O ovo inicial era Lupária, a terra das lobas,
na selvagem ternura com fanais rotos
e o monte bravio das aguadeiras
que chegavam desde o vale do Pico Sacro
com cheiro a manancial.
Lupária, a terra das saudades antigas,
receptora espermática do logos,
a terra dos relevos torna sol,
a geografia da estirpe longa,
da nossa estirpe de adúlteras,
de mulheres livres,
da nossa estirpe que sempre gorentou
as cerejas primeiras,
da nossa estirpe que paria varões
e desejava filhas por simples afã de viver;
da nossa raça de esperantes vivas;
a nossa raça de heranças femíneas
e olhos verdes com poder de seiva,
de olhos bravios com brilho de faca doce;
nós as filhas da forneira,
a cozer o pão de milho nas manhãs de inverno,
a sobreviver sem fome nos lábios feitos carne
e verso velho;
as raparigas das neveiras em Meixãofrio
a sentir arder o lume nas entranhas
dos dedos gelados;
as filhas místicas dos desejos,
a santa, Teresa, a santa;
as longas sombras de Ramona,
a que voltou sem homem e com filhos,
a linha de luz de Cármen, a dos pássaros,
os beijos de Antónia, generosos de carne,
o longo percurso de Dolores.
Nós, as parideiras, as mães de mundo longo,
as filhas para o mundo,
as galaicas,
as descendentes da rainha,
da grande Lupa,
a decifradora dos sonhos,
a senhora dos astros.
Iolanda Aldrei
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