não almocei (ui se a minha mãe cá vem ler isto) para utilizar o dinheiro dos almoços para comprar as revistinhas da Abril Jovem e da Abril Morumbi, e reuni milhares destas revistinhas na minha colecção, que não raras vezes eram queimadas em fogueiras no quintal quando a minha mãe entrava no frenesim das limpezas... e as dezenas (ou mesmo centenas) que emprestei a colegas de escola e liceu e que nunca mas devolveram (eu sei quem vocês são, não perdem pela demora, patifes)... mesmo assim na minha casa materna ainda existe uma pequena sala em que se amontoam milhares delas, sobreviventes das purgas maternas.
A lista era enorme mas vou tentar nomear algumas: "DC 2000", "Homem Aranha", "Mônica", "Cebolinha", "Tio Patinhas", "Margarida", "Pato Donald", "Super-Homem", "Super-Boy", "Liga da Justiça", "Batman", "Cascão", "Tex", "Tex Coleção", "Zagor", "Martin Mystere", "O Fantasma", "Mandrake", "Mad", "Hiper Disney", "Disney Especial", "Conan, o Bárbaro", "A Espada Selvagem de Conan", enfim... dezenas de revistinhas que ocupavam uma secção completa na tabacaria onde eu as ia comprar (onde até o funcionário que ainda hoje me cumprimenta efusivamente na rua quando vou à illha, já reformado e quase irreconhecível).
O meu irmão mais novo (mas que sabe ele, lá porque gravou uma curta-metragem que ganhou um primeiro prémio...) acredita que foi este tipo de leitura que lançou as fundações do meu idealismo actual, sabiam que uma mistura bombástica de "Tex" com "Conan" e mesmo um cheirinho de "Groo" com umas pitadas de "Demolidor", "Justiceiro" e "Vigilante" criam o idealista perfeito?
Sendo Portugal um país muito mal visto no que diz respeito ao analfabetismo (nem vou falar de inteligência... mas olhem que conheci muitos analfabetos na universidade) creio que isto é sintomático: a malta jovem ocupa-se com os computadores, com a televisão por cabo, com as consolas, com os dvd's, a MTV e os "Morangos com Açúcar" e pronto, não lê, não cria gosto à leitura e não desenvolve o cérebro...
Estamos a criar uma geração de imbecis, de analfabetos, já leram as revistas de "teenagers" que por aí abundam? Não passam de banalidades, não ensinam nada e algumas nem bom português sabem escrever (desculpem bater nesta tecla, mas uma vez estudante de Letras...) e não chegam aos calcanhares das aventuras do "Mickey" no espaço, as buscas incessantes do "Tio Patinhas" na África negra, Ásia, América do Sul ou no fundo do mar à procura dos tesouros da Atlântida, dos Maias, Aztecas ou alguma civilização africana tão desconhecida que nem nome tem...
Outra condicionante dessas dezenas de revistas que existiam era o preço: eram baratas. Actualmente a única editora que publica banda desenhada pontulmente só a publica para adultos ou para adolescentes burgueses, edições de luxo são muito bonitas mas até eu deixei de as comprar tão proibitivo é o seu preço...
Quem diria, os "Tio Patinhas" e o "Pato Donald" já não se vendem... quando era puto se imaginasse tal coisa ficaria doente e deprimido... quem diria, os "Tio Patinhas" e "Pato Donald" que alegraram as vidas de milhões de crianças durante gerações desapareceram... que destino espera a juventude actual? Só me vem à mente o filme "Idiocracy" que vi há semanas...
VoxBlogs Magazine, 17 de Junho de 2007
5 comentários:
Acho que nao foi a toa que este filme teve uma circulacao limitadissima nos EUA. Muitas das tecnicas de "emburrecimento" humano que deram origem a triste geracao retratada no filme ja estao a ser activamente postas em practica...
Acho que estava bem acordada e lucida quando, em Novembro ultimo, num bairro popular de Fortaleza, Brasil, vi um cartaz enorme e pedir voluntarios para um programa de implantacao de uma tatuagem com os dados pessoais, alegando pura e simplesmente que, em caso de acidente "ficara mais facil reconhece-lo" ...
Outros dado preocupante e a capa da ultima edicao da "Sabado", que chamava a atencao para um artigo sobre "os anos de ouro da aristocracia Portuguesa", isto e, as festas que certos empresarios dos fados e das touradas, por sinal brazonados, davam la para as bandas do Ribatejo nas decadas de 5 e 60 e que contavam com a presenca de actores de Hollywood.
Isto numa semana em que tiveram lugar eventos profundamente preocupantes, especialmente numa jovem e incipiente Demcoracia como a nossa...
(Flavio, desculpa la andar sempre a escrever sema centos e cedilhas, mas creio que ja sabes qual e a razao;-) ).
Um abraco para todos,
A
"Outra condicionante dessas dezenas de revistas que existiam era o preço: eram baratas. Actualmente a única editora que publica banda desenhada pontulmente só a publica para adultos ou para adolescentes burgueses, edições de luxo são muito bonitas mas até eu deixei de as comprar tão proibitivo é o seu preço..."
Ora bem, meu caro Flávio, isto é a verdade mais verdadeira e é exatamente por isso que se deixou de comprar HQ/BD, a não ser em saldos.
O elitismo dos editores de HQ portugueses, acabou com as revistas. A publicação passou apenas a fazer-se em Albuns, de elevado preço, a diversidade por isso acabou.
Tem de se retomar a ideia de HQ popular, com impressão em papel de jornal e formato de comics norte-americano, para que a HQ retome o papel fundamental que desempenhou em Portugal e no Brasil e que ainda tem nos EUA e no Reino Unido.
Outra ideia é retomar também a publicação nos jornais diários das tiras diárias e da publicação de suplementos dominicais coloridos que ainda saiem nos EUA, mas que em Portugal acabaram, como é o caso do Suplemento dominical do jornal "Primeiro de Janeiro", que publicava o Princípe Valente a cores e em formato gigante, entre outros.
A ideia dum suplemento em Quadrinhos no "Nova Águia" pode ser por isso o retomar do espírito da HQ popular que tanto precisamos.
Abraço
L+G
Eu gostaria de ver até que ponto seria viável a publicação de hq em Portugal.
No Fórum Fantástico 2008 tratou-se disto, e o Phermad, meu companheiro no "Murmúrios das Profundezas" e fanzineiro de hq veterano, realçou que em Portugal o mercado - pelo menos da produção nacional - reside no escoamento, às vezes a custo, de tiragens de "no máximo, 200 exemplares"...
DUZENTOS, para não julgarem que me esqueci dum zero.
Desde o meu artigo, que creio também ter saído no "Blogue das Artes", a Panini Comics do Brasil começou a exportar alguns dos seus hqs a preço mais barato que os disponíveis anteriormente em Portugal (pela também multinacional Devir).
Sinceramente acho que Portugal até tem mercado para os "Tio Patinhas" e "Pato Donald", "Mickey" e etc, o problema é que a editora (do Bilderberg Pinto Balsemão) fazia parte dum conglomerado brasileiro que deixou de publicar e por cá se limitavam a 'traduzir' do português brasileiro para o nacional (se não vendesse, porque é que ainda andam a sair reedições?) e não têm capacidade, ou a vontade ou o dinheiro para pagarem as licenças de publicação exigidas pela Disney.
O mais curioso é que Portugal tinha uma tradição antiga de bd nacional, desde o "Major Alvega" passando pela "Camões" e mais uma mão cheia de revistas mais conhecidas, como a "Camarada".
A bd brasileira, com excepção das personagens do Maurício de Sousa, tem andado mais em redor do humor, como a "Chiclete com Banana" e a "Mad".
Portugal atualmente tem apenas uma única revista de HQ/BD, o BDjornal: http://kuentro.weblog.com.pt/ ,de uma qualidade extraordinária, muito devido ao seu diretor, Jorge Magalhães, que recentemente passou a publicar notícias e HQ também Brasileiras, mas o Brasil tem um larguissimo historial de publicações de HQ desde 1932 para cá.
Como curiosidade digo apenas que na década de 1960, só a EBAL, publicava mais de 40 revistas de HQ Mensais, algumas como "Os Clássicos Ilustrados",que publicavam versões em HQ de grandes escritores Brasileiros e Portugueses, como Jorge Amado ou Eça de Queiroz.
Vou explorar mais esta temática que me apaixona, em futuros posts.
L+G
Divulgai, divulgai :)
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